Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Espanha, o reino da censura?

A revista satírica El Jueves (A quinta-feira), editada desde 1977 e uma referência de humor político espanhol, costuma circular toda quarta-feira (fazendo jus à sátira a que se propõe), mas na semana passada acabou circulando na própria quinta-feira. A razão? Censura.

Cerca de 60 mil exemplares da revista estavam prontos para ser distribuídos pelas bancas da Espanha quando foram impedidos de circular e posteriormente destruídos por ordem da editora, a RBA. A informação oficial veiculada era a de que não havia nada de errado e que a capa que chegou às bancas, com o líder do partido de esquerda Podemos, Enrique Iglesias, era a capa original. A história contada por fontes diversas dentro do próprio El Jueves, porém, é a de que houve censura.

Na segunda-feira (2/6), após o anúncio feito por Mariano Rajoy de que o rei Juan Carlos abdicaria, a diretora da revista, Mayte Quílez, teria convocado diversos desenhistas para alterar a capa e várias páginas para incluir a abdicação. No mesmo dia, o material estava pronto para ser impresso, porém um responsável da RBA teria ido à redação e comunicado que a capa não seria impressa. Na capa censurada figurava o rei Juan Carlos, que acabara de abdicar, colocando sobre a cabeça de um hesitante Felipe, seu filho e futuro rei Felipe VI, uma coroa suja de excrementos e rodeada de moscas.

Acredita-se que a censura tenha vindo por pressão da Zarzuela, a sede da monarquia espanhola. Em outras palavras, a RBA, editora que produz El Jueves, teria sido forçada a censurar uma capa incômoda para a monarquia em um momento de tensão, com centenas de protestos pela República tomando a Espanha e acontecendo em diversas cidades por todo o mundo, após a abdicação do rei em um momento de grande impopularidade da monarquia. Outras fontes, porém, apontam para a amizade entre o dono da RBA, que comprou a revista El Jueves há sete anos, com o rei e que tudo não passou de uma troca de favores.

Decisão judicial chegou atrasada

Imediatamente, a capa censurada começou a circular pelas redes sociais e colaboradores da revista começaram a se demitir em protesto. Alberto Monteys, ilustrador e ex-diretor da revista, anunciou pelo Twitter sua demissão. Foi logo seguido por outro ilustrador e autor da capa censurada, Manel Fontdevila. Bernardo Vergara, também ilustrador e Isaac Rosa, escritor, também anunciaram pelo Twitter que deixavam a revista. Paco Alcázar, ilustrador há nove anos na El Jueves, anunciou em seu blog que se junta aos companheiros que se demitiram e, em tom de humor, escreveu: “Agora quero falar para vocês do McDonald’s. Creio que é uma empresa com grande potencial e estupendo capital humano e que estou a ponto de me unir e…” Ainda Guillermo Torres, Manuel Bartual, José Rubio Malagón, Luis Bustos e Bernardo Vergara seguiram o mesmo caminho. E mais demissões são esperadas.

Pelas redes sociais diversos leitores anunciaram seu apoio aos que se demitiram, garantindo que iriam boicotar El Jueves; exigem que a situação seja esclarecida e que a fonte da censura seja apontada. Enquanto isso, apostam no chamado Efeito Streisand, ou seja, na capacidade do boca a boca e da divulgação da imagem censurada de fazer estragos.

Este não é, porém, o primeiro caso de censura contra a revista satírica. Em 2007, o juiz Juan del Olmo, da Audiência Nacional, ordenou o sequestro de um número da revista que tinha na capa o príncipe de Astúrias (e futuro rei Felipe VI) mantendo relações sexuais com Letizia, sua esposa e futura rainha da Espanha. A edição acabou escapando da censura pela decisão judicial ter chegado após sua distribuição.

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Raphael Tsavkko Garcia é jornalista, graduado em Relações Internacionais (PUCSP), mestre em Comunicação (Cásper Líbero) e doutorando em Direitos Humanos (Universidad de Deusto Bilbao)