Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A entrevista prometida que ninguém viu

Pode ter sido um erro grosseiro de digitação ou uma aparente decisão editorial. Fato é que o Programa do Jô mudou os rumos da entrevista que o filósofo e professor de ética da USP Renato Janine Ribeiro deu nesta madrugada (23/07) na Rede Globo. Conforme nota no site do Jô, o professor deveria falar sobre uma petição pública que ele está mobilizando contra a criação dos estados do Tapajós e Carajás. Diz o site que “no início de maio, com o plenário quase deserto, a Câmara dos Deputados aprovou plebiscitos visando à criação dos novos estados. Eles vão custar caro e serão sustentados com os impostos que pagamos”.

Confesso ter ficado curioso ao ler a notícia no site do Jô, pois a divisão do Pará é o assunto urticante da vez e está mexendo com o brio dos paraenses – e até quem não é de lá. Aqui e acolá, a polêmica vai ganhando fôlego. Exemplo disso foram as notícias que circularam na internet dizendo que o publicitário Duda Mendonça, que coordenou a campanha milionária do ex-presidente Lula em 2002 e é réu no escândalo do mensalão, se propôs a trabalhar pela criação dos dois novos Estados sem cobrar um tostão sequer.

Uma dessas notícias foi publicada na coluna Poder Online do Portal iG no dia 14 de julho. Naquela ocasião, os colunistas Jorge Felix e Tales Farias anteciparam que Duda iria viajar ao Pará para apresentar algumas peças que criou para divulgar a causa. “Ele tem propriedades na região e estaria fazendo o trabalho sem cobrar do movimento”, informaram (leia aqui).

Outra pauta

Na sexta-feira (22/07), em entrevista coletiva publicada no jornal Diário do Pará, o publicitário afirma que é uma pessoa muito ligada ao Pará e que ficou feliz com o convite recebido para coordenar a campanha emancipacionista. Diz a reportagem que a maior campanha do publicitário é uma pista de vaquejada para o município de Xinguara. “E eu, como estou lá perto do pessoal e sou amigo, resolvi ajudar. E lá é pior do que aqui porque além de não receber, eu ainda pago”, disse o marqueteiro (leia a matéria aqui).

Como se vê, razões não faltaram para não desgrudar os olhos da televisão. Mas o que se viu no Programa do Jô foi uma entrevista de Renato Janine Ribeiro falando sobre o lançamento do livro Política Para Não Ser Idiota, da Papirus Editora, em parceria com Mário Sergio Cortella. Na entrevista, ele falou que a obra tem como objetivo levar o conhecimento sobre política para os cidadãos que pouco sabem do assunto ou que não se interessam por ele.

Ribeiro falou ainda sobre o artigo que o jornalista Juan Arias, correspondente do jornal El País, escreveu no início deste mês sobre a inexistência de um movimento de indignados (com a corrupção, injustiças sociais e preservação do meio ambiente) no Brasil semelhante ao existente na Espanha. A matéria dele, como era de se esperar, repercutiu na mídia brasileira. Foi o caso do artigo assinado pelo colunista Reinaldo Azevedo na revista Veja.

O idiota – comum e grego

Ensaiando uma “resposta” ao artigo do El País, Azevedo desceu das tamancas e atirou para todos os lados apontando diversas razões para o inquietante estado de letargia política vivido pelos brasileiros. Sobraram críticas ao PT, ao governo Dilma e, inclusive, à imprensa. Ele escreve em um trecho do artigo que “o ‘povo’ não está nas ruas, meu caro Juan, porque foi privatizado pelo PT”. E tem mais: “Se você não conhece democracia como a nossa, Juan, sabe que, com as exceções que confirmam a regra, também não há imprensa como a nossa no mundo democrático no que concerne aos valores ideológicos. Vivemos sob uma quase ditadura de opinião”, escreveu (leia aqui).

Voltando ao Programa do Jô, Ribeiro foi questionado sobre o título do livro que reforça a palavra “idiota”. O filósofo diferenciou o sentido comum da palavra – aplicado a pessoas patetas e incapazes de coordenar ideias (dicionário) – do significado grego da mesma – aplicado a cidadãos privados, mais individuais e fechados nos próprios pensamentos que, segundo ele, preferem seguir as ideias dos outros às próprias.

Ao desligar a TV me perguntei o seguinte: “E agora, José?! Quando falarem da divisão do Pará vão me tratar como idiota no sentido comum ou no sentido grego?”

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[Andrei Protázio é jornalista e estudante de Direito, Belém, PA]