Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Crises permanentes, turbulências constantes

Jornalismo pós-industrial: adaptando-se ao presente. Este é o título do relatório, “parte pesquisa e parte manifesto”, publicado pelo Tow Center da Universidade de Columbia em 2012. Desde as primeiras páginas, o documento já afirma que aquela não era uma tentativa de especular o jornalismo do futuro ou de salvar a indústria de notícias. Primeiramente porque “o futuro já havia chegado”. E em segundo lugar porque não havia mais uma “indústria de notícias”. Afinal, com a notícia escapando à centralidade das antigas e consolidadas organizações jornalísticas, pensar o jornalismo dentro dos limites aos quais sempre esteve reservado torna-se hoje insuficiente. 

Em um estudo bastante completo sobre práticas profissionais, modos de produção e o papel social da imprensa, os autores C. W. Anderson, Clay Shirky e Emily Bell traçam um diagnóstico do jornalismo neste novo e complexo ecossistema midiático. Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, Anderson afirma que desde a publicação do relatório o campo jornalístico passou por várias mudanças. No entanto, o argumento central “de que as organizações noticiosas estão com problemas para mudar suas práticas profissionais de modo a acomodar a realidade digital, e que diversas novas organizações noticiosas estão desestruturadas, permanece amplamente verdadeiro”. 

O pesquisador aborda ainda sua visão sobre a crise no jornalismo que, para ele, está relacionada a uma crise geral das instituições, como o governo, a igreja ou o exército. Defende ainda que os desafios do jornalismo estão “tão relacionados aos processos organizacionais pelos quais as empresas jornalísticas são conduzidas quanto pelo modelo de negócios ou a tecnologia.” Neste contexto, Anderson afirma não enxergar uma resolução para o tensionamento entre novas e velhas mídias. “É muito mais provável que nós, como sociedade, simplesmente nos ‘acostumemos’ com um mundo onde a indústria de notícias seja mais fraca e sempre envolta em uma constante turbulência.”

C. W. Anderson é graduado em Ciência Política pela Indiana University, onde estudou a circulação de notícias na Rússia pós-soviética. Concluiu, na Columbia University, seu mestrado e doutorado em Comunicação. Anderson é um dos pioneiros na pesquisa e prática do jornalismo cidadão, dirigiu entre 2001 e 2008 o NYC Independent Media Center, uma das primeiras experiências de jornalismo “do-it-yourself”. Atualmente é professor do Departamento de Cultura de Mídia na City University of New York – CUNY. É autor de Rebuilding the News: Metropolitan Journalism in the Digital Age (Filadélfia: Temple University Press, 2013).

Confira a entrevista.

Em que consiste pensar um jornalismo pós-industrial? Por que retomar o termo usado por Doc Searls em 2001?

C. W. Anderson – Ao nomear o relatório de “Jornalismo pós-industrial”, quisemos algo especialmente claro. Boa parte das discussões mais frequentes a respeito do futuro da indústria de notícias tende a falar ou sobre uma crise econômica (“os jornais precisam encontrar seu modelo de negócios”) ou sobre uma crise tecnológica (“um tsunami de tecnologia digital está varrendo a indústria de notícias e não há nada que possamos fazer sobre isso”). Já nós, baseados em muita pesquisa, pensamos que os problemas no mundo do jornalismo estão tão relacionados aos processos organizacionais pelos quais as empresas jornalísticas são conduzidas quanto pelo modelo de negócios ou a tecnologia. Dessa forma, quisemos escolher o título “pós-industrial”, para chamar atenção para este aspecto do relatório.

De onde surgiu a inquietação para a produção do relatório? O cenário midiático mudou desde a sua publicação?

C.W.A. – O novo centro de pesquisas da Universidade de Columbia, o Tow Center, quis celebrar seu lançamento encomendando uma série de novos artigos para analisar as mudanças na indústria de notícias. Publicou-se, então, uma série deles: The Reconstruction of American Journalism, por Len Downie e Michael Schudson; The Story So Far: What We Know About the Business of Digital Journalism, por Bill Grueskin, Ava Seave e Lucas Graves ; e, por fim, nosso relatório. Acredito que várias coisas específicas mudaram no jornalismo desde que nosso relatório foi publicado, mas penso que os argumentos gerais – de que as organizações noticiosas estão com problemas para mudar suas práticas profissionais de modo a acomodar a realidade digital e que diversas novas organizações noticiosas estão desestruturadas – permanecem amplamente verdadeiros. A maior diferença que eu apontaria é o fato de que há algum dinheiro do Vale do Silício sendo derramado no ecossistema noticioso. Isso pode dar às novas organizações um grande impulso e pode ajudá-las a se institucionalizar mais rapidamente. 

O termo “jornalismo pós-industrial” descreve a atualmente conturbada relação entre imprensa, tecnologia disruptiva e novas formas de participação social. Mas como você vislumbra a emergência de um possível “pós-jornalismo”, em que estas relações se resolvam?

C.W.A. – Na verdade eu não tenho certeza se estas tensões um dia serão resolvidas. É muito mais provável que nós, como sociedade, simplesmente nos “acostumemos” com um mundo onde a indústria de notícias seja mais fraca e sempre envolta em uma constante turbulência.

Tendo em vista a discussão de Philip Meyer – Os jornais podem desaparecer?(São Paulo: Contexto, 2007) – de que maneira os modelos de negócio tradicionais do jornalismo desgastaram a credibilidade dos jornais e quais novos modelos surgem como alternativas à recuperação da credibilidade?

C.W.A. – Concordo com Philip Meyer que os modelos de negócios tradicionais do jornalismo são (parcialmente) responsáveis pelo declínio da credibilidade da imprensa, e penso que é possível que novos modelos possam ajudar a recuperá-la. Mas também é possível que novos modelos tornem as publicações e organizações noticiosas ainda mais confiáveis do que antes. Com tudo isso dito, penso que o declínio da confiança dos americanos no jornalismo é, na verdade, apenas parte de um declínio geral da confiança dos americanos em diversas instituições anteriormente autoritárias: o governo, os militares, as empresas, a igreja e assim por diante. 

Existe uma crise do jornalismo? Ou uma crise das organizações jornalísticas?

C.W.A. – Ambas, acredito. Eu tendo a discordar com o chavão de que existe uma crise das organizações, mas não do jornalismo. Penso que, mesmo agora, as organizações noticiosas tradicionais produzem a maior parte do jornalismo – especialmente nas cidades dos Estados Unidos – e, dessa forma, qualquer crise nas organizações jornalísticas inevitavelmente afetará o modo como o jornalismo é produzido. 

Em Rebuilding the News, você questiona a autoimagem dos jornalistas, que se enxergam como referências informativas definitivas, que reportam em nome de um público massivo, o que impediria o diálogo comunicacional. No entanto, critérios como audiência e linguagem são insuficientes para distinguir o jornalismo da cobertura feita por blogs ou comunicadores não profissionais. O que distingue (ou deveria distinguir) o jornalismo pós-industrial dessas demais produções de conteúdo?

C.W.A. – Penso que, no final, o ato de fazer reportagens originais alçadas a um nível que pessoas normais podem entender, e que seja relevante para elas, permanece como aquilo que deve distinguir jornalismo de outras formas de comunicação, seja a comunicação digital ou alguma outra.

Ao pensar o jornalismo semântico, muitos se perguntam se um algoritmo pode fazer uma notícia de maneira mais eficiente que um repórter humano. Não seria mais adequado pensar em quantas vezes não permitimos que o próprio fazer jornalístico se robotize, nos deixando levar pela técnica, pelo declaratório ou pelo senso comum, sem a devida introjeção e reflexão da experiência? 

C.W.A. – Penso que esta é uma ótima pergunta. Não é mais importante tornar os jornalistas mais humanos do que tornar o jornalismo mais robótico? Concordo com este sentimento de todo o coração. O problema, claro, é que o jornalismo localiza-se estranhamente entre o “trabalho industrial” e a “arte”. Em outras palavras: devido aos deadlines de produção e outras noções do que o jornalismo deveria ser, algumas pessoas o encaram como algo que um computador pudesse ou devesse fazer. E a velocidade da internet só tornou as coisas ainda piores. Ainda assim, eu concordo com você. Cabe a todos nós, que atuamos como jornalistas ou que ensinamos jornalistas a manter o aspecto “humano” do jornalismo em mente.

É possível entender que a alternativa para o futuro do jornalismo seria promover um retorno à grande reportagem e à apuração cautelosa em detrimento da cobertura em tempo real? Ou estas também já não são mais soluções que dão conta da complexidade do ecossistema midiático atual?

C.W.A. – Acredito que sim, mas penso que devemos ter em mente a existência de diferentes camadas em cada história noticiada, e que algumas coberturas em “tempo real” inevitavelmente vão incorrer em erros. As organizações jornalísticas sempre tentarão ser tão rápidas quanto podem ser, e o que precisamos fazer é educar o público sobre como o jornalismo funciona e por que a primeira publicação de uma notícia nem sempre será a mais precisa.

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Andriolli Costa é jornalista