Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Para onde vai a divulgação científica

Entre os dias 24 e 28 de junho, a capital da Finlândia recebeu mais de 800 jornalistas e comunicadores científicos, que se reuniram na prestigiada Universidade de Helsinque para a 8ª Conferência Mundial de Jornalistas de Ciência, organizada pela Federação Mundial de Jornalistas de Ciência (WFSJ, na sigla em inglês). O encontro teve o apoio de instituições internacionais, públicas e privadas, e agregou profissionais de cerca de 80 países.

Juntos, jornalistas, comunicadores e pesquisadores de diversas áreas discutiram conceitos, destacaram práticas e apontaram possíveis direções para a cobertura de temas de ciência, tecnologia e inovação em diferentes lugares do mundo. Distantes entre si não apenas geograficamente, esses países também apresentam realidades bastante díspares de produção científica e de cobertura jornalística, e o conteúdo apresentado e debatido na conferência foi, de fato, igualmente diversificado.

Foram abordados assuntos que estão muito presentes no cotidiano das pessoas, como mudanças climáticas, saúde, medicina e energia renovável, entre outros, ressaltando o caráter de balanço geral das experiências em jornalismo científico ao redor do mundo. Mas também foram discutidos aspectos conceituais – imprescindíveis para a cobertura e divulgação de tema tão controverso e competitivo.

Contudo, a ênfase dada à prática jornalística nos países desenvolvidos, sobretudo na Europa e nos Estados Unidos, sobressaiu, em detrimento da cobertura de assuntos científicos e de pesquisa em países de outras regiões, que, embora retratada, ficou longe de obter destaque. Seria esse um reflexo da própria carência de visibilidade, internacional ou mesmo regional, de que sofre a ciência produzida nessas regiões? Provavelmente, sim, entre outras causas possíveis.

Embora tenham comparecido a Helsinque jornalistas africanos, asiáticos e latino-americanos, a presença maciça de jornalistas europeus, especialmente de países do norte e leste da Europa, foi marcante. Com isso, o foco ficou concentrado no jornalismo praticado nos chamados países desenvolvidos, o que, nem de longe, é algo ruim – sempre se pode aprender com quem está no olho do furacão ou pelo menos mais perto dos maiores produtores mundiais de conhecimento –, principalmente em um momento em que, mesmo em países com maior tradição em jornalismo científico, a crise financeira obriga a um aperto de cintos geral, seja nos laboratórios, seja nas redações.

Troca de experiências

Desequilíbrio de público e conteúdo à parte, a conferência foi dividida em três vertentes principais, englobando valores comuns ao jornalismo científico praticado nos diversos países, com apresentação de cases e experiências, além de discussões teóricas. Fizeram parte do debate os desafios para a cobertura e a divulgação da ciência em diferentes contextos e culturas, bem como alguns dos principais problemas mundiais e as respostas oferecidas pela ciência.

Contudo, o evento também foi propício para observar temas pertinentes ao jornalismo de ciência feito no Brasil em relação às características mais perceptíveis de cada país, com méritos e deficiências. Essa visão panorâmica pode ajudar a entender melhor o que se faz no Brasil em um contexto internacional, e a pensar sobre como diferentes níveis de investimento se refletem no tipo de cobertura e na quantidade de veículos que se dedicam ao tema.

Foi possível perceber que houve uma mudança no perfil do evento bianual desde a edição de 2009, quando boa parte das apresentações era feita por cientistas.

Desde 2011, com uma maior participação de jornalistas expositores, o teor ficou muito mais concentrado na discussão da prática jornalística.

No entanto, a relação exposta entre teoria e prática de jornalismo científico em diferentes meios e situações ajuda a entender um pouco da organização e da logística do evento em si – participa mais quem tem mais interesse no tema. Isso parece importante para o caso da realização de uma conferência da WFSJ no Brasil, cuja produção científica, cada vez mais, tem despertado a curiosidade de jornalistas no exterior, embora nenhum caso brasileiro tenha sido apresentado em Helsinque.

Na conferência, o protagonismo de alguns países talvez se explique por que, no hemisfério norte, a cobertura de ciência, além de mais antiga, normalmente tende a ser mais estruturada. Também se deve ao fato de seus veículos reservarem mais espaço à ciência e, de modo geral, terem mais profissionais especializados no assunto. Some-se a isso a existência de ter público leitor (formado ao longo dos anos) que, possivelmente, corrobora a permanência e o surgimento tanto de cadernos e editorias de ciência nos jornais quanto de revistas especializadas. Ou ainda pela propagação de sites e blogs sobre o universo científico – essa sim uma tendência que se espraia sem fronteiras.

E vem daí a boa notícia. Se, por um lado, a propalada “falta de público” motiva a diminuição de espaços impressos em jornais (menos lá do que aqui), por outro, a dinâmica do jornalismo e da divulgação científica não se furta a acoplar, em sua trajetória, as novas tecnologias da informação e comunicação.

São justamente as plataformas digitais que têm permitido aumentar não apenas o público leitor, mas também a participação das pessoas na construção e discussão dos assuntos de ciência.

Nesse movimento, os sites e blogs de divulgação científica florescem e foram apontados durante a conferência de Helsinque como os meios que mais avançam, inovam e ganham leitores, mundo afora.

Da prática à teoria

Ainda que as novas tecnologias tenham capacidade limitada para modificar conceitualmente a área da comunicação, elas são absorvidas com rapidez pelas sociedades e pelo próprio jornalismo científico. Aos jornalistas cabe dominá-las e usá-las com destreza, mas isso não basta.

O uso de ferramentas sofisticadas, cada vez mais acessíveis na internet, não deve estar desassociado de conceitos básicos da comunicação, ou seja, é preciso, também no jornalismo científico, equilibrar o que se aprende sobre o novo com o que se sabe sobre o convencional.

Um dos pontos relevantes discutidos entre profissionais de meios distintos e condições de trabalho diversas foi, justamente, a necessidade de que os princípios que norteiam a comunicação e o jornalismo sejam observados – continuamente – também por jornalistas de ciência.

Isso porque, na ânsia pela notícia ou pelo furo de reportagem, muitas vezes a apuração dos fatos, a investigação e o cuidado na checagem dos detalhes e controvérsias – aspecto intrínseco à ciência –, se postos em segundo plano, podem significar a disseminação de um engodo, do ponto de vista científico, mas também jornalístico.

Quando se esquece de conceitos básicos, de pouco ou nada valem gadgets e aplicativos. Por isso, a ausência de políticas públicas de apoio à divulgação científica (que envolve não apenas jornalistas), aliada à falta de políticas editoriais que contemplem espaço para o jornalismo de ciência, tem sido encarada como um dos maiores entraves para a qualificação da boa cobertura de C&T em todo o mundo. E receitas para solucionar a questão, se existem, certamente não se aplicam a todos os casos.

Até porque, a limitação enfrentada pelo jornalismo científico na grande mídia não significa restrição de mesma ordem quando consideramos a divulgação da ciência feita por outros meios.

Vale lembrar que divulgação científica também é realizada por cientistas, professores, programadores de museus e animadores culturais, entre outros, em um movimento que envolve o público, que se insere fortemente nas redes sociais, e faz parte da chamada cultura científica, ou seja, um processo cultural com transformação social.

Assim, parece natural que a divulgação científica se amplifique e ganhe propulsão nas redes sociais, mas o que dizer do jornalismo científico?

Para diminuir sua defasagem diante de outras formas de divulgação da ciência, o jornalismo científico carece de autocrítica, por parte de jornalistas e veículos, mas também de alguma organização. Para isso, seria necessário reforçar a ação das associações de jornalismo científico nos países. Essa, aliás, foi uma ausência sentida durante a conferência, pois havia poucos representantes dessas instituições em Helsinque.

Da África estavam representadas as associações da Nigéria e África do Sul. Da Europa, Alemanha, Dinamarca, Finlândia, Estônia, Polônia e Itália, além dos países bálticos. Da Ásia, Japão, China e Coreia do Sul. Do continente americano, apenas a associação de jornalismo científico de Quebec (Canadá) compareceu formalmente, embora alguns jornalistas latino-americanos presentes fizessem parte de associações em seus países.

A Associação Brasileira de Jornalismo Científico (ABJC) não enviou representante, e também não houve a participação de jornalistas da grande mídia brasileira. Essa lacuna foi bastante significativa, pois acompanharam a conferência jornalistas da grande mídia de outros países da região, como Argentina, Chile e México. Assim, o Brasil esteve representado apenas por jornalistas de instituições públicas, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), da revista Ciência Hoje, publicada pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e do Museu da Vida, da Fiocruz.

O grupo de jornalistas brasileiros discutiu entre si, em diversos momentos, diferentes aspectos abordados nas conferências e sua relação com o jornalismo de ciência praticado no Brasil. A ausência de expositores brasileiros, porém, prejudicou a visibilidade das ações de divulgação científica no país, limitadas a estandes da Fapesp, um dos sponsors do evento, e da ABC, que realizou em novembro o Fórum Mundial de Ciência, no Rio de Janeiro.

A dúvida é até que ponto se pode esperar isenção, autonomia, liberdade de expressão e imparcialidade na cobertura brasileira de ciência quando a grande mídia, em meio à diminuição de espaço para ciência e tecnologia, parece se interessar pouco pela questão. Na verdade, a grande mídia sugere estar na contramão do que fazem as agências e veículos de comunicação de instituições públicas, que mantêm ações permanentes de divulgação científica, embora, em grande parte, vinculadas à produção do conhecimento e ao financiamento à pesquisa das quais são também mantenedoras.

Nesse sentido, a ausência de jornalistas de grandes veículos brasileiros talvez signifique certo “desconhecimento” ou falta de sensibilidade – corrigível –, por parte dos jornais, da importância crescente do tema científico para o país. Pior, pode refletir a pouca relevância dada por empresas jornalísticas para a necessidade de qualificar e manter atualizados os profissionais por elas designados para esse tipo de cobertura. Pior ainda, pode ser uma questão estrutural.

Contudo, ainda que sejam múltiplas as causas, no atual momento por que passa o jornalismo científico nos veículos de maior circulação do país, as consequências são visíveis: editorias minguando, espaços restritos mesclados com outros temas, e profissionais que, muitas vezes, desdobram-se no tempo e no espaço para cobrir outras áreas além da ciência.

Desafios e alternativas

No movimento inverso ao da grande mídia, o jornalismo científico on-line e os blogs de ciência, mais do que divulgar informações com qualidade e responsabilidade, cumprem um papel de monitoramento e fiscalização da produção científica. Realizam uma observação crítica, fazem denúncias, questionam políticas e cobram resultados. São um espaço de autonomia, isenção e independência. Na verdade, estão ocupando muito bem um espaço vago.

Ainda assim, seus autores não deixam de sofrer algumas das restrições pelas quais passam seus colegas de veículos tradicionais, como a dificuldade de acesso às pesquisas e de interlocução com cientistas.

Uma tentativa de driblar esses impedimentos é o modelo do Science Media Center (SMC). Trata-se de um serviço criado na Inglaterra que se propõe fazer a intermediação entre cientistas e jornalistas, colocando fontes em contato com repórteres. Focado na prospecção de boas pautas, na produção de notícias e na intermediação citada, o SMC realiza uma atividade que demanda tempo, dedicação e dinheiro.

Com escritório em Londres, o modelo do SMC já migrou para Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Japão e está em vias de iniciar sua atuação também na Itália e nos Estados Unidos. Ainda que o modelo funcione em alguns países, certamente não se aplica em muitos lugares, e, até o momento, o SMC não tem qualquer perspectiva de atuação na América Latina.

Um de seus focos principais é fazer com que o cientista atue de maneira satisfatória no contato com a imprensa. A orientação geral é para que o pesquisador, entrevistado ou fonte de uma reportagem, tenha clareza do que ele quer comunicar, o que ele deve ou não falar, qual linguagem pode usar e, finalmente, que tenha noções de como funciona a lógica do jornalismo.

Resumidamente, ele deve saber que o texto jornalístico pode fazer com que informações codificadas possam ser compreendidas pelos leitores, o que passa, antes, pela compreensão do próprio jornalista. Para o cientista, é uma espécie de media training, o que, de fato, ajuda muito para sua relação com a imprensa. No entanto, a atuação dos SMC não se limita a isso.

Sem fórmulas prontas

Trata-se de uma iniciativa robusta e eficiente, mas o financiamento de suas ações não a isenta de cobranças, digamos, em outro tipo de moeda. O modelo do SMC está sustentado em donativos e, por isso, frequentemente são questionadas a isenção e a imparcialidade de sua atuação, financiada principalmente por doações de empresas, instituições voltadas à pesquisa, universidades e agências governamentais, entre outras. Sem fórmulas definitivas para o jornalismo científico, a 8ª Conferência Mundial de Jornalistas de Ciência mostrou modelos possíveis e lançou aos participantes mais discussões do que conclusões, questionando o papel global de jornalismo científico e da comunicação.

A ideia presente na conferência final é a de promover o bem-estar social, econômico e ambiental das sociedades, com base na divulgação do conhecimento. Para isso, foi ressaltada a importância da cobertura de temas científicos com qualidade e independência, para uma análise melhor de provas e das implicações científicas no cotidiano das pessoas.

A organização do evento destacou ainda o papel das associações de jornalismo científico dos países, que consiste em promover a liberdade de expressão, de acesso a informações, a transparência e a promoção do diálogo entre organizações públicas e privadas envolvidas com a pesquisa e a política científicas. Isso sem comprometer a independência do jornalismo na cobertura da ciência. Tarefa mais difícil do que impossível.

Ao final, também foi destacada a necessidade de conferências que discutam essas questões ao redor do mundo, considerando a possibilidade de troca de informações e de trabalhos conjuntos, com o objetivo de criar modelos de jornalismo científico que incorporem diferentes conceitos, tendências e práticas. De volta para casa, cabe aos participantes cumprir seu papel, com resultados que poderão ser vistos na próxima edição do evento, em 2015, em Seul, na Coreia do Sul.

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Samuel Antenor é jornalista, especializado em Jornalismo Científico, mestre em Divulgação Científica pelo Labjor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e assessor de comunicação da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp)