Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A riqueza na cobertura da crise

Dominadas pelo escândalo da PetrobrAs e pela crise econômica, as primeiras páginas só foram aliviadas, na semana anterior ao Natal, por duas notícias positivas – a aproximação entre Estados Unidos e Cuba e a vitória do brasileiro Gabriel Medina no campeonato mundial de surfe. As fotos de Medina iluminaram as capas dos grandes jornais no sábado (20/12), mas foram cercadas por manchetes e chamadas sombrias. “Lista da Petrobrás faz Dilma reavaliar ministério”, informou a manchete do Estado de S.Paulo. “Ex-gerente entrega ao MP e-mails de alerta a Graça”, noticiou o Globo na matéria principal. “Governo aumenta juro de longo prazo para as empresas”, contou a Folha de S.Paulo abaixo da foto do novo campeão.

A manchete do Estadão, nesse dia, foi sequência de um furo publicado no dia anterior – a lista de 28 políticos apontados na delação premiada de Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobras. As investigações sobre a Petrobras e as denúncias de envolvidos foram o tema principal das pautas durante a semana, mas os jornais foram além do noticiário oficial e dos habituais vazamentos de informações.

“Petrobras negocia prazos de pagamentos com credores”, informou o Valor em manchete na segunda-feira (15/12). Sem aval dos auditores e diante do risco de só publicar o último balanço depois de 31 de janeiro, dirigentes da empresa tentavam afastar o risco de antecipação de cobrança de US$ 56,7 bilhões.

Ângulos diversos

A cobertura prosseguiu, durante a semana, com o acompanhamento da bolsa, onde as ações da maior estatal brasileira voltaram a cair de forma espetacular. Na terça-feira (16), as ações ordinárias caíram 9,9% e pela primeira vez em dez anos ficaram abaixo de R$ 10 no fechamento. As cotações foram mais uma vez afetadas pelo escândalo, mas nesse dia a queda do preço internacional do petróleo também influiu no resultado.

Mas esses eram fatos ao alcance de todos e ninguém poderia deixar de publicá-los. Detalhes mais picantes foram cavados com mais esforço e esse trabalho mais uma vez distinguiu cada jornal. Já na segunda-feira cada grande jornal saiu com uma história própria. Enquanto o Valor cuidou do risco das cobranças antecipadas, a Folha de S.Paulo noticiou conclusões de auditoria interna sobre descontrole de custos nas obras da refinara Abreu e Lima, em Pernambuco.

No mesmo dia, a manchete do Estadão foi especialmente pitoresca: Pedro Barusco Filho, ex-gerente executivo de Engenharia da Petrobras, disse ter feito uma permuta de propinas com o tesoureiro nacional do PT, João Vaccari Neto. Se a denúncia for verdadeira, deve ter sido o primeiro caso de conversão de expectativas de propinas em ativos permutáveis. Se a prática se espalhar, poderá surgir um mercado futuro de propinas, até com operações de hedge. A mais escandalosa foi a notícia principal do Globo: em janeiro de 2008, segundo relato à CPMI da Petrobras, a diretoria da empresa assinou contrato com valor em branco para construção do navio-plataforma P-57.

Foi uma boa semana para quem lê mais de um jornal por dia. Além da inevitável pauta comum, cada jornal contou um pedaço diferente da história. Cada equipe mostrou um aspecto novo da crise da Petrobras e de suas consequências para o mundo político e, de modo especial, para a montagem e o planejamento do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff. Meios de comunicação controlados jamais poderiam oferecer um cardápio tão variado aos leitores – e jamais poderiam, é claro, ir tão fundo nesse tipo de informação. Na melhor hipótese, a vida dos leitores seria muito menos divertida.

Tensão e suspense

Apesar do esforço para acompanhar a crise da Petrobras, os jornais ainda tiveram fôlego para seguir a movimentação da futura equipe econômica. Parte do trabalho consistiu em desencavar informações sobre o encontro dos futuros ministros da Fazenda, Joaquim Levy, e do Planejamento, Nelson Barbosa, com parlamentares. Mas a parte mais interessante – e mais complicada – foi o acompanhamento das atividades informais dos futuros ministros.

“Para Levy, contas estão piores que o esperado”, noticiou o Globo no sábado (20/12), ao lado da manchete e abaixo da foto de Gabriel Medina comemorando a vitória no campeonato mundial de surfe. A maior parte da reportagem trouxe poucas novidades, mas a avaliação de Levy sobre a situação fiscal – pior do que se imaginava – acrescentou ao cenário um dado relevante. O ajuste necessário poderá ser mais duro do que se previa até há pouco. Além disso, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, talves tenha de enfrentar um quadro mais complexo do que se estimava. “Tensão global faz BC renegar ‘parcimônia’ na alta de juros”, segundo a Folha de S.Paulo de quinta-feira (18). A palavra “parcimônia”, usada em nota distribuída depois da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), havia indicado, segundo especialistas do setor financeiro, a perspectiva de aumentos de juros mais moderados e de ação mais suave nos próximos meses. “Segundo a Folha apurou, a equipe do BC acha hoje que não deveria ter usado a palavra ‘parcimônia’”, informou o jornal.

Para quem gosta de tensão e suspense o noticiário econômico tem sido uma festa. Mesmo o leitor mais crítico e mais ranzinza dificilmente pode se queixar da cobertura simultânea – e combinada – do escândalo da Petrobras, da formação do novo governo, dos efeitos da crise da Rússia e das oscilações de preços do petróleo. Numa discussão entre profissionais seria possível apontar deficiências em todo esse material. Mas a riqueza da informação produzida se sobrepõe a qualquer outra consideração, quando o tema de controle da mídia reaparece, mesmo discretamente, na pauta política.

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Rolf Kuntz é jornalista