Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A geografia dos jornais impressos

Sem meias palavras, ou os jornalistas e editores dos maiores jornais do país não têm a mínima noção de geografia, ou estão varrendo a sujeira para debaixo do tapete. Somente isto pode explicar a geografia que é traçada dia-a-dia no noticiário nacional.

Para a Folha de S. Paulo e o Estado de S. Paulo, só existem, dentro do território nacional, as cidades de Brasília e Rio de Janeiro (que só tem violência – nada mais do que isso é falado da cidade, a qual, inclusive, recebe o Pan Americano este ano). Nem mesmo a cidade e o estado de São Paulo existem para estes veículos. Preocupados, e com razão, estritamente com aquilo que acontece na capital do país, esquecem de noticiar o que ocorre em seu quintal. O que não dá para entender e nem se justifica por aspecto algum.

Kassab só aparece quando de suas frases mirabolantes ou seus sucessivos escândalos. O governador do Estado então (quem é mesmo?) aparece no noticiário diário infinitamente menos que o personagem Chico Bacon, de Caco Galhardo.

É humanamente impossível que Serra e Kassab sejam almas tão boas que não gerem polêmica alguma, nem mesmo suscitem uma discordância, ou então, ao adentrarem seus respectivos gabinetes, pediram para não serem incomodados e morreram – e ninguém ainda os encontrou – ou realmente não fazem absolutamente nada o dia inteiro. O que por si só já é pauta para muito noticiário.

Adotar o Google Earth

Será que na cidade da avenida Paulista apenas o Cidade Limpa é importante, ou esta mesma cidade é composta por bairros como Capão Redondo, Grajaú e afins? Será que a cidade que movimenta a maior quantidade de dinheiro do país só deve ser notícia quando há falhas no metrô ou nas paginas policiais e de cultura? E quanto ao estado mais importante do Brasil, quem o administra está fazendo alguma coisa? O ‘Vampiro Anêmico’ está vivo ainda?

O poder legislativo da cidade de São Paulo, então, é uma instituição fantasma ou foi à falência porque até o gol de Romário é mais importante. Ou a Folha e o Estado (para citar os maiores, mas a carapuça serve para muitos jornais) não sabem nada de geografia, política e sociedade, para acharem que só em Brasília acontecem coisas importantes, ou crêem piamente que ninguém, em São Paulo, quer saber de sua cidade ou estado, ou ainda suas redações têm os vidros tão insulfilmados que não há possibilidade de visão além da janela. Pode ser também que o excesso de áreas verdes em São Paulo não permita uma observação clara da situação.

Sinto informá-los que, com exceção ao Rio de Janeiro, não existem mais estados no país. Alguém pode me dizer o que está acontecendo em Minas tirando Aécio Neves? O Rio Grande do Norte existe ainda? O Acre ainda é no Brasil? Alguém de Tocantins pode me mandar uma carta, e-mail ou qualquer outra coisa dizendo o que aconteceu com vocês? Em vez de Manual de Redação, os jornais têm que adotar um atlas ou, quem sabe, o Google Earth.

Se algo é bom, é mentira

A grande e respeitada imprensa escrita nacional, composta por quem pensa ‘ão’ e por pessoas ‘a serviço do país’, deixa bem informados seus leitores mostrando como na China só há altas taxas de crescimento e no Oriente Médio, conflitos e guerras. Fico extremamente bem-informado ao notar que a América Latina se resume à ‘onda esquerdista petrolífera’ de Hugo Chávez, de vez em quando Nestor Kirchner e, cada vez mais raramente, Evo Morales. Por isto não estranhei quando um colega disse, em tom melancólico, que tinha saudades de quando a Oceania e América Central ainda pertenciam a este mundo.

Lembro-me que, quando estudava geografia, era usual, em nosso senso comum infantil, culpar os portugueses por toda a nossa miséria. Se não fossem eles e os padres, estaríamos ainda com a tanguinha do Tarzan caçando animais e protegendo a natureza como bons homens honestos.

Logicamente, este retrato é um tanto quanto povoado de preconceitos e afirmações ridículas, mas eram pensamentos infantis, como adverti no início do parágrafo, assim como acredito que a imprensa escrita esteja de brincadeira, ou mesmo pregando uma peça quando atribui a Lula a culpa por tudo de ruim que aconteça no país e, se algo de bom acontece, é melhor ficar esperto que não passa de uma mentira, ou esquema para eleição, ou mesmo complô para alguma coisa.

Resumo do que foi

Não que o presidente não tenha responsabilidade por muita coisa que acontece e que sua administração esteja beirando a mediocridade e a hipocrisia, mas, assim como os portugueses, Lula não é responsável por tudo. No mínimo, por exemplo, se a violência no Rio é lastimável, o governador e o prefeito (alguém sabe quem é?) têm uma parcela muito grande de responsabilidade e muito maior para solucionar o problema.

Sinceramente não consigo definir se os veículos de imprensa escrita necessitam de colírio para amenizar a irritação que lhes fecha os olhos ou se, beneficiados pela ‘progressão continuada’, não precisem voltar à escola para corrigir a defasagem que tiveram em algumas matérias essenciais à formação escolar. Pode ser também, e isto é o mais provável, que eu esteja errado: afinal, a globalização e a tecnologia reduziram tanto as fronteiras que o mundo talvez seja apenas um resumo do que foi outrora.

Ou será que o cérebro foi reduzido?

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Coordenador de comunicação, Jundiaí, SP