Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A cobertura da agenda e o jornalismo declaratório

A imprensa brasileira já foi exaustivamente criticada pelos pesquisadores brasileiros em função da cobertura das quatro eleições presidenciais que ocorreram depois da ditadura. As principais críticas recaíram sobre a manipulação de informações (1989), a adesão incondicional ao Plano Real (1994), a inexistência de cobertura (1998) e os enquadramentos restritos a determinadas temáticas, a exemplo da economia, e um certo esforço em arrancar dos presidenciáveis promessas de manutenção dos contratos (2002).

Nas eleições de 2002, pela primeira vez, também aparecem alguns tímidos elogios, especialmente ao visível esforço de conceder espaços iguais aos principais candidatos e dar ampla visibilidade à campanha. Em 2006, tudo leva a crer que a cobertura deverá se igualar à anterior. Além das críticas já feitas, outras questões merecem ser formuladas. Por exemplo: qual a importância do acompanhamento da agenda dos candidatos?

Os principais telejornais estão ocupando boa parte do noticiário para acompanhar o dia da campanha dos candidatos à presidência. Além de informações básicas, quase sempre os repórteres destacam uma promessa ou uma idéia de um dos presidenciáveis. Até que ponto este tipo de cobertura auxilia o eleitor a decidir quem é o melhor candidato?

Eterna desculpa

A simples coleta de declarações ajuda ou atrapalha? Esclarece ou confunde? Em alguns momentos, parece que segunda opção prevalece. Um exemplo: no dia 3 de agosto, Lula, em campanha no Rio de Janeiro, declarou que o Brasil necessita fazer uma ampla reforma política e disse ter dúvidas se o Congresso Nacional teria condições de realizar as mudanças necessárias. O que fizeram os jornalistas do Jornal da Band e do SBT Brasil? Repercutiram a declaração com os demais candidatos que, obviamente, sempre estarão contra qualquer posição de Lula. O Jornal Nacional apenas veiculou a declaração do petista e, nos espaços aos demais candidatos, enfocou outros assuntos.

Depois disso, retomo a questão: a simples coleta de declarações esclareceu ou não o telespectador sobre quem teria condições de realizar a reforma política no Brasil? Uma legislatura como outra qualquer ou um parlamento especificamente eleito com tal finalidade? Afinal, será que deputados e senadores aprovariam, por exemplo, a fidelidade partidária?

Em função da rotina de produção das redações brasileiras, é claro que seria demais exigir que os jornalistas abdicassem do jornalismo declaratório. Mas isso também não pode se converter em eterna desculpa para justificar a superficialidade das coberturas.

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Professor universitário em Salvador, doutor em Comunicação pela UFBA, autor da tese ‘Os estudos sobre mídia e eleições no Brasil pós-ditadura’