Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A criatividade sem limites

Os assinantes do Estado de S.Paulo e da Folha de S.Paulo que moram na região metropolitana da capital paulista foram surpreendidos, nesta quinta-feira, dia 14, ao receberem seus jornais organizados de maneira diferente.

Em lugar do primeiro caderno, os jornais exibiam o caderno “Economia & Negócios” – no caso da Folha, “Mercado” – impresso em cor assemelhada à do logotipo de um banco.

Três anúncios davam conta do motivo: o anunciante estava celebrando o prêmio de “banco mais sustentável do mundo”, oferecido pelo jornal britânico Financial Times e o IFC, braço financeiro do Banco Mundial.

Na Folha de S.Paulo, um texto acima do primeiro anúncio explicava aos leitores: “Informe publicitário – os assinantes da Grande SP recebem hoje a Folha na ordem diferente da habitual, com o caderno Mercado abrindo o jornal e impresso em outra cor”.

Os editores do Estadão não tiveram o mesmo cuidado, e muitos leitores devem ter considerado que o conteúdo era um falso noticiário, como acontece eventualmente nas edições de domingo, com o primeiro caderno envolvido por uma folha de propaganda.

Esse tipo de iniciativa, fruto da criatividade de publicitários, tem se tornado muito comum com o aquecimento da economia e a necessidade de diferenciar as mensagens comerciais dos anunciantes.

No entanto, eventualmente falta algum cuidado em preservar o conteúdo jornalístico.

Credibilidade

A atenção da Folha, que o Estadão não teve, de alertar o leitor sobre a mudança já é alguma coisa, mas ainda convém refletir sobre os limites das intervenções da área comercial no território do jornalismo.

Um caderno de negócios é sempre vulnerável a interpretações sinuosas sobre a influência de bancos e grandes empresas, e a vinculação de todo o conteúdo às cores do anunciante pode afetar a credibilidade do noticiário.

Os jornais já sofrem, de vez em quando, acusações de engajamento incondicional a grupos políticos e se posicionam sem reservas em favor de um viés qualificado genericamente de “valores liberais”, fugindo de debates importantes para a sociedade.

Além disso, resistem a qualquer proposta de regulamentação e ignoram os desmandos do setor – como nos casos de falência de empresas jornalísticas que deixaram milhares de profissionais desprovidos de seus direitos trabalhistas nos últimos anos.

Pintar suas páginas de notícias com as cores do anunciante pode não ser uma idéia assim tão criativa.