Saturday, 11 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

A crise do jornalismo

Na coluna ‘Ombudsman’ (Folha de S. Paulo, 13/3/05), Marcelo Beraba, com base nos dados colhidos pela pesquisa Projeto Inter-Meios, da revista Meio & Mensagem, escreveu o artigo ‘O futuro dos grandes’, além de reproduzir o gráfico no qual consta a média de exemplares/dia de jornais vendidos no período de 1990 a 2004. Ao artigo ainda se agregava a entrevista com a socióloga Alzira Alves de Abreu, sob o título ‘A influência da imprensa’.

Seja por incômodo, seja por descaso, o fato é que os dados da pesquisa não tiveram na mídia maiores repercussões. Para resumir, o gráfico aponta, em 1990, 4,276 milhões de exemplares vendidos ao dia; atinge o ápice em 2000, com 7,883 milhões e, em curva descendente, chega a 2004 com a média de 6,522 milhões de exemplares/dia.

Outro dado significativo revela que a queda de vendas é acompanhada pelo aumento de captação na receita publicitária – de 2003 a 2004, crescimento de 15,41%, segundo a Inter-Meios e 20,2%, de acordo com levantamento do ‘Almanaque Ibope’.

Por que há crise?

O itinerário com o qual gostaria de responder à pergunta demandaria alentado ensaio. Todavia, não me furtarei à oferta de uma síntese, ciente do risco da incompletude, compatível com a limitação de um artigo.

Desconfio que a imprensa brasileira criou, para si mesma, o impasse, transformado, ao longo do tempo, em círculo vicioso. No centro do problema talvez esteja o binômio democracia/cultura. Nos últimos 20 anos, agravando-se na segunda década, a imprensa se ocupou demasiadamente com a democracia (ou o que considerou que ela seria), descuidando-se progressivamente do fator mais importante para a própria eficácia da democracia: nível cultural. Devem ter pensado que, criado o Ministério da Cultura, em 1985, ao ministério deveria caber a questão. Como ministério nenhum pode dar conta do que é projeto cultural de uma nação, ninguém em setor nenhum, afora preocupações direcionadas a leis de incentivo e derivados, elaborou políticas efetivas das quais se pudesse extrair resultados transformadores.

É notório que, ao longo do tempo, com carências crescentes, se instalou expressivo (assombroso) rebaixamento cultural no país, contaminando, inclusive, o sentido profundo de democracia. Assim, o que deveria ser democracia participativa e qualitativa redundou na simplória democracia representativa e quantitativa.

Nessa inversão de prioridades, também e principalmente, a imprensa caiu. Para fazer vingar a primeira, teria sido indispensável o envolvimento do exercício jornalístico com as reais questões nacionais, em sintonia com a permanente vigília crítica. A opção pela segunda consagrou um formato calcado em superficialidades cotidianas exploração sensacionalista, ‘denuncismo’ inconseqüente e exploração do entretenimento. Não bastassem esses atributos negativos, ainda investiram numa cadeia de deformações, inserindo nos jornais: ‘bastante’ visual, ‘bastantes’ cores, ‘bastantes’ cadernos, ‘bastante’ publicidade. Por fim, com tanto ‘bastante’, expandiram parques industriais, contraíram dívidas, repercutindo nos preços do produto final.

O jornal diário, para a população média, se tornou caro e improdutivo. Para que comprar jornal diariamente, perguntará o cidadão comum, cujo incentivo à leitura sempre lhe foi um tema menor?

Outros fatores decorrentes dos mencionados se foram somando: telejornais noturnos pautam as páginas do dia seguinte enquanto os portais da internet abastecem o público com renovadas matérias, ao longo do dia. Para a exigência cultural que está posta, basta. É sabido que o brasileiro médio tem, por negligência intelectual, ou por ausência de algo melhor, incontrolável fascínio por telas. Onde houver uma, ele se planta e vê (em lugar de ler) tudo, além de ser praticamente grátis. Os jornais, enfim, pagam atualmente pela aposta errada que fizeram (e continuam fazendo).

Atraso teórico

A imprensa brasileira padece de um atraso teórico que reporta às iniciais décadas do século passado. Atenção, defensores intransigentes do culto à prática! Quem lida com o campo da Teoria da Comunicação sabe que o modelo brasileiro ainda reproduz o que nelas há de pior, duas correntes: a chamada ‘teoria hipodérmica’ (ou ‘teoria do efeito’) e a ‘teoria funcionalista’. Grosso modo, a primeira se centra no impacto da notícia, o conhecido ‘efeito de ativação’; a segunda se ocupa da ‘satisfação’ do leitor, além de aplicar procedimentos de manipulação e persuasão.

Ocasionalmente, encontram-se recortes jornalísticos que se voltam para a terceira corrente: a ‘teoria crítica’. Esta é a vertente mais amplamente explorada pelo jornalismo europeu e alguns dos principais jornais norte-americanos (estes, porém, já com indícios de declínio). A ‘teoria crítica’, sob inspiração dos representantes da Escola de Frankfurt, bem como de seus desdobramentos, calca o olhar sobre os acontecimentos com o intuito de assumi-los como ‘questão’. Conseqüentemente, se o acontecimento, em lugar de registro, se torna questão, a atitude jornalística daí decorrente impõe ‘questionamentos’, ou seja, é um modelo de jornalismo prospectivo. Nele a qualidade do texto é prioritária. Tudo que escapa à densidade textual, sem trocadilho com o nome de um dos teóricos, não passa de adorno. Como tal, seu valor é secundário ou terciário.

O quadro presente é gravíssimo por conta de havermos perdido a situação histórica na qual, há décadas, teríamos, em sintonia com a atmosfera da redemocratização, enveredado pelo caminho jornalístico da ‘teoria crítica’. Injunções e interesses das elites (econômica e política) definiram – por perversidade ou por desqualificação intelectual – o caminho que lhes pareceu mais conveniente. Agora, somos o que somos.

Jornais, revistas e mídias eletrônicas correm desesperadamente atrás da minimização dos prejuízos. Diante deles, majoritário público, num misto de ingenuidade e espanto, dado o limitado recurso de percepção e de compreensão, parece inerte, sem saber em que tudo vai dar. Uma vez mais, recorro à expressão-título de um certo antropólogo: ‘tristes trópicos’…

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Ensaísta, doutor em Teoria Literária pela UFRJ, professor de Teoria da Comunicação e titular do curso de Comunicação das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), Rio de Janeiro