Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

‘O Liberal’ desrespeita a lei e a ordem judicial

O Pará “assiste a uma das eleições mais decisivas da sua História”, disse O Liberal na sua edição do dia 29/9, na semana do 1º turno. Mais uma inverdade do jornal dos Maiorana. Não interessa quem será o próximo governador, se novamente Simão Jatene, do PSDB, pela terceira vez, ou se Helder Barbalho, do PMDB. Com um ou com outro, as mudanças serão cosméticas. O Pará continuará sem conseguir transformar em fonte de riqueza para si a exploração dos seus recursos naturais, exportados para favorecer o crescimento de outros Estados ou países.

Os tucanos têm sido governo desde 1995, com a breve e desastrosa interrupção pelo mandato da petista Ana Júlia Carepa (2007-10). Estão no poder há quatro mandatos e não conseguiram transformar em realidade sua retórica de transformação de matérias primas vendidas a mercados externos em produtos finais, que enraízam os investimentos e são a única maneira de vencer a desigualdade inter-regional crescente e o dilaceramento interno entre pobreza e riqueza.

A vitória de Helder será a reposição dos Barbalho no topo da pirâmide de poder. O patriarca teve dois mandatos para cumprir um programa de transformação, que o credenciaria a levar à prática as metas da oposição ao regime militar, que o credenciaram como porta-voz dos humilhados e ofendidos. O que conseguiu foi ser projetado como símbolo do mau político, que enriquece pessoalmente por conta dos cargos públicos que ocupa.

Nada de novo no front, portanto, Exceto pelo que não é novo, mas chocante: a degradação dos hábitos políticos no Pará. Se não foi a mais suja das eleições de toda a história republicana paraense, repleta de exemplos ruins, esta eleição pode ser classificada como uma das mais terríveis e vergonhosas. Sem programa de governo, os candidatos se esmeraram em se caluniar, retaliar e enganar o leitor com uma sofreguidão que revela o quanto é importante conquistar posições de mando na máquina estatal.

“Manutenção industrial”

Os dois principais grupos de comunicação do Estado contribuíram bastante para o strip-tease moral em que a eleição se transformou. Nada surpreendente para o grupo RBA, que é de propriedade de uma família política. Já o grupo Liberal se pretende uma empresa profissional de comunicação, isenta de partidarismo. No entanto, partiu dessa corporação um dos golpes mais sujos já registrados.

Ele se manifestou quando seus leitores, ao receberem o jornal de sábado, 27/9, constataram que a edição era dupla. Continha a edição de sábado e a de domingo de uma só vez. A razão? Segundo Diário do Pará diz hoje, para não cumprir decisão judicial. Marco Antonio Lobo Castelo Branco determinou, na noite de sexta-feira, a suspensão da publicação de mais uma pesquisa do Ibope encomendada pela TV Liberal. A coligação partidária que apoia a candidatura de Helder Barbalho ao governo do Estado alegou que a pesquisa foi fraudada, como a anterior, divulgada no dia 14, que está pendente de deliberação final da justiça.

O juiz concedeu de imediato a liminar pedida. Reconheceu como caracterizada na petição “a relevância do direito invocado e a possibilidade de prejuízo de difícil reparação” pela divulgação da pesquisa. A coligação liderada pelo PMDB suscitou dúvidas consistentes de induzimento ao resultado, em favor do candidato oposto, o governador Simão Jatene, do PSDB. Pelos resultados apresentados pelo Ibope, ele venceria já no 1º turno, mas também seria o vencedor na simulação do 2º turno. Sua vantagem sobre Helder Barbalho foi ampliada. Agora seria de 6%.

Como nesta fase final da campanha eleitoral o plantão judicial permite decisões rápidas, a sentença provisória foi imediatamente publicada no site do Tribunal Regional Eleitoral e a TV Liberal, que encomendou o serviço ao Ibope, comunicada.

Nesse momento os Maiorana teriam decidido antecipar a circulação da edição dominical do jornal, que ainda estava sendo elaborada na madrugada de sexta-feira para sábado, e fazê-la circular incorporada à edição de sábado, segundo a versão apresentada pelo Diário do Pará. Se a manobra for provada, o jornal pode ser multado em um milhão de reais, valor arbitrado pelo juiz para o descumprimento da sua decisão.

Castelo Branco decidiu suspender logo a divulgação da pesquisa, assim que recebeu o pedido da coligação pró-Helder. Considerou que, passível de reparação pela via civil e criminal, mas a posteriori, o dano jamais poderá ser ressarcido na esfera eleitoral, como fato já consumado, “o que traz prejuízos ao eleitor”.

Com os recursos normais do processo, mesmo que caracterizada a fraude na pesquisa, ela seria divulgada enquanto o juiz examinasse o mérito e, mesmo que suspensa, já teria exercido o poder de influir sobre a decisão do eleitor.

Segundo a petição, o Ibope não fez o detalhamento da pesquisa por bairros e municípios, “dados que fazem toda a diferença nos resultados finais”. O instituto admitiu a infração. A ponderação dos questionários não seguiu a importância demográfica dos municípios pesquisados. Em Salinas, com menos de 40 mil habitantes, foram aplicados 112 questionários, enquanto em Santarém, com quase 300 mil habitantes, foram ouvidas apenas 56 questionários. O primeiro município é reduto de Jatene. O segundo lhe é desfavorável. Já Marabá e Altamira, também contrários à reeleição do governador, embora relacionados entre os 44 municípios da pesquisa, dela foram excluídos, sem qualquer justificativa.

Se realmente O Liberal saiu antes para não cumprir a decisão judicial, o Diário tem razão em classificar a manobra como “inédita e desesperada”. Ela, de fato, representaria mais um golpe que o jornal aplica “na democracia, no eleitorado paraense e na justiça eleitoral”.

Reincidente na prática de publicar pesquisas eleitorais com indícios ou evidências de fraude, desta vez o jornal dos Maiorana cometeu “o maior crime de que se tem notícia no Pará em termos de estelionato eleitoral porque as circunstâncias desmoralizaram e a própria instituição do Poder Judiciário”, diz o Diário, acrescentando, em tom dramático: “Para que serve uma sentença judicial se a intenção condenatória vaza e o condenado se antecipa para escapar impunemente dos efeitos pretendidos pela Justiça?”.

Há fortes indícios em favor dessa hipótese. Ficou evidente que a decisão de colocar dois jornais sucessivos no mesmo dia foi tomada à última hora. Não houve condição de preparar os gráficos nas páginas internas, como de hábito. A ilustração se restringiu à primeira página. Os classificados circularam apenas em dois cadernos, quando o normal é de sete ou oito.

Essa parada para “manutenção industrial”, conforme a explicação dada na capa da edição híbrida de O Liberal do dia 27 é inusitada, inédita e estranha. Por que fazer a manutenção, que pode ser programada (e é em si mesma duvidosa) justamente no dia em que entrou em vigor a suspensão da divulgação da pesquisa?

Proteção ao consumidor

Na nota “aos leitores”, na capa, o jornal dos Maiorana anunciou que a surpresa: “Por motivo de manutenção industrial no parque gráfico, O Liberal circula hoje com duas datas. Pedimos desculpas aos nossos leitores”. E nada mais foi dito. Não era exatamente a verdade e a diferença não era apenas formal. A edição de domingo é que invadiu, como intrusa, o jornal que circulou normalmente no sábado. A segunda data é espúria. Nada semelhante foi registrado nos anais da imprensa mundial, exceto quando se trata de prática usual ou rotineira.

Segundo a explicação não oficial, mas vinda de fonte da empresa, depois de concluir a impressão da edição dupla, à uma hora da madrugada, a oficina do jornal entrou em manutenção, que atravessaria a noite de sábado e só seria concluída no domingo, mas em tempo de colocar nas ruas normalmente a edição de segunda-feira, como de fato aconteceu.

Ao que me lembre, esta é a primeira vez que um jornal deixa de circular para entrar em manutenção. Aqui no Pará, com certeza. Talvez no Brasil e no mundo também. Jornal diário só interrompe a sua frequência por greve, problemas industriais ou fatores aleatórios. Não por programa de manutenção de uma peça tão vital quanto o parque gráfico.

O Liberal comprou em 1989 a impressora Uniman Roland, que usa até hoje. Romulo Maiorana morreu três anos antes, mas já deixou ao seu sucessor, Romulo Maiorana Júnior, o contrato de aquisição da primeira dessas máquinas vendida na América do Sul (o feito foi repetido quando o jornal adquiriu o primeiro forno acoplado à impressora no continente). Uma característica boa da empresa é procurar se atualizar em tecnologia. Mérito que não se estende às relações humanas: o investimento na qualificação de pessoal é mínimo.

Apesar da explicação oficial, permanecem dúvidas quanto à causa real da edição com data dupla. Embora estejam sempre melhorando máquinas e equipamentos, os Maiorana não são muito competentes no seu planejamento. A enorme impressora, com 12 metros de altura, não cabia na sede anterior, na rua Gaspar Viana, no centro velho de Belém. Foi preciso construir novas instalações apropriadas. Enquanto isso, a carga ficou no porto de Belém, sujeita à cobrança da taxa de armazenagem. A demora foi tanta que o valor acabou sendo alto. A dívida acabou sendo perdoada pelo governo federal. Diz-se que por interferência do ex-senador Jarbas Passarinho.

Como a capacidade de impressão da Man Roland excede em muito as necessidades dos dois jornais que nela são impressos, principalmente pela redução da tiragem de O Liberal, não poderia ser feito um ajuste para que a circulação do jornal não fosse interrompida?

Afinal, o Amazônia, a cria mais nova da casa, circulou normalmente no domingo. O jornal é menor, mas o fechamento de O Liberal podia ser antecipado – no próprio sábado e ao longo da semana (ou durante um feriado), para a realização da manutenção sem atropelos.

Alguém dirá: mas ninguém tem nada com isso, é decisão da direção da empresa, que é particular. Mas há duas questões. Uma é a da credibilidade do jornal: a explicação é verdadeira ou já havia outro problema que sustou a circulação de domingo? A outra questão é mais sonante: se o jornal circulou no sábado com data dupla, o preço devia ser o do dia útil e não o dominical.

Assim, ao invés de custar R$ 4, devia sair pela metade, R$ 2. Ainda mais porque se a edição de sábado é menor do que a de domingo, essa edição híbrida tem muito menos páginas do que num dia normal de domingo. O jornal diz que saiu com 186 páginas, mas, descontados os tabloides, o consumo de papel correspondeu a 148 páginas standard. Logo, a rentabilidade foi muito maior com os R$ 4. O leitor, que não deve se meter em competência alheia, tem que ser defendido na condição de consumidor. Ele está sendo lesado.

O ato da direção do jornal não caracteriza violação ao código de proteção ao consumidor? Eu acho que sim. O que acham o Ministério Público e a Defensoria Pública? Com eles, a palavra. Com o leitor também.

Penas da lei

Na edição dominical do dia 28/9 o Diário do Pará apresentou sua versão de que tudo foi concebido e executado para a publicação da pesquisa do Ibope em favor de Jatene. Outra prova seria a distribuição gratuita de milhares de exemplares do jornal com o resultado da apuração, caracterizando propaganda eleitoral.

Na segunda-feira, 29, O Liberal estampou novo editorial de primeira página para argumentar que se limitou a exercer seu direito à liberdade de informação. Negou ter desrespeitado a decisão judicial, “porque nem sequer foi notificado pela liminar concedida”. Explicou que o jornal não foi notificado “porque não foi contratante da pesquisa objeto de representação acolhida liminarmente. A TV Liberal, esta sim, como parte demandada, foi notificada e, muito embora discorde integralmente da decisão judicial, respeitou-a e deixou de informar os milhões de telespectadores”.

Sem ser notificado, porque incabível, o jornal “viu-se livre para publicar a pesquisa na sua edição de domingo”, ressaltando que a pesquisa é legal e foi realizada “não por uma empresa qualquer, mas pelo Ibope, conhecido nacionalmente”, enquanto a divulgada pelo Ibope, feita “por um tal IVeiga”, não foi vetada pelo TRE.

Os fatos e o direito não são bem esses. As pesquisas do “tal IVeiga” não foram impugnadas por outros grupos políticos nem suspensas por ordem judicial. Se não têm credibilidade, cabia aos que pensam assim e participam da campanha eleitoral impugná-las. As do Ibope já foram questionadas por duas vezes em juízo e agora essas duas últimas sondagens estão sub-judice.

Já o argumento de que O Liberal estava livre para divulgar a última pesquisa porque não é o responsável pela contratação do Ibope é risível e falsa. TV e jornal pertencem ao mesmo grupo empresarial, havendo solidariedade entre eles. Mesmo sem haver esse nexo, a TV Liberal foi notificada a não divulgar a pesquisa. Não divulgar se estende a entregar o trabalho a alguém, como o jornal, fazer o que estava interditado judicialmente. Ou seja: a emissora de televisão divulgou a pesquisa, contrariando a ordem do juiz Castelo Branco.

Antecipando a edição de domingo, O Liberal descaracterizou a desobediência a decisão judicial? Os Maiorana devem estar certos que sim. No entanto, se demonstrada a mentira divulgada pelo jornal, ele agiu com fraude. E nesse caso o seu desejo de não cumprir a ordem do juiz eleitoral o incriminará e sujeitará às penas da lei e à multa de R$ 1 milhão. Finalmente?

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Lúcio Flávio Pinto é jornalista, editor do Jornal Pessoalseu blog