Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O péssimo jornalismo-chouriço

Há numerosas formas de escrever qualquer notícia. Nas que contêm sangue e envolve policiais, os meios itabiranos, geralmente, escolhem a pior, a mais rasteira, a mais sensacionalista, a mais oca, a mais inútil.

Em 9 de abril, um acidente chocou até itabiranos menos sensíveis: um homem de 89 anos morreu atropelado por uma carreta na avenida João Pinheiro. José Pereira de Almeida andava no passeio, desequilibrou-se e caiu debaixo da jamanta, causando uma cena que faria Dante Alighieri tremer as pernas.

Isso é notícia? Sim, é, deve sair em rádios, jornais, televisão e internet. O enfoque, no entanto, dependerá da qualidade do jornalista, do que este entende como relevante.

O que faz, num caso assim, um mau jornalista? Vai ao local e tira, ou pede para tirar, dezenas de fotos; anota o nome da vítima, do motorista e o número da placa; ouve duas, três pessoas e volta para a redação. Gatafunha cinco, seis sofríveis parágrafos e os publica com imagens de cabeça estourada, poça de sangue no asfalto e postas de carne.

É o jornalismo-chouriço, feito para alimentar multidões que têm mórbido e insaciável apetite por tragédias. A intenção, única ou principal, é vender jornal ou aumentar o acesso aos portais internéticos. É quase como se o jornalista comercializasse cada gota de sangue e cada naco de carne de atropelados, esfaqueados, assassinados, baleados…

Missão do jornalista

O que é relevante informar num caso tristíssimo como esse em que um senhor de 89 anos morre sob as rodas de uma carreta, bem no centro de Itabira?

Um bom jornalista investigaria as causas do acontecido. Teria o homem tropeçado em buraco no passeio? Tentou se desviar de obstáculo arquitetônico ao se desequilibrar? Havia material escorregadio, como ardósia? Há falha na sinalização de trânsito no local?

Um bom jornalista discutiria se o centro da cidade, com suas muitas ruinhas do tempo da carroça, comporta trânsito pesado. Publicaria estatística mostrando os números de atropelados na cidade. Um bom jornalista procuraria saber se o octogenário tinha condições de saúde para transitar em locais movimentados. Por exemplo, as vistas dele eram boas?

Um bom jornalista jamais faria um texto apressado somente para emoldurar imagens chocantes, de olho no gosto de multidões.

Um bom jornalista, digno de carregar esse substantivo, noticiaria o fato buscando contribuir, com seu valioso trabalho, para que acidentes assim não mais ocorram.

Dá mais trabalho fazer bom jornalismo, custa caro, é mais demorado, mas precisa ser tentado, pois ajuda a melhorar a cidade. Combate atrasos, corrige erros, salva vidas.

Dá ibope, sim, encher página ou tela com sangue, mas é um ibope tolo, besta, retardadão. Jornalista que sente orgulho por arrebanhar público às custas de sensacionalismo é jornalista menor, chinfrim.

Jornalista não existe para fazer chouriço informativo com carne e sangue humanos. Jornalista é para dar notícias relevantes, em busca do progresso político, cultural e social da cidade, do estado, do país.

******

Marcos Caldeira Mendonça é jornalista, editor d’O TREM Itabirano