Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A divulgação contaminada das pesquisas eleitorais

A divulgação dos resultados da última pesquisa eleitoral do Ibope encomendada pela TV Globo, nos dias 25 e 26 de julho, é um bom exemplo das diferenças que o enquadramento de uma notícia pode representar (ver ‘Cobertura das eleições: O significado de `tempos rigorosamente iguais´‘). Mais ainda. É também um exemplo de como, sobretudo em períodos eleitorais, a corrida pelo ‘furo’ e/ou a irresponsabilidade jornalística fazem com que sejam veiculadas informações não confirmadas e/ou falsas.


Durante a terça-feira (25/7), o Blog do Noblat começou a divulgar os resultados da pesquisa Ibope com números favoráveis ao candidato do PSDB e a indicação de que haveria um segundo turno. Esses números foram imediatamente repercutidos em apressados comentários de outros blogs, por analistas políticos e emissoras de rádio. Só à noite, quando a Rede Globo divulgou os verdadeiros resultados da pesquisa em seu Jornal Nacional, soube-se que aqueles números, tidos como corretos durante quase todo o dia, eram, na verdade, falsos.


O Ibope havia advertido que, por ter sido a primeira pesquisa realizada após a definição oficial das candidaturas pelas convenções dos partidos, não seria correto tecnicamente fazer comparações com os resultados anteriores. Ademais, os resultados indicavam que, apesar do crescimento do candidato do PSDB, as eleições ainda seriam decididas no primeiro turno. Vale dizer: as intenções de voto no candidato Lula ainda eram maiores do que as intenções de voto dos outros seis candidatos somadas.


Debate inconcluso


As manchetes de alguns dos principais jornais brasileiros no dia seguinte (quarta, 26) revelam com maior clareza a diversidade dos enquadramentos, a insistência na comparação com os resultados anteriores – que o Ibope considerou ‘tecnicamente incorreta’ – e a maior ou menor descolamento entre a cobertura da mídia e os resultados reais da pesquisa. Vejamos:


** Folha de S.Paulo: ‘Lula mantém vitória no 1º turno, diz Ibope’ (título de página interna);


** O Estado de S.Paulo: ‘Diferença cai 12 pontos, mas dá Lula no 1º turno’ (título de capa);


** O Globo: ‘Lula cai, mas ainda vence no 1º turno’ (capa);


** Jornal do Brasil: ‘Lula cai e já se prepara para o segundo turno’ (capa);


** Correio Braziliense: ‘Lula ainda evita 2º turno’ (capa);


** Estado de Minas: ‘Diminui vantagem de Lula’ (capa);


** Zero Hora: ‘Ibope mostra crescimento de Alckmin’ (página interna);


** Jornal do Commercio: ‘Alckmin reage, mas ainda daria Lula no 1º turno’ (capa).


Há um longo e não resolvido debate sobre qual é o efeito real das pesquisas de intenção de voto na evolução das disputas eleitorais. Alguns países, como o Brasil, buscam fiscalizar as condições técnicas de realização das pesquisas. Outros proíbem a divulgação de resultados na proximidade das eleições. O que é necessário que se faça, todavia, é uma análise crítica da divulgação dos resultados pela mídia.


Gato por lebre


Supondo que os resultados estejam sempre corretos, isto é, dentro da margem de erro com que cada instituto de pesquisa opera, resta uma enorme possibilidade de enquadramentos na divulgação dos resultados, mesmo sem que, necessariamente, se abandone a verdade. Haverá sempre a possibilidade de que a divulgação privilegie um determinado índice dos resultados que favorece um candidato e prejudique outro, ou indique ‘quedas’ e/ou ‘subidas’ e/ou a configuração de ‘tendências’ que estão dentro das margens de erro e, portanto, podem não ter de fato acontecido.


Em períodos eleitorais, mais do que em outros, é necessário não se esquecer que jornalistas e grupos de mídia têm interesses e preferências políticas e que esses interesses nem sempre conseguem ficar fora da cobertura que fazem. O melhor seria que esses interesses fossem claramente explicitados (ver ‘Jornalismo de Opinião: Transparência em nome do interesse público‘). Como não são, perdem os leitores/ouvintes/telespectadores/internautas que recebem uma informação politicamente contaminada como se fosse correta e isenta.

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Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor, entre outros, de Mídia: Teoria e Política (Editora Fundação Perseu Abramo, 2ª ed., 2004)