Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A concorrência aquecida

Anunciado com certa discrição, foi lançado na segunda-feira (1/2) o novo caderno de Negócios do Estado de S.Paulo, rara tentativa de renovação na imprensa brasileira. O produto de papel será semanal, sempre às segundas, e deverá ancorar uma série de outros módulos noticiosos, utilizando rádio, smartfones e computadores. O jornal paulista procura somar a capacidade de análise que cabe na imprensa de papel com a agilidade e penetração do rádio e da internet.


O portal do Estadão foi reestruturado para abrigar novas possibilidades de integração com o material produzido pela Agência Estado, além de oferecer mais análises em texto, áudio e vídeo. O pacote se destina claramente ao leitor protagonista, que toma decisões de negócio ou de investimento pessoal, e necessita ao mesmo tempo de agilidade e contextualização.


Mas, no conjunto, o leitor ainda pode ter dificuldade para localizar indicadores e estabelecer rapidamente as conexões entre informações isoladas e opiniões de especialistas. Além disso, permanece em vigor a crescente falta de tempo para leituras mais longas nos dias úteis.


Vida real


O Estado parece apostar nos estudos que apontam a necessidade da leitura de informações econômicas e de negócios como uma das atividades de profissionais e empresários nas manhãs de segunda-feira.


Mesmo que venha a precisar de ajustes nas próximas semanas, o projeto do jornalão paulista demonstra maior vigor da imprensa brasileira, que foi arejada no final do ano passado pela chegada do diário Brasil Econômico.


Um dos destaques do novo caderno de Negócios do Estadão, aliás, já havia sido publicado pelo novo concorrente na semana passada: uma reportagem sobre os novos negócios de Ricardo Mansur, cujo estilo empresarial deixou centenas de desempregados e dívidas superiores a R$ 1 bilhão de reais com a quebra do banco Crefisul e das lojas Mappin e Mesbla.


Mansur vive como gosta em Ribeirão Preto (SP), onde investe em usinas de álcool, e acaba de comprar uma escola de negócios, a Faculdade Batista de Vitória, no Espírito Santo, onde certamente vai ensinar aquilo que tem praticado na vida real.


Mais do mesmo


A iniciativa do Estado de S.Paulo deve criar problemas de longo prazo para seu principal concorrente, a Folha de S.Paulo, e atrapalhar os esforços do Globo para emplacar no mercado paulista.


A Folha não tem a mesma tradição em jornalismo econômico e de negócios, e sua iniciativa conjunta com o Globo, o título Valor Econômico, embora hoje bem consolidado, nunca conseguiu bater a extinta Gazeta Mercantil, que saiu de cena por seus próprios erros.


O novo protagonista do mercado, Brasil Econômico, ainda se consolida e tem que enfrentar o monopólio da distribuição, dominado pela associação entre Folha e Estado, mas a concorrência tende a se acirrar neste ano de aquecimento no mercado.


Sem um caderno de economia e negócios forte o suficiente para entrar nesse jogo, a Folha acaba empurrada para a concorrência com os chamados jornais populares, o que pode ser prejudicial à sua reputação no longo prazo. Além disso, a longa crise da mídia impressa pode arrefecer com o anunciado crescimento econômico do Brasil e a nova posição assumida pelo país no cenário global.


De qualquer forma, todos os jornais precisam atentar para certos paradigmas que se apresentam em função da crise financeira que estourou em 2008 – e em decorrência das evidências de que a expansão da atividade econômica sem controles pode estar levando o planeta a um ponto de saturação.


Sucesso pessoal


O novo caderno de negócios do Estadão é um sopro de ar no desgastado cenário da imprensa brasileira. Mas parece mais do mesmo. Pelo menos na sua estréia, segue priorizando o noticiário sobre os resultados financeiros dos negócios, sem dar uma atenção especial aos temas que têm dominado os debates econômicos mais recentes, como o papel das empresas nas questões ambiental e social.


Ricardo Mansur, personagem de destaque na edição de segunda-feira, é tudo de que a economia brasileira não precisa.


Embora a reportagem do Estadão seja suficientemente crítica, sua história de sucesso pessoal não anima os que acreditam em um Brasil melhor e mais sustentável.