Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Números da farsa

Como pode uma empresa funcionar com prejuízo operacional por mais de uma década? Pois Delta Publicidade, que edita o jornal O Liberal, pode. Nesse período, ela acumulou R$ 100 milhões no vermelho. O mistério: de onde veio o dinheiro para tapar esse buraco monumental nas suas contas?

Delta Publicidade é uma das empresas mais poderosas do Pará e do norte do país. Não por seus números, a demonstração financeira das suas atividades. Se os balanços da empresa fossem a única forma de análise sobre o seu significado, ela equivaleria rigorosamente a uma firma secundária, que jamais poderia se arvorar a praticar os atos que comete, desafiando a própria sociedade do local onde atua e muito mais. Ao contrário, a prestação de contas que ela faz, por sua condição de sociedade anônima, depõe contra os seus donos. O que os protege é o produto de Delta Publicidade: o jornal O Liberal, um dos componentes do império de comunicação detido pela família Maiorana. Seu vértice é a TV Liberal, afiliada à Rede Globo de Televisão.

Delta Publicidade, comandada por Romulo Maiorana Júnior, apresenta prejuízos há mais de 10 anos. Isto quer dizer que sua receita não cobre os seus custos operacionais. O dinheiro da sua renda é inferior, há mais de uma década, aos custos de produção. Esse prejuízo operacional, no entanto, pouco afetou sua liquidez corrente. Ela continua tendo mais de R$ 1,00 no ativo circulante, para cada R$ 1,00 de dívida de curto prazo (registrada no passivo circulante). Estranhamente, o ativo circulante e o passivo circulante são quase equivalentes (R$ 30,6 milhões um e R$ 30,0 milhões o outro).

Invariavelmente, as despesas operacionais de Delta Publicidade são maiores do que o lucro bruto. No quinquênio que analisamos (2005/2009), só em 2005 e 2009 é que a disparidade foi um pouco menor. Em 2005, a despesa operacional foi 27% maior que o lucro bruto; em 2006, ela representou 2,2 vezes o valor do lucro bruto; em 2007, 2,5 vezes; em 2008, 2,4 vezes. Em 2009, a situação melhorou um pouco: a despesa operacional foi “apenas” 54% maior que o lucro bruto.

Renda formal

A pergunta imediata diante desses números é: como uma empresa pode se manter em situação de crônica incapacidade de atender suas despesas operacionais. São desse tipo de despesas a folha de pagamento do pessoal administrativo, contas de luz, água, telefone, compra de papel higiênico, manutenção e reposição de microcomputadores e tudo mais. São, por isso mesmo, despesas do dia a dia, que não podem ser postergadas. Se não forem pagas, a empresa para.

Mantidas em tal situação as dívidas de curto prazo da empresa explodem. Com a Delta, nada disso acontece. A liquidez corrente dela é surpreendentemente saudável. Tem até uma liquidez imediata de R$ 0,54 para cada R$ 1,00 de dívida de curto prazo. Ou seja, o dinheiro vivo em caixa representa mais da metade do valor total da dívida de curto prazo. Nada menos que R$ 16,2 milhões em moeda corrente, guardados no banco, para uma dívida de curto prazo de R$ 30,0 milhões. Formidável.

Qual a mágica? – perguntaria Zenaldo Coutinho. Contabilmente, isso está explicado pelo exigível de longo prazo. É como se a Delta dispusesse de um sócio oculto, que mete dinheiro na empresa sem pedir nada em troca. Em 2005, esse sócio oculto havia enterrado R$ 86,1 milhões na Delta. Em 2009, a injeção de ânimo já era de R$ 101,0 milhões. É esse cidadão generoso que absorve todo o prejuízo da empresa, e faz com que ela, mesmo cronicamente incapaz de se manter em pé usando somente suas frágeis perninhas, consiga, não obstante, viver com uma liquidez digna das mais sólidas e bem administradas empresa do país.

Quem é esse sócio? Alguém sabe? Mesmo sem o seu nome, pode-se deduzir que seja uma pessoa muito bondosa. A dívida com ele só faz subir. Ele nunca é reembolsado desse dinheiro. Aparentemente também não recebe juros. Pelo menos, não os juros de mercado. Se ele cobrasse juros de mercado, o resultado financeiro líquido da empresa não seria positivo, como é declarado no balanço.

Nesse ponto começa a aparecer o pé de barro da manipulação contábil de Delta Publicidade. Se a geração de caixa da empresa é negativa (ela confessadamente, gasta mais do que ganha), e, mesmo assim, apresenta uma altíssima liquidez, é porque consegue dinheiro vivo emprestado (como ela mesmo admite, contabilizando esse auxílio no exigível de longo prazo). Como ela nunca paga esse dinheiro emprestado, é de se supor que isso implique um serviço da dívida (que, em parte, responderia pela elevação do exigível de longo prazo). Sendo assim, por que isso não se reflete no resultado financeiro?

A não ser que esse dinheiro tenha sido emprestado à Delta por alguém tão generoso que nem juros cobra. E deve ser alguém tão rico, que não sente falta nenhuma de mais de R$ 100 milhões. Enfia esse dinheiro todo num negócio falido e esquece. Quem poderia ser esse Mecenas?

Seria o governo, que, através da Funtelpa, pagava grande soma (uns R$ 40 milhões, em valor atualizado) para emprestar à TV Liberal sua rede de torres de retransmissão de imagens de televisão, ou mantém diversos tipos de contrato de serviço, como com os jatinhos da ORM Air? O problema é que as operações com o governo têm de ser faturadas. Vão para a receita. Nunca iriam para o exigível de longo prazo. A questão, aí, é que as pessoas que fazem esse “empréstimo” têm que ter renda formal que lhes possibilite esse gasto. No caso dos proprietários, eles teriam que ter outra fonte de renda.

Prejuízo acumulado

A “vampirização” é outra prática muito comum. Eufemisticamente, há empresário que gosta de usar a expressão “teoria dos vasos comunicantes”. Drenam-se recursos de uma empresa mais lucrativa para outra nem tanto, mas que se tem interesse em manter em boas condições de funcionamento.

Tem gente que se dá mal fazendo isso. Acaba detonando com todo o grupo. Mas há os que se dão bem.

O Mecenas poderia ser então a TV Liberal. Por contar com a programação da emissora campeã de audiência, a Rede Globo, a Liberal é lucrativa. A drenagem de dinheiro da tevê para o jornal estaria acontecendo por meio de uma triangulação, passando primeiro para os proprietários e só depois para O Liberal. Assim, os Maiorana teriam renda suficiente para justificar seus créditos junto à Delta. Além do mais, como são créditos de proprietários, eles podem, a qualquer tempo, ser transformados em participação societária. Nesse caso, o custo da operação, inclusive o tributário, ficaria todo para a tevê.

A transferência de recursos pode ter-se tornado tão expressiva que alertou e causou preocupação à Globo. Sua afiliada estava ficando defasada e perdendo competitividade por falta de investimentos. A situação adquiriu dimensão de catástrofe para a família Marinho quando sua maior concorrente, a Record, começou a conquistar audiência e esteve por passar à frente da TV Liberal.

Depois da intervenção que fez no jornalismo da afiliada, a Globo passou a auditar diretamente as finanças da emissora dos Maiorana através de um preposto, que passou a dar expediente mensal em Belém. Com os dados em mãos, a Globo obrigou a Liberal a renovar equipamentos, comprar um helicóptero, aumentar as equipes e melhorar sua operação.

Como consequência desse maior controle, houve uma redução da sangria financeira nos últimos anos. Em 2009, por exemplo, a transação ficou em R$ 1,9 milhão. Bem menos que em anos anteriores.

Em anos de operação, o jornal acumulou 100 milhões de prejuízo. Quem emprestaria todo esse dinheiro sem receber o principal e sem cobrar juros?

Poder e padrinhos

Restam então quatro hipóteses:

(a) o dinheiro é gerado pela própria empresa, sem registro formal, e nela permanece parcialmente, como crédito dos proprietários (o resto fica com os proprietários, mesmo, sob a forma de renda não declarada);

(b) a empresa está “vampirizando” outra empresa, dos mesmos proprietários;

(c) a empresa tem um ou mais sócios ocultos, com contrato de gaveta, que participam de sua sustentação financeira e não querem aparecer formalmente (pelo menos por ora);

(d) combinação das três alternativas anteriores, a hipótese mais provável.

Tudo indica que a contabilidade da empresa é fraudada. As demonstrações financeiras sugerem a existência de uma escrituração paralela, que é ajustada à conveniência dos donos. Talvez por isso é que eles demoram tanto a publicar os balanços.

Os Maiorana parecem fazer a empresa dar prejuízo para não pagar impostos. É um dado estranho. Por ser uma empresa de publicidade, a Delta tem que pagar impostos. Se fosse uma empresa jornalística, gozaria de imunidade tributária. Foi Romulo pai quem criou a firma. Por que ele ou os sucessores não alteraram a condição jurídica? É mais um mistério na história do grupo Liberal.

Dando prejuízo oficialmente, a empresa não distribui lucro oficialmente. Como seus proprietários não recebem lucros, oficialmente, não têm por que pagar impostos sobre participação nos lucros.

Dando prejuízo, e com geração de caixa negativa, a empresa teria que funcionar com um saldo de caixa baixíssimo. Não tem, até porque, se o saldo de caixa fosse compatível com o movimento oficial de receita, custo e despesa, a empresa já teria fechado.

O que é que os Maiorana fazem para resolver o problema? Eles mantêm um caixa suficientemente forte para segurar o funcionamento da empresa. Para fechar contabilmente, usam como contrapartida o passivo, principalmente o exigível de longo prazo, que já acumula a quantia nada desprezível de R$ 101 milhões.

É uma situação insólita: um prejuízo crônico, convivendo amavelmente com uma liquidez de dar inveja a muita empresa lucrativa que há por aí.

Quem seriam os credores desse exigível de longo prazo? Talvez os próprios proprietários da empresa. A qualquer tempo, eles poderão, se quiserem, transformar essa “dívida” em participação societária.

O capital social poderia passar dos atuais R$ 657 mil para R$ 70 milhões ou R$ 80 milhões, sem que fosse necessário desembolsar um único centavo (a não ser com os registros legais). Seria, apenas, uma operação contábil mais a burocracia de lavratura dos documentos.

Daí porque, estando a empresa oficialmente na situação em que está, os donos não dão sinais de preocupação. A empresa funciona normalmente, eles ganham um bom dinheiro e não pagam impostos.

Um nível de capitalização baixo é, também, uma boa estratégia para o caso de as coisas acabarem por não dar certo e explodirem. Os proprietários de uma sociedade anônima respondem, solidariamente, com seus bens pessoais, pelas dívidas da empresa até o limite do capital social.

Se o capital social for R$ 70 milhões, a responsabilidade deles será de até R$ 70 milhões. Se o capital for singelos R$ 675 mil, a responsabilidade será de singelos R$ 675 mil.

Há, em tese, uma série de obstáculos para esse tipo de manipulação. Mas isso é para quem não tem poder e padrinho. Seguramente não é o caso dos donos da Delta.

***

O caixa negativo

O último balanço publicado de Delta Publicidade foi o de 2009. Já há dois exercícios vencidos e um terceiro, o de 2012, que está por vencer. A empresa parece não se preocupar com sua atualização contábil. No entanto, nenhuma instituição bancária pode operar com uma firma sem que ela apresente o seu balanço do exercício. Como, então, Delta Publicidade faz sua movimentação creditícia? Ou não opera com bancos?

O que chama mais a atenção nas demonstrações financeiras da poderosa empresa que edita o jornal O Liberal é a simplicidade, pobreza mesmo, do seu balanço, que não guarda o menor traço de correspondência com a imponência da publicação. Pode-se perceber melhor os números da Delta através dessa reordenação do seu balanço:

Como se vê, a geração de caixa de Delta Publicidade foi negativa em 2009, Já na cobertura dos custos, das despesas e dos tributos, o fluxo de caixa desse exercício se revelou negativo em R$ 1,5 milhão. Acontece que, em 2009, a empresa ainda aplicou R$ 3,8 milhões na formação de estoque, na concessão de créditos a clientes e em outros valores realizáveis (adiantamentos a proprietários, por exemplo). Disso resultou uma geração líquida negativa de caixa no valor de R$ 5,3 milhões.

A empresa cobriu esse vazio recorrendo, basicamente, a três fontes de recursos:

a) o próprio caixa da empresa, que havia encerrado o ano anterior com uma disponibilidade total de R$ 17,5 milhões, e que, tendo cedido R$ 1,3 milhões para cobertura da geração negativa de caixa em 2009, encerrou esse ano com o saldo de R$ 16,2 milhões;

b) o aumento do endividamento de curto prazo em R$ 1,8 milhão;

c) o aumento do endividamento de longo prazo em R$ 1,9 milhão;

d) um “ajuste de exercícios anteriores” de R$ 304 mil, cuja origem a empresa não explicou (deve ter sido gerado por algum “chegômetro”, equipamento também conhecido nos meios contábeis como “máquina de amolar carimbo” ou “calibrador da engrenagem da marcha a ré de aviões a jato”, ou qualquer outra designação dentro do mesmo espírito).

As fraudes no balanço

Delta Publicidade – Balanços e Demonstrações de Resultado – 2005 a 2009

I – Balanço Patrimonial (Em R$ 1.000,00)


(*) Valor Consolidado: nos anos anteriores a 2008, os valores referentes ao Ativo Circulante e ao Passivo Circulante eram publicados sem os respectivos desdobramentos.

 

Fonte: 2005 e 2006: DOE nº 31138, de 31-03-2008, Caderno 4, página 12; 2006 e 2007: DOE nº 31263, de 26-09-2008, Caderno 3, página 14; 2008 e 2009: DOE nº 31961, de 21-07-2011, Caderno 4, página 16

 

II – Demonstração do Resultado (Em R$ 1.000,00)


Fonte: 2005 e 2006: DOE nº 31.138, de 31-03-2008, Caderno 4, página 12; 2006 e 2007: DOE nº 31.263, de 26-09-2008, Caderno 3, página 14; 2008 e 2009: DOE nº 31.961, de 21-07-2011, Caderno 4, página 16

1– Estão incorretos os dados do Ativo referentes a 2007. A soma dos valores atribuídos ao Ativo Circulante e ao Ativo não Circulante totaliza R$ 117.728 mil, e não R$ 117.540 mil, como consta no balanço publicado. Há, portanto, uma diferença de R$ 188 mil. É possível que isso tenha sido provocado por um erro de digitação, que, até o momento, ainda não foi corrigido (embora decorridos mais de seis anos da data de fechamento do balanço e mais de quatro anos da data de publicação).

2 – Na mesma publicação, também está grafada incorretamente a Receita Bruta de 2006, pelo valor de R$ 33.311 mil. No DOE onde foi publicado o balanço de 2006, a mesma Receita Bruta figura por R$ 36.311 mil. Presume-se que este último é o valor correto, porque coerente com as demais informações. Terá havido, assim, outro erro de digitação nos dados publicados em 26-09-2008, também não corrigido até a presente data.

3– Em todo o período analisado – 2005 a 2009 – a empresa operou com prejuízo. A receita gerada pelo negócio da empresa revela-se cronicamente inferior à soma dos impostos indiretos, custos e despesas. Invariavelmente, ao longo do período analisado, é negativo o resultado operacional antes do resultado financeiro. Em 2005, esse resultado negativo correspondeu a 8,8% da receita bruta. Em 2006, saltou para espantosos 23,6%. Em 2007 teve uma leve queda, passando para 22,5%. Subiu para 23,7% em 2008, para, finalmente, cair em 2009 para 12,2%. Em 2009, portanto, para cada R$ 100,00 de receita, a empresa gastou R$ 112,20 de impostos indiretos, custos e despesas, e essa foi a melhor situação que ela registrou, desde 2006, quando ela chegou a gastar R$ 123,60 para cada R$ 100,00 que ganhou.

4 – O resultado financeiro suaviza a crítica situação da empresa, reduzindo substancialmente o prejuízo. Em 2005, por exemplo, o resultado financeiro reduziu o prejuízo de 8,8% para 3,3% da receita bruta. Em 2006, 2007 e 2008 o fenômeno se repetiria, com intensidade ainda maior: graças ao resultado financeiro, o prejuízo caiu de 23,6%, 22,5% e 23,7% da receita bruta, para 7,1%, 1,4% e 1,4%, respectivamente. Em 2009, o resultado financeiro positivo de R$ 4,4 milhões fez o prejuízo cair de R$ 5,8 milhões (12,2% da receita bruta), para R$ 1,4 milhão (3,0% da receita bruta). Os demais resultados operacionais e a tributação sobre o lucro (Imposto de Renda e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), totalizando R$ 93,0 mil, elevaram o prejuízo final para R$ 1,5 milhão, em 2009.

5 – São, portanto, operações estranhas ao negócio principal da empresa que mitigam – embora não revertam –, os maus resultados econômicos que ela sistematicamente apresenta. A mensagem que a empresa transmite é a de que seu negócio principal é economicamente inviável. No mínimo, opera com um nível de custo e despesa absolutamente incompatível com o nível de receita.

6 – Como dito acima, a empresa apresenta prejuízos sistematicamente. Ao longo do tempo esses resultados negativos foram se acumulando e acabaram anulando por completo o Patrimônio Líquido da organização. Há muitos anos a Delta Publicidade não dispõe mais de Patrimônio Líquido. Do ponto de vista estritamente técnico, essa empresa pertence, atualmente, aos seus credores, e não àqueles que figuram nominalmente como seus proprietários (embora seja sempre possível que os próprios proprietários estejam entre os principais credores da empresa, por meio de aportes em dinheiro atualmente registrados no Exigível de Longo Prazo, e que, a qualquer tempo, podem ser transformados contabilmente em capital próprio).

7 – Em 2005, ano em que se inicia esta análise, o Patrimônio Líquido da empresa já era negativo em R$ 1,4 milhão. Ou seja, o prejuízo acumulado já suplantava a soma do Capital Social com as Reservas em R$ 1,4 milhão. Desse ponto em diante, a situação apenas se agravou: esse passivo a descoberto se elevou para R$ 3,2 milhões em 2006, R$ 3,8 milhões em 2007, R$ 4,9 milhões em 2008 e R$ 6,1 milhões em 2009. Neste ano, o passivo a descoberto da Delta Publicidade passou a ser 4,36 vezes o que era em 2005, em termos nominais. Ou seja: nos cinco anos cobertos pela análise, o passivo a descoberto da Delta Publicidade cresceu 360%.

8 – No mesmo período, o prejuízo acumulado, que era de R$ 15,2 milhões em 2005, passou para R$ 16,2 milhões em 2006, R$15,9 milhões em 2007 e 2008, para fechar 2009 em R$ 16,2 milhões, novamente. No arco 2005 a 2009, portanto, o prejuízo acumulado cresceu 65,8%. A diferença entre a evolução do prejuízo acumulado e do passivo a descoberto, se deve ao fato de que este último foi influenciado não só pelo crescimento do prejuízo, mas também pela redução das reservas de reavaliação, que, de R$ 13,2 milhões em 2005, caíram para R$ 9,5 milhões em 2009.

9 – No encerramento do ano de 2009, o prejuízo acumulado, de R$ 16,2 milhões, correspondia a 24,6 vezes o capital social. Vale dizer, com o nível de capitalização atual, seriam necessárias 25 Deltas Publicidade, para cobrir o prejuízo acumulado.

10 – Em 2009, o endividamento de curto prazo (Passivo Circulante) da empresa, era de R$ 30,0 milhões, o que significa um crescimento de 60,4% em relação a 2005, quando a dívida de curto prazo era de R$ 18,7 milhões. No mesmo período, o Ativo Circulante passou de R$ 21,8 milhões para R$ 30,6 milhões (crescimento de 40,7%).

11 – Na movimentação de longo prazo, as parcelas ativas também evoluíram menos que proporcionalmente em relação às passivas, porém com bem menos intensidade que a registrada nas movimentação de curto prazo. De 2005 a 2009, o Realizável a Longo Prazo cresceu 13,6%, passando de R$ 41,1 milhões para R$ 46,7 milhões. Já o Exigível a Longo Prazo passou de R$ 86,1 milhões em 2005, para R$ 101,0 milhões em 2009 (crescimento de 17,3%).

12 – Em consequência, o descenso nos indicadores de desempenho de curto prazo foi mais intenso que nos de longo prazo. A solvência passou de 0,99 em 2005 para 0,95 em 2009 (queda de 4,0%). No mesmo período, a liquidez geral caiu de 0,60 para 0,59 (queda de 1,7%). Já a liquidez corrente despencou 12,8% (passou de 1,17 para 1,02).

13 – A evolução desses indicadores demonstra que a empresa perdeu capacidade de pagamento exatamente na zona onde o endividamento é menos administrável: nas obrigações de curto prazo.

14 – Curiosamente, um dos mais importantes itens do endividamento de curto prazo é o contratado junto a instituições financeiras. Da dívida total de curto prazo existente em 2009, no valor de R$ 30,0 milhões, nada menos que R$ 13,7 milhões, ou seja, 45,7%, eram dívidas junto a instituições financeiras.

15 – É de se pensar quais os critérios que essas instituições financeiras usam para colocar em risco o dinheiro de seus investidores, emprestando-o a um tomador que, a julgar pelos balanços que apresenta, opera um negócio economicamente inviável e está tecnicamente falido, sobrevivendo – e precariamente! – apenas graças a operações financeiras estranhas ao negócio principal.

Os critérios, evidentemente, não são nem lógicos nem legais. Explicam-se pelas intrincadas teias do mundo do poder.

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Gritaria e silêncio

Por que são espasmódicas as escaramuças entre o Diário do Pará e O Liberal? Esta é uma pergunta que cada vez mais é feita no Pará. Talvez a resposta esteja no grau de virulência que a troca de ataques entre os dois principais grupos de comunicação no Estado costuma atingir. Conscientes de que mais um pouco poderiam se colocar diante do irremediável, eles se dão uma trégua até que surja nova motivação para a volta do tiroteio, por enquanto, felizmente, ainda apenas (apenas?) verbal.

Esse tipo de intervalo parece ter-se estabelecido agora em torno da apreensão do jatinho da ORM Air, último tema das mútuas agressões, durante as quais é fácil para cada um dos grupos atacar, mas muito difícil se defender. Mas a motivação pode ter também outro componente: os efeitos da litigância entre os Barbalho e os Maiorana na justiça.

Os donos do grupo Liberal se consideram com motivos para achar que estão à frente dos inimigos e concorrentes. Chegaram a anunciar que os Barbalho já lhes devem um milhão de reais, em ações de indenizações que propuseram contra o Diário, que teve sua principal máquina, uma impressora rotativa, colocada como garantia da execução de sentença.

Na queda de braço em torno do jatinho, tudo indica mesmo que os Maiorana estão fazendo prevalecer sua vontade. A juíza Rosana Lúcia de Canelas Bastos, da 8ª vara cível, concedeu, em junho de 2006, a tutela inibitória antecipada que os Maiorana pediram, sem ouvir a outra parte. Determinou que o Diário do Pará “se abstenha da prática de publicações de matérias ofensivas, que levante acusações sem provas”contra a ORM Air, “abstendo-se de continuar violando os direitos” da empresa, sob pena de multa de R$ 50 mil.

Seis meses depois a juíza Helena de Oliveira Manfroi, que respondia pela 8ª vara, constatou que o jornal desrespeitou a decisão anterior, voltando a publicar matéria “com o mesmo teor daquelas que ensejaram a concessão da tutela inibitória”, deferiu o pedido da ORM Air para majorar a multa para R$ 100mil, “por cada nova matéria que venha a ser publicada com o mesmo conteúdo, revertida em favor da autora, valendo esta decisão como título executivo, sem prejuízo das penalidades pela desobediência, pelas quais responderão os diretores e redatores” do Diário do Pará, “sem prejuízo de eventual julgamento antecipado da lide”.

E agora, com os processos judiciais e as provas robustas contra a ORM Air reunidas pela Receita Federal e o Ministério Público Federal, como a justiça estadual se manifestará, se essas provas forem juntadas aos processos que por ela tramitam?

A pergunta é feita a quem pode respondê-la.

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[Lúcio Flávio Pinto é jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)]