Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O cerco à imprensa livre na Grécia

Durante meses em 2012, todos na Grécia sabiam a respeito da “lista Lagarde”, mas poucos a tinham visto de fato.

A lista continha os nomes dos mais de 2 mil gregos possivelmente envolvidos em sonegação de impostos que mantinham contas em bancos suíços. Ela tinha sido entregue pela ex-ministra francesa das Finanças Christine Lagarde aos gregos em outubro de 2010, durante o auge da crise econômica grega.

Mas funcionários do governo disseram ter perdido a lista – primeiro, ao perder o CD que a continha e, depois, ao perder o pen drive para o qual o material foi copiado – e não fizeram esforços para recuperá-la durante meses.

Então, no segundo semestre de 2012, o jornalista investigativo grego Kostas Vaxevanis obteve uma cópia da lista e a publicou em sua revista, Hot Doc. Ele dava o nome de políticos, parentes relevantes deles e magnatas dos negócios. Subitamente, o governo resolveu agir. Em menos de 24 horas, um mandado foi emitido e 50 policiais foram mobilizados para deter Vaxevanis e não os sonegadores.

“Estão entrando na casa com um promotor nesse instante. Estão me prendendo. Espalhem a notícia”, disse ele no Twitter.

Vaxevanis acabou absolvido das acusações de “invasão de privacidade” em razão da publicação da lista Lagarde. Mas os aparentes esforços do governo para impedi-lo de investigar a fundo casos de corrupção já são conhecidos na comunidade jornalística grega.

Desde o início da crise econômica, há seis anos, os jornalistas na Grécia têm sido cada vez mais atacados por funcionários do governo e pelos grandes empresários ligados a eles. Sem leis domésticas para proteger a liberdade de imprensa e de expressão, os jornalistas se veem vulneráveis e desprotegidos diante da intimidação. Como resultado, o país caiu muito no índice de liberdade da imprensa compilado pelo grupo Repórteres Sem Fronteiras, da 31.ª posição em 2008 para a 70.ª em 2010 e a 99.ª este ano.

“O problema é como criar um meio que seja ao mesmo tempo independente e financeiramente sustentável num país mergulhado na crise econômica”, diz Nikolas Leontopoulos, jornalista investigativo que foi demitido depois de se recusar a abafar um escândalo que envolveu a maior rede de fast-food da Grécia. “Esse problema continua sem solução.”

Histórico de corrupção

A corrupção que há muito afeta a Grécia e precipitou a crise econômica continua no país, incluindo o setor da mídia. Os analistas dizem que é difícil manter uma imprensa verdadeiramente livre quando a elite empresarial controla boa parte da cobertura.

“Praticamente todas as principais emissoras de rádio e TV, os jornais e as revistas, bem como os principais portais da internet, pertencem a um punhado de magnatas extremamente ricos e bem relacionados”, diz Michalis Nevradakis, doutorando da Universidade do Texas, em Austin, e especialista em mídia grega. “(Eles) usam seus veículos de mídia para pressionar o governo do momento e apresentar uma versão que contenha apenas um lado da história: o seu próprio ponto de vista político.” “Os mesmos proprietários que controlam os maiores veículos de mídia também são donos e operadores da maioria dos grandes bancos e instituições financeiras do país, as maiores empresas de gás e petróleo e os principais interesses de transportes marítimos, bem como as construtoras, que recebem contratos imensos do Estado para projetos de obras públicas”, acrescentou Nevradakis.

Mesmo assim, essas não são questões novas. A novidade está no crescimento da influência da comunidade empresarial em meio à crise que afeta a zona do euro.

As empresas privadas de mídia são relativamente novas na Grécia e a primeira emissora de rádio não estatal foi criada em 1987, dois anos antes da primeira concessão para um canal de TV. Mas até os veículos particulares continuaram sob influência do governo: as concessões eram distribuídas como favores políticos.

Pressão econômica

Mas, com a circulação e a renda com anúncios prejudicadas pela crise econômica, jornais e emissoras de TV viram uma queda na renda que significa que eles são obrigados a depender dos empréstimos concedidos por bancos. Ainda assim, os empréstimos vêm com condições que, para alguns, afetam a cobertura desses veículos para os políticos e o governo.

“Nosso jornal tinha ativos para usar como garantias e obter um empréstimo e tinha também a menor dívida da mídia (grega)”, diz Thanasis Tsitsas, correspondente do jornal Eleftherotipia em Nova York, ilustrando como deveria ter sido fácil obter um empréstimo. Mas “o Eleftherotipia esteve entre os poucos veículos que criticaram o programa de recuperação econômica, alertando que a Grécia estava sendo sacrificada para salvar os bancos europeus”.

As negociações entre jornal e banco prosseguiram por meses. “Pouco antes de fechar, a diretoria do jornal estava negociando com os bancos e uma série de escândalos envolvendo funcionários do alto escalão do governo começou a ser investigada pelo jornal e publicada”, diz Tsitsas. “E esse foi o fim do jornal.” O Eleftherotipia fechou depois de deixar seus 850 funcionários sem emprego e ainda reivindicando compensações e salários atrasados.

Ao mesmo tempo, a emissora particular de TV, Mega Channel, recebeu um empréstimo de € 100 milhões embora tivesse de pagar € 20 milhões em indenizações e devesse € 200 milhões. Diferentemente do Eleftherotipia, o Mega Channel fazia o papel de mídia chapa-branca, defendendo as medidas de austeridade impostas pelo trio União Europeia, Fundo Monetário Internacional e Banco Central Europeu.

A mensagem era clara: elogiem o governo ou vão embora, dizem os jornalistas.

Sem medo da verdade. De sua parte, desde a publicação da lista Lagarde, Vaxevanis tem sido um visitante frequente nos tribunais de Atenas. “Temos cerca de 30 processos (por ano)”, diz ele. “Isso nos custou € 50 mil e, é claro, muito tempo de preparação.”

Enquanto isso, apenas um quarto das pessoas na lista – incluindo dois conselheiros próximos do primeiro-ministro Antonis Samaras e quatro primos do ex-ministro das finanças Giorgios Papaconstantinou – estão sob investigação. O procedimento é complicado e são necessários muitos meses para reunir os dados de cada caso.

Mas o Hot Doc continua a ser publicado, e Vaxevanis não se arrepende de nada. “Sou jornalista e fiz o meu trabalho.” “Quero ser jornalista num país sem medo da verdade”, diz ele. “Não quero que nenhum jornalista fique em perigo em razão daquilo que revelamos.” 

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Nikolia Apostolou é jornalista free lance e cineasta em Atenas