Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A cobertura da tragédia no Japão





Desde o dia 11/3, jornais, tevês e sites de todo
o mundo publicam com destaque informações sobre o terremoto ocorrido no Japão e
suas conseqüências para a população local. Cenas chocantes de prédios
balançando, tsunamis invadindo cidades e o temor de um vazamento de
radioatividade tomam conta do noticiário. O Observatório da Imprensa
exibido ao vivo na terça-feira (29/3) discutiu a cobertura do desastre natural
que devastou a segunda maior potência do mundo. O programa questionou se a
superexposição de imagens na mídia pode levar o telespectador


a um estado de
indiferença sobre o impacto do desastre e também a dificuldade do jornalismo
factual produzir reflexões mais aprofundadas sobre as implicações do terremoto
na economia e no meio ambiente. Para conversar sobre estas questões, Alberto
Dines recebeu no estúdio de Brasília a ex-senadora Marina Silva, defensora da
valorização dos recursos naturais. O cientista social Renato Lessa participou do
programa pelo estúdio do Rio de Janeiro.

Antes do debate ao vivo, Dines questionou, em editorial, se a mídia está
conseguindo dar a devida dimensão ao vazamento radioativo. Para ele, a imprensa
internacional está adotando o mesmo modelo da mídia japonesa e preocupa-se
sobretudo em evitar o pânico. ‘No Japão é natural que as autoridades e os
jornalistas recusem qualquer entonação alarmista, o povo é suficientemente
sofrido e experiente para avaliar o que está acontecendo, não precisa ser
sacudido artificialmente. Mas no resto do mundo, dá-se justamente o inverso – a
sociedade ocidental tende ao conforto e ao bem-estar e a mídia funciona como uma
sirene que quanto mais é acionada mais alto precisa soar’, sublinhou. Dines
comentou que, entre os ocidentais, as catástrofes têm ‘prazo de validade’ porque
a sociedade do espetáculo não está acostumada a sofrer.


A reportagem exibida antes do debate no estúdio mostrou a opinião do
jornalista Arthur Dapieve, que voltou ao Brasil há três semanas após passar 11
dias no Japão. Para Dapieve, a imprensa japonesa cobre a catástrofe sob a ótica
da cultura daquele país, sem perder de vista que o Japão foi arrasado em outras
ocasiões e conseguiu se reerguer. É um reflexo da própria cultura do país. ‘O
Ocidente, de uma maneira geral, tem uma tendência de medir os outros pelo seu
próprio metro. O Ocidente cobrava, eu sentia nas entrelinhas, uma reação dos
japoneses como se fosse o ocidental reagindo a aquela situação. ‘Mas eles não
têm pânico? Eles se portam assim? Eles não falam as coisas diretamente?’ É, eles
são assim’, disse Dapieve. A cultura japonesa usa insinuações, linguagem
indireta para não ‘ferir’ o outro. ‘O Ocidente ficou um pouco exasperado’, disse
Dapieve. O noticiário do Japão normalmente é sóbrio e, na avaliação do
jornalista, não está omitindo da população informações importantes nesta
cobertura.


A cobertura pelo mundo


O Observatório exibiu participações de correspondentes estrangeiros
com comentários sobre a cobertura da imprensa em outros países. A jornalista
Claudia Sarmento, correspondente do jornal O Globo em Tóquio, destacou
que, para o mundo, o que chama mais atenção é o perigo nuclear; no entanto, a
imprensa local focou mais na tragédia nacional, no número de mortos e nas
cidades destruídas. ‘As maiores críticas à imprensa japonesa, tanto às tevês
quanto à mídia impressa, dizem respeito a um tom um tanto oficialista adotado
por eles. Enquanto a imprensa estrangeira era mais pessimista, o que também
mereceu algumas críticas porque exageros foram cometidos, os meios de
comunicação japoneses permaneceram mais cautelosos, reproduzindo as declarações
do governo e da Tepco [Tokyo Electric Power], a empresa que controla a usina de
Fukushima’, comparou a jornalista. Claudia contou que há relatos de que, em
alguns momentos, o público japonês não sabia em quem acreditar, sobretudo em um
momento em que o governo perdeu a credibilidade.


A mídia britânica, na avaliação do jornalista Silio Boccanera, cobriu
maciçamente o terremoto. ‘Os repórteres evitavam o tom melodramático que, às
vezes, no Brasil, está acostumado a ver nestas coberturas e se concentravam em
mostrar o factual, o desastre. Não era preciso exagerar na emoção porque a
emoção estava no fato. Era só apontar as câmeras. Não precisava sobrecarregar ao
estilo ‘telenovelas’, choroso’, disse Silio. Jornalistas com especialização na
área de Ciência participaram de programas e tentavam esclarecer às duvidas dos
telespectadores, esquentando o debate em torno da questão nuclear no Reino
Unido. Com base em informações sobre todos os ângulos do tema, os cidadãos
puderam fazer seu julgamento e tomar uma decisão.


Baseado nos Estados Unidos, o jornalista e apresentador de TV Lucas Mendes
ponderou que este é um país ‘ligado, dependente e assombrado’ pela questão
nuclear. ‘A cobertura das tevês dominara o primeiro dia com fartura de imagens
dramáticas, pobreza de fatos e números’, disse o jornalista. O trabalho foi
dificultado pela dimensão da tragédia, o complicado acesso às fontes de
informação, a precariedade das comunicações e também pela questão da língua. ‘A
partir do segundo dia, tivemos uma tsunami de informações, do trivial ao
profundo: onde e como secar as roupas íntimas das mulheres longe da vista dos
homens em um abrigo de refugiados, de como funcionam os reatores e as
conseqüências científicas, políticas e econômicas da crise japonesa’, contou.
Lucas Mendes destacou que a tragédia no Japão pode servir para uma revisão da
questão nuclear nos Estados Unidos.


Energia nuclear em pauta


De Paris, a jornalista Deborah Berlinck avaliou que a primeira reação da
imprensa francesa diante das imagens da tragédia no Japão foi de incredulidade.
O noticiário internacional francês, que até então estava concentrado nas
revoltas do mundo árabe, voltou-se inteiramente para o Japão. Agora, a imprensa
francesa foca em um ponto crucial para o país: o risco de uma tragédia nuclear.
A França possui um terço das usinas nucleares do continente, quase 80% da
energia do país é produzida a partir da energia nuclear. ‘A tragédia no Japão,
na realidade, provocou um debate que não se via há muitos anos na França, que é
o debate nuclear. Até então, praticamente não se colocava em questão a opção
nuclear da França. A imprensa francesa acompanha agora a cada dia, minuto a
minuto, o que se passa com as usinas japonesas, [os franceses] preocupados com a
sua própria sorte’, explicou. Outro traço particular da cobertura na França foi
o questionamento sobre a ausência de imagens de cadáveres na mídia.


No debate ao vivo, Dines chamou a atenção para o fato de que, graças à
tecnologia, esta tragédia natural foi a mais registrada da história. Para o
jornalista, o terremoto despertou um ‘sentimento de pertencimento’, uma vez que
as pessoas sentiram que a tragédia não era localizada, atingia toda a
humanidade. A ex-ministra Marina Silva destacou que este sentido de integração é
educativo. ‘Com certeza, o que aconteceu no Japão não é uma tragédia do povo
japonês pura e simplesmente. É uma tragédia da raça humana, porque quando nós
conseguimos esta junção de fenômenos avassaladores da natureza com modos
inadequados de viver nós temos uma potencialização em termos dos prejuízos
econômicos, sociais, culturais’, alertou. A catástrofe japonesa obriga a uma
reconexão do homem com a sua fragilidade e o seu sentimento de impotência. Ao
mesmo tempo em que há uma tecnologia que nos permite ter um conhecimento em
tempo real de tudo o que está acontecendo, é preciso ter claro que a humanidade
não está no controle da situação.


Renato Lessa explicou que a civilização moderna está assentada em duas fortes
crenças, das quais se recusa a abrir mão. ‘O que apareceu foi uma crença de que
nós temos mecanismos de interpretação e de pesquisa que nos explicam como é que
a natureza se comporta, dando aos seres humanos uma certa ilusão de que a
natureza pode ser previsível e, talvez, controlável’, disse. Esta crença tem
sido abalada pela emergência de fenômenos cada vez maiores e mais agressivos.
Outra crença é a confiança de que os problemas serão resolvidos pela aceleração
tecnológica. Na opinião do cientista social, as duas estão sendo desafiadas por
esta conjunção entre a catástrofe natural decorrente da tsunami e o desastre
produzido por uma tecnologia de ponta.


Debate de volta ao noticiário


A questão nuclear, na visão de Marina Silva, chegou a ser discutida no
passado, mas houve um arrefecimento do debate. ‘O Brasil precisa rever o
protocolo de segurança das suas usinas nucleares, o seu programa nuclear, e
precisa, com certeza, ter claro que os riscos não são os mesmos do Japão, mas
são outros riscos. Aqui, a gente nem precisa de um terremoto, basta uma chuva
torrencial, com deslizamentos. São problemas que podem nos levar a uma completa
sensação de insegurança, colocando em risco a vida das pessoas’, alertou. É
necessário um ‘olhar duplo’ sobre a questão ambiental: devemos proteger a
natureza e nos proteger da natureza. Marina chamou atenção para o fato de que o
Brasil não tem a mesma necessidade de outras nações, como o Japão e a França, de
usar a energia nuclear. Pode-se adotar uma matriz limpa, diversificada, segura e
mais barata.


Para a ex-ministra, este é o momento de se pensar em um plebiscito para
discutir a melhor forma de geração de energia para o país. Na visão dela, para a
realidade brasileira, seria mais adequado investir em energia solar ou eólica.
‘Aos poucos, há uma exposição grande dos fatos e uma tendência das pessoas à
banalização das tragédias. Mas é inevitável que isso aconteça. E obviamente, o
fato de nós ficarmos indiferentes não é o problema da imagem. É algo em que nós
devemos pensar a partir de nós mesmos. Se a gente é capaz de banalizar a
tragédia, é porque algo está acontecendo conosco. Quando a gente se depara com
aquelas imagens, navios, casas, carros, aviões, como uma sopa de tecnologia
sendo lançada por todos os lados pela força da água, aquilo realmente diz muita
coisa. E o que diz, pelo menos para mim, é que nós não estamos no controle’.


Na avaliação de Renato Lessa, a programação dos canais de televisão,
sobretudo a das emissoras de sinal aberto, dedica pouco espaço ao jornalismo. ‘E
mesmo a notícia, com freqüência, está subordinada a uma lógica do
entretenimento. É uma notícia com fatos pitorescos, uma espécie de faits
divers
entre uma novela e a outra’, classificou o cientista social. Quando
acontecem catástrofes naturais, a falta de análise e de textos é compensada pela
qualidade excepcional e pela rapidez da transmissão direta. ‘Isso se dá com uma
velocidade impressionante. Há um bombardeamento de imagens, em velocidade
alucinante, desprovido de tempo de reflexão. É uma contradição difícil de
resolver. O pensamento é lento, reflexivo. Exige idas e vindas, hesitação,
contrafacção e a imagem é rápida’. Na televisão, os textos são curtos, apenas
uma reiteração do que está sendo mostrado nas imagens. ‘O que prende o
espectador é a capacidade de o veículo produzir imagens de impacto’, sublinhou
Lessa.


***


Mídia e catástrofe


Alberto Dines # editorial do Observatório da Imprensa na TV nº
586, exibido em 29/03/2011


Depois do terremoto e do tsunami, a mídia está conseguindo dar a devida
dimensão ao vazamento radioativo? As consequências do que está acontecendo no
complexo nuclear de Fukushima podem espalhar-se pelo mundo afora, mas a
cobertura internacional está sendo feita dentro dos mesmos paradigmas e do mesmo
diapasão adotado pela mídia japonesa, preocupada principalmente em evitar o
pânico.


No Japão é natural que as autoridades e os jornalistas recusem qualquer
entonação alarmista, o povo é suficientemente sofrido e experiente para avaliar
o que está acontecendo, não precisa ser sacudido artificialmente. Mas no resto
do mundo, dá-se justamente o inverso – a sociedade ocidental tende ao conforto e
ao bem-estar e a mídia funciona como uma sirene que quanto mais é acionada mais
alto precisa soar.


O pesadelo nuclear japonês tornou-se um pesadelo nuclear global. A prova vem
da Alemanha, onde no sábado (26/3) gigantescas manifestações dos ambientalistas
contra o uso da energia nuclear levaram à derrota da chanceler Angela Merkel nas
eleições do dia seguinte, justamente para o Partido Verde.


O Oriente é mais resignado, fatalista. A cultura ocidental, sobretudo a
contemporânea, tende sempre ao happy end, o final feliz. Entre nós, as
catástrofes têm prazo de validade porque a sociedade do espetáculo não está
acostumada a sofrer. Acontece que a catástrofe japonesa vai levar muito tempo
para ser devidamente reparada, é isto que ainda não foi assimilado aqui nos
antípodas.


O modelo de produção industrial adotado hoje em todo o mundo baseia-se na
interdependência – é um sistema engenhoso e eficiente porque ultrapassa as
fronteiras, oceanos e continentes mas, em compensação, dissemina a
vulnerabilidade. E nos condena à solidariedade.


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A mídia na semana


** No Rio de Janeiro, o blogueiro Ricardo Gama, editor de um site que faz
constantes críticas ao governo estadual e à prefeitura da capital, foi alvo de
um atentado. O motorista de um carro disparou contra ele. A imprensa local
cobriu, mas a nacional, não. Se o atentado fosse contra um repórter da grande
mídia, seguramente haveria mais destaque.


** Violeta, ametista, azul? Qual era exatamente a cor dos olhos de Liz
Taylor? Para cada um dos seus fãs, a grande estrela de Hollywood oferecia um
olhar, uma imagem, uma mensagem. Despertou paixões em todas as gerações desde os
anos 1950, mas não era uma sex symbol como Marylin Monroe, Liz era o
símbolo de Hollywood, a usina dos sonhos. Mais do que uma excelente atriz, foi
uma fascinante personagem capaz de encarnar todos os ingredientes da vida, da
futilidade ao idealismo. A morte desta mulher deslumbrante, ao contrário do que
aconteceu com outras celebridades, trouxe um toque de nostalgia ao noticiário.
Mais uma de suas façanhas.

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Jornalista