Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Caçada na internet

A espetacular perseguição pelas ruas nos arredores de Boston aos dois suspeitos de matar e destruir a vida de dezenas de pessoas ao fim da maratona foi acompanhada por uma caçada silenciosa, pela internet, para descobrir a identidade dos homens de boné preto e branco nas imagens divulgadas pelo FBI. Na tentativa de chegar ao nome dos autores do atentado antes da polícia, nerds, blogueiros e legistas amadores detiveram-se sobre as milhares de imagens digitais da corrida e da cena do atentado à procura de indícios que pudessem ter escapado aos profissionais. Entrou em ação, possivelmente pela primeira vez, uma potente máquina paralela de investigação, mas a pressa, a junção de indícios disparatados, o descompromisso com a checagem das informações levaram a conclusões malucas, transformaram inocentes em suspeitos e criaram polêmica.

“Foi um linchamento digital”, acusou a revista Atlantic. Não era uma cobertura fácil nem para profissionais. Altas doses de tensão e emoção, televisões 24 horas no ar, poucas informações e muita pressão. O New York Post foi o primeiro a errar. Na quarta-feira, o tabloide de Rupert Murdoch publicou na primeira página a foto de dois falsos suspeitos, sob o título “Homens da mochila” e uma legenda identificando-os como procurados pelo FBI. A onda de especulações foi imediata, e um dos pobres coitados acusados injustamente saiu correndo para declarar sua inocência à polícia, antes de a “barriga” do jornal virar verdade. Salah Bahoun, 17 anos, foi à maratona ver a chegada dos corredores, exatamente como fizeram milhares de outras pessoas naquele feriado. Mas logo depois das explosões passou a ser apontado na internet como possível autor da carnificina: um jovem árabe, de pele morena, era o suspeito óbvio para o momento de busca de explicações para o ato de ódio.

O editor do NY Post reafirmou o erro, argumentando que recebeu por e-mail a foto dos dois homens circundados em vermelho por policiais. O jornal só reproduziu a história – explicou – mesma atitude tomada pela CNN, apesar da gravidade da decisão de exibir a imagem de um inocente como procurado por um terrível atentado.

O “cara da mochila”

No espaço aberto da rede, o movimento de caçada aos suspeitos começou logo após a bomba explodir, capitaneado pelo Reddit, que se autodenomina “a primeira página da Internet” – é um site da Condé Nast, a mesma empresa que edita a New Yorker. Durante toda a semana, os internautas divulgavam teorias/informações no grupo de relacionamento r/findbostonbombers subreddit , transformado em fonte de notícias para a mídia convencional. Na maioria das vezes, as notícias eram checadas, mas numa cobertura full time, a norma as vezes é atropelada. Aconteceu na noite de quinta-feira (18/): poucas horas depois de o FBI mostrar o retrato falado dos dois suspeitos, um deles foi localizado e morto no mais improvável dos cenários – perto do MIT, santuário da tecnologia americana.

A atividade era igualmente frenética no Reddit, onde todos tentavam dar um nome e um perfil àquelas duas figuras de boné branco e preto. Só na sexta-feira, eles se tornariam celebridades do mundo do terror, mas, na noite anterior, era intenso o fluxo de informações na rede social. Tinha sido descoberta uma foto melhor do homem que acabara de ser morto – Tamerlan Tsarnaev – e todas as tentativas eram para identificar o outro. “Acho que descobri quem é o suspeito número 2”, disse alguém. “Tem um estudante sumido há um mês, Sunil Tripathi”, completou o segundo. “É o maratona-bomba número 2?”, perguntou outro. Rapidamente a informação chegou à rede de televisão ABC, que ligou o estudante da Brown University à imagem do suspeito número 2. Alguém no Reddit ainda advertiu, “deixem o estudante sumido quieto”, mas já não adiantou.

Eram cerca de 3h, já madrugada, e no dia seguinte ninguém mais falou nisso, todos já conheciam o verdadeiro nome do suspeito número 2: Dzhokar Tsarnaev, o checheno, 19 anos, o homem mais procurado dos EUA na sexta-feira. O “cara da mochila”, inventado pelo Post, ainda está com medo de sofrer violências, e a família do estudante sumido postou no Facebook que ele não tinha nada a ver com as bombas, mas pedia aos acusadores que ajudassem a localizar o “amado Sunil”. Informação errada também dói e faz sofrer.

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Helena Celestino, do Globo