Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O futebol como caso de polícia

A bomba que o colunista Clóvis Rossi introduziu quinta-feira (2/6) na Página Dois da Folha de S.Paulo (ver abaixo) tem carga dupla: em primeiro lugar pelas suspeitas que lança sobre a escolha do Brasil para sediar a próxima Copa do Mundo. Em segundo lugar porque foi uma rara e talvez única manifestação de um dos expoentes da crônica política sobre a corrupção no futebol internacional.

Futebol sempre foi caso de polícia, deixou a esfera clubista para ganhar maiores dimensões durante a gestão de Ricardo Teixeira à frente da CBF. Mas os escândalos que envolvem o esporte-rei no Brasil quando são destacados na primeira página acabam sepultados nos cadernos esportivos. Sim, sepultados: porque o leitor dos cadernos de esporte prefere ler as análises do jogo de ontem ou as previsões para a partida de amanhã.

Enquanto políticos ou empresários raramente mergulham nos cadernos esportivos, a não ser como torcedores.

Mais grave

Os multiplicadores de opinião vivem ancorados nos primeiros cadernos, muito mais interessados nas esferas do poder nas quais se alimentam.

Essa injusta segmentação condena as denúncias desportivas a uma permanente quarentena. Não avançam, não repercutem, não vão para os plenários legislativos.

Mas é imperioso lembrar que a recente onda de denúncias de corrupção na FIFA sobre a escolha das sedes das Copas começaram a pipocar na Inglaterra – nos quality papers, no Economist, na BBC, até mesmo no americano Wall Street Journal e deste para a capa do imperturbável jornal de negócios, Valor Econômico.

Clóvis Rossi detonou o muro que impedia a livre circulação de notícias pelo jornal. Os escândalos da FIFA e na CBF são tão graves ou ainda mais graves do que as suspeitas que envolvem o ministro-chefe da Casa Civil, Antonio Palocci.

Acabaram-se os cadernos “nobres”.

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O Brasil comprou a Copa?

Clóvis Rossi # reproduzido da Folha de S.Paulo, 2/6/2011

 

Agora que o secretário-geral da Fifa, Jérôme Valcke, admitiu candidamente que o Qatar “comprou” a Copa do Mundo de 2022, vale perguntar se o Brasil comprou a Copa de 2014.

Pergunta impertinente mas que tem toda a lógica, se o leitor acompanhar o breve histórico feito por Rob Hughes, patriarca do colunismo esportivo, que escreve para o Times de Londres mas tem sua coluna publicada também pelo International Herald Tribune.

Hughes diz que o afastamento, por suspeita de corrupção, de dois altos dirigentes da Fifa (Mohamed bin Hammam e Jack Warner) “dá credibilidade às muitas pessoas de fora que vêm dizendo há anos que a Fifa é tão institucionalmente corrupta que ninguém pode salvá-la ou reformá-la”.

A hipótese de que a Copa veio para o Brasil pela corrupção institucionalizada fica reforçada pela descrição que o colunista faz de como evoluíram as coisas a partir do reinado do brasileiro João Havelange. Segundo Hughes, “Havelange ganhou poder basicamente por meio do sistema um-país-um-voto pelo qual a Fifa escolhe seu presidente -e ganhou-o substancialmente por persuadir pequenas federações nacionais na África e, depois, no Caribe e na Ásia, a votar por ele. Em troca, deu a elas dinheiro [da Fifa] para erguer suas próprias estruturas. Pagou por isso vendendo a joia da coroa do futebol, a Copa do Mundo”, transformada em “um triângulo dourado (Copa, exposição na TV e patrocínio das corporações) que se autoperpetua”.

Só resta acrescentar que quem trouxe a Copa-2014 para o Brasil chama-se Ricardo Teixeira, que, além de presidente da CBF, é genro de Havelange, o construtor do “triângulo de ouro”.

É sempre possível que a Copa tenha vindo para o Brasil porque somos um país maravilhoso, de gente linda e amável. Mas você excluiria liminarmente outra hipótese menos glamourosa?