Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A falta que faz uma imprensa investigativa

Os atentados ocorridos no último fim de semana em São Paulo trazem à tona um problema antigo e preocupante, que é a fragilidade da segurança pública diante do crime organizado. Esse quadro acabou transformando a sociedade brasileira em refém dos bandidos. Boa parte das favelas vive sob o domínio do tráfico de drogas, enquanto nos bairros de classe média as residências se transformaram em prisões, isoladas por muros altos, cercas elétricas e outros dispositivos de segurança.

O mais curioso é que os atos criminosos praticados na maior cidade do país ocorrem quase sempre nos períodos pré-eleitorais, quando PT e PSDB se digladiam nas campanha. Seria mera coincidência ou haveria algo de mais podre nos bastidores republicanos que nenhum nariz ainda farejou? De qualquer forma, é lamentável que a mídia se limite à prática do jornalismo declaratório, em vez de investigar a fundo questões de interesse público.

Todo mundo sabe que o sistema prisional brasileiro nunca foi um modelo exemplar. As cadeias são pouco mais que currais ou chiqueiros abarrotados de gente. A Justiça é lenta e, na maioria dos casos, as penas são brandas e nem sempre levadas a termo. Muito se fala e pouco se faz para mudar o quadro.

Anatomia do crime organizado

Num país de vocação autoritária e anti-republicana, no qual os políticos agem de acordo com interesses pessoais ou de grupos econômicos, o submundo sempre demonstrou capacidade de organização superior à do Estado. Contribui para isso a ação oportunista de servidores corruptos, mal-remunerados e de formação deficitária.

Quem leu o livro Comando Vermelho, do jornalista Carlos Amorim, deve se lembrar da anatomia do crime organizado no Rio de Janeiro. Segundo o autor, tudo teria começado nos presídios da Ilha Grande, durante o regime militar, quando presos comuns passaram a dividir as celas com ex-guerrilheiros e ativistas políticos de esquerda. Pouco a pouco, a camaradagem entre os dois grupos se estabeleceu. Facções rivais que dominavam os presídios passaram a agir de forma organizada, solidária e eficiente.

De lá para cá, como num jogo de xadrez, o sistema prisional foi sendo pouco a pouco dominado pelo chamado crime organizado. O que se diz por aí é que os presos é que mandam nos presídios. Assim, não fica difícil perceber que nossas autoridades dormiram no ponto em algum momento da história. Em outras palavras, o Estado é que se mostra desorganizado demais para reassumir as rédeas da questão.

Perguntas continuam sem respostas

No livro de Amorim consta que um comandante da Ilha Grande chegou a alertar seus superiores no continente sobre a mudança de comportamento dos presos comuns. As brigas de gangues haviam diminuído e parecia haver de fato uma organização solidária entre eles. Seus relatórios, no entanto, foram ignorados e a organização criminosa acabou se consolidando.

Há que lembrar que muito já se falou sobre a hipotética ligação do PCC com gente das Farcs, bem como sobre a simpatia de setores do PT pela causa desses ex-guerrilheiros que hoje servem ao narcotráfico. Essa questão nunca foi investigada a fundo. No entanto, é bom lembrar que durante o regime militar os extremistas de direita explodiam bombas nas ruas justamente para assustar a população e culpar os comunistas. Em termos políticos, parece que tudo é possível.

De qualquer maneira, a pauta jornalística vive de idas e vindas sobre temas que se repetem periodicamente, deixando em branco alguns itens do lide. Com a espetacularização cada vez maior da notícia, eventos como o assassinato do prefeito Celso Daniel, de Santo André, o escândalo do mensalão e o recente desaparecimento da ex-amante do goleiro Bruno parecem mesmo fadados ao esquecimento. Nesses casos, só sabemos o que, onde e quando ocorreu. Quem fez, por que fez e como fez são perguntas que geralmente permanecem sem respostas. 

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Escritor e jornalista, Belo Horizonte, MG