Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A “barriga” do abraço corporativo

O programa de TV do Observatório da Imprensa de terça-feira (10/8) vai debater uma grande ‘barriga’ da mídia brasileira: o episódio do ‘Abraço Corporativo’.


O jornalista Ricardo Kauffman decidiu fazer um documentário mostrando como a mídia brasileira, ávida por ‘gracinhas’, compra pautas pra lá de suspeitas. Primeiramente, ele criou uma tal ‘Teoria do Abraço’, que seria uma terapia para uma suposta patologia de relacionamento nas empresas, chamada de ‘Inércia do Afastamento’, e que seria provocada pelo excesso de uso das novas tecnologias de comunicação no trabalho.


Desde a idéia original, Kauffman investiu cinco anos no projeto. Divulgou a ‘Teoria do Abraço’ e preparou um evento público para ganhar a atenção da mídia.


Como dominó


No ano passado, ele convidou o ator Leonardo Camillo para interpretar o personagem chamado Ary Itnem (na verdade, um anagrama da palavra ‘mentira’) para que desempenhasse o papel de um executivo de Relações Humanas, representante de uma suposta Confraria Britânica do Abraço Corporativo (CBAC).


O artista postou-se na calçada da Avenida Paulista, no papel do personagem Itnem, com um cartaz no qual pedia abraços.


Anos antes, haviam circulado regularmente pela internet vídeos com imagens de pessoas que ofereciam ‘abraços grátis’ em cidades americanas e européias, como forma de humanizar as metrópoles e aproximar as pessoas. Sabendo que a imagem era familiar a milhares de internautas, Kauffman gravou a performance de Itnem e postou o vídeo no Youtube.


A partir daí, usando a técnica do marketing viral, o jornalista conseguiu transformar o vídeo em um grande sucesso, e fez chegar o factóide às redações. O vídeo virou febre no Youtube e Aty Itnem virou personalidade da vida real.


A partir do primeiro meio de comunicação que comprou a história, como numa fila de dominós, outros meios foram caindo na mentira armada por Kauffman. Quando a mentira afinal se revelou, foi um vexame geral.


Comprando qualquer coisa


Mas a história não terminou aí. Depois de chamar a atenção na internet, Kauffman passou então à última etapa do seu projeto: gravou todas as participações do ator Leonardo Camillo, no papel de Ary Itnem, em programas de rádio e televisão, entrevistas a jornais, revistas e portais de internet e apresentações em empresas. A ‘teoria’ inventada por ele acabou sendo adotada como prática de motivação por departamentos de recursos humanos.


O documentário montado com essas imagens foi apresentado na 33ª Mostra Internacional de São Paulo e estreou nos cinemas no dia 11 de junho. Sem grandes alardes na imprensa, claro, depois que as redações descobriram que havia feito um papel ridículo.


O caso deixou clara uma deficiência do jornalismo atual, e será tema do Observatório da Imprensa na TV na terça-feira (10/8). Sob o comando de Alberto Dines, o programa vai contar com a presença de Kaufman e do professor e escritor Muniz Sodré, colunista do Observatório online, além da participação de outros convidados.


O programa vai discutir por que razão as redações ‘compram’ factóides com muita facilidade, provavelmente por causa da tendência do jornalismo em priorizar novidades que também tenham o componente do entretenimento. Não seria essa a raiz de muitos escândalos, principalmente na política?


Fetiche da velocidade


Curiosidades, bizarrices e fatos pitorescos têm mais chance de ganhar espaço na mídia do que assuntos de peso e fenômenos mais complexos. O caso do ‘abraço corporativo’ é exemplar também porque foi documentado, e expõe a fragilidade de muitas cabeças coroadas da imprensa que vendem uma imagem de seriedade, influenciando a opinião do público em muitos temas.


Pode servir como medida para outras escolhas da imprensa em todos os assuntos, da política à economia, passando pelo futebol e o noticiário policial.


A fragilidade do jornalismo, de não apurar corretamente as pautas antes de veiculá-las, seja por falta de pessoal, de tempo ou de um fetiche pela velocidade, fica exposta às ações de assessores de imprensa e profissionais de marketing, além de pessoas mal intencionadas.


O Observatório da Imprensa vai ao ar, ao vivo, em rede nacional pela TV Brasil, a partir das 22h. Em São Paulo pelo Canal 4 da NET e 181 da TVA.