Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Falta de papel ameaça jornais

“Em menos de dois meses, seremos um país sem jornais impressos, algo que nunca se viu no mundo.” A frase é de Miguel Otero, diretor do “El Nacional”, um dos mais importantes jornais venezuelanos, com sede em Caracas.

Na última semana, o “Nacional” anunciou em editorial que, devido a travas burocráticas impostas pelo governo Nicolás Maduro, só tem papel para imprimir jornal nas próximas seis semanas.

Desde outubro último, dez diários do interior fecharam, e 21 anunciaram que podem fazer o mesmo caso recursos para a compra de insumos não sejam liberados pela Cadivi (Comissão de Administração de Divisas). O “El Universal”, rival do “El Nacional”, também disse passar pelas mesmas dificuldades.

Os jornais venezuelanos dependem de papel importado, principalmente do Canadá (cerca de 80%). Para obtê-lo, as empresas devem pedir ao órgão permissão para comprar dólares. Além disso, é necessário obter uma autorização que justifique a compra de produto importado.

“São trâmites demorados, que requerem muita antecedência. O governo demora a liberar a compra. Uma vez aprovada, não libera o recurso. Nessa espera, os jornais fazem reformas, acabam com suplementos, para resistir até quando puderem. Muitos não vão conseguir”, afirmou à Folha Carlos Carmona, proprietário e diretor do jornal “El Impulso”, de Barquisimeto.

Desde 2003, há um controle estatal do câmbio que impede a livre compra e venda de divisas, administradas exclusivamente pela Cadivi.

Nos últimos meses, o “Nacional” eliminou os suplementos de moda e de literatura. O “Impulso” passou de quatro cadernos para dois. Em editorial, o jornal, o mais antigo da Venezuela, anunciou que só tem como circular até o começo de fevereiro.

“É um ataque por via indireta, porém óbvia. Equivale a cortar o suprimento de água de um pequeno vilarejo”, disse em entrevista à Folha o jornalista americano Jon Lee Anderson (autor de “Che ““Uma Biografia”). “Maduro está imitando a China comunista, o stalinismo. Não entendo bem o que quer fazer. Associado ao fato de ser inábil para lidar com a economia, isso não leva a Venezuela a um futuro promissor”, completa.

O governo do país defende-se dizendo que a liberação de divisas para comprar insumos obedece a uma hierarquização de importações.

Desde 2012, o papel-jornal não é considerado “prioritário” na hora de obter autorização para a compra. A deputada governista Tania Díaz, vice-presidente da Comissão de Poder Popular e Meios de Comunicação da Assembleia Nacional, disse que “os jornais que estão reclamando são os que mais receberam insumos nos últimos meses”.

Otero refuta, dizendo que desde maio o “Nacional” não obtém autorização para comprar papel ou mesmo tinta.

“É um avanço final. O Estado já eliminou a oposição nas TVs, com expropriações e outras táticas; agora vai para os jornais. Não é novo, Perón já fez isso nos anos 40. E o kirchnerismo repete a estratégia do asfixiamento econômico da mídia hoje, impedindo anúncios nos jornais de oposição”, diz Cláudio Paolillo, da SIP (Sociedade Interamericana de Imprensa).

Segundo Otero, as manobras contra a imprensa oposicionista se agravaram na gestão Maduro. “Nos 14 anos de Chávez nunca tivemos esse problema. As autorizações saíam com normalidade. Maduro aprova a compra de divisas, mas não as libera”, diz.

Redes sociais e TVs

Na última semana, Maduro nomeou um vice-ministério para cuidar exclusivamente das mídias sociais. José Miguel España terá como atribuição incrementar a produção de conteúdo de propaganda em contas de Twitter e Facebook ligadas ao governo e observar o que se publica na rede por contas independentes e de oposicionistas.

A medida alinha-se a decisão recente do equatoriano Rafael Correa, que anunciou uma emenda incluindo as mídias sociais no monitoramento previsto pela Lei de Mídia, em vigor desde junho.

Além disso, o governo tem se reunido com representantes das TVs para pedir que revisem sua programação, acusada de incentivo à violência.

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Concentração da mídia gera debate no Peru

A concentração de poder do grupo “El Comércio”, do Peru, levou o presidente Ollanta Humala e seus apoiadores a sugerir de novo a criação de uma lei de mídia nos moldes da Argentina e do Equador.

Em agosto, o conservador “Comércio” comprou o grupo Epensa e passou a controlar 78% do mercado. Desde então, governistas vêm pedindo a criação de órgãos de regulamentação.

Humala negou que isso possa ocorrer agora, mas se disse contra a operação, que um grupo de jornalistas tenta vetar na Justiça.

O debate contrapõe até o Prêmio Nobel Mario Vargas Llosa e seu filho, o também escritor Álvaro. O pai condena a concentração de poder do “Comércio”, enquanto o filho diz que é aplicação natural das regras do livre mercado. (S.C.)

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No Equador, repórter reclama de perseguição

Na noite de 26 de dezembro, o jornalista Fernando Villavicencio, sua mulher, Varónica Sarauz, e os dois filhos pequenos do casal estavam na casa da família em Quito.

“Por volta das 23h, dez homens encapuzados e armados forçaram a entrada. Ficaram três horas ali e levaram meu computador”, conta Villavicencio à Folha.

O grupo, composto por PMs e funcionários da Presidência do Equador, levava ordem do juiz Jorge Blum que permitia a busca na casa do jornalista para investigar acusações de espionagem e hackeamento de e-mails do presidente Rafael Correa.

“Obviamente a razão não era essa, e sim o fato de eu ter trazido à tona o envolvimento ilícito de empresários aliados ao governo na intermediação da venda de petróleo equatoriano à China”, resume Villavicencio, que publica seus artigos na revista “Vanguardia” e também atua como assessor legislativo de um deputado da oposição.

No Equador, assim como na Venezuela, Correa tem promovido uma escalada de ações para silenciar a imprensa opositora desde o início de seu governo, há sete anos.

Dias depois do ocorrido, Villavicencio viajou aos EUA para denunciar o fato. Nesse meio tempo, a Justiça reavivou um processo no qual o jornalista era réu por causa de artigos desfavoráveis a Correa. Foi condenado a 18 meses de cadeia por injúria.

“Agora estou aqui, sem poder voltar ao Equador, preocupado com minha família”, diz Villavicencio, que cogita pedir asilo político nos EUA.

Em outro avanço sobre a mídia opositora, o próprio Correa iniciou campanha por Twitter e meios oficiais contra os jornalistas Martha Roldós e Juan Carlos Calderón. Ambos haviam obtido fundos para abrir uma agência de notícias por meio do NED (National Endowment for Democracy), organização americana sem fins lucrativos.

Correa disse ao jornal governista “El Telégrafo” que os jornalistas haviam feito um pacto com a CIA e a extrema direita americana. “Foi um linchamento midiático”, diz Calderón, também ele condenado em outro processo por Correa, por ser coautor do livro “El Gran Hermano”, em que acusava o presidente e seu irmão de corrupção.

“É um novo momento de ataque à mídia. Já não há mais jornais independentes nem canais de TV livres. Correa está perseguindo os jornalistas opositores pessoalmente, um a um”, diz Emilio Palacio, ex-editorialista do “El Universal”, de Guayaquil, também condenado por injúria por um editorial. Palacio pediu asilo aos EUA e vive hoje com a mulher e os filhos em Miami. (S.C.)