Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A imprensa é a única que não pode falhar

Partidos desmoralizados, donos da ética comprometidos, Política e políticos aviltados, Congresso enlameado, Executivo desacreditado – nos últimos 50 anos o país já passou por crises tão graves como a atual. Em nenhuma delas a degradação foi tão extensa e tão profunda. A República, ela própria, apesar da pureza de seus traços, apesar do lindo nariz aquilino e do barrete vermelho na cabeça, parece envergonhada com as sem-vergonhices cometidas em seu nome.


No meio dos destroços de tantas instituições e biografias, a imprensa aparentava estar imune ao aviltamento. Embora tenha acendido o barril de pólvora com um fósforo de origem suspeita, dava a impressão de que esforçava-se para não ser engolfada pela lamaceira.


O depoimento do araponga-videomaker Jairo Martins de Souza à CPI sobre suas estranhas relações com a Veja, somado às evidências de que o flagrante da propina nos Correios foi armado pela Abin, jogou a primeira dúvida sobre a regeneração dos nossos padrões jornalísticos.


Logo em seguida, vieram as informações do lobista Marcos Valério Fernandes sobre a forma como evitou a publicação das primeiras denúncias da ex-secretária, Fernanda Karina Somaggio, na IstoÉ Dinheiro no ano passado.


O comportamento engajado do âncora Boris Casoy na defesa dos interesses da Rede Record na segunda-feira (11/7), quando o presidente da Igreja Universal do Reino de Deus foi flagrado num jatinho com 10 milhões de reais, liquidou não apenas o bordão ‘Isto é uma vergonha!’ mas também um gênero de cruzada pseudomoralista que nada tem a ver com o bom jornalismo.


‘Naqueles dias’


Mas foi durante a exibição do até então impecável Jornal Nacional (quinta-feira, 14/7) que desabou a esperança de que a instituição jornalística – ao contrário das demais – conseguiria manter-se num patamar de responsabilidade.


Ao longo de sete minutos, o editor-chefe e co-apresentador William Bonner exibiu minuciosamente um extravagante cruzamento informático composto pela lista das pessoas que entraram no prédio onde se localiza uma agência do Banco Rural, em Brasília, no dia dos grandes saques em dinheiro, e a lista dos assessores dos deputados federais.


Os resultados foram estarrecedores – não para os denunciados, mas para os denunciantes. O cruzamento foi feito pelo fogoso deputado Rodrigo Maia (PFL-RJ), membro da CPI dos Correios, com base num trabalho interrompido por repórteres do Correio Braziliense. Não levou em conta a existência de homônimos nem a possibilidade nada remota de que um assessor parlamentar tenha entrado no banco para pagar suas contas ou as do seu chefe.


No dia seguinte, o Jornal Nacional foi obrigado a recuar: mostrou um inseguro Rodrigo Maia admitindo que dois assessores seus foram ao Rural ‘naqueles dias’ para pagar pequenas contas pessoais e, para aplacar a indignação dos injustamente acusados, ofereceram-se alguns segundos aos que puderam ser encontrados.


Esquinas perigosas


No sábado e na segunda-feira o assunto foi convenientemente esquecido, apesar das duras críticas da maioria dos colunistas políticos ao comportamento irresponsável do deputado Rodrigo Maia.


A verdade é que a culpa maior cabe ao veículo que divulgou o estapafúrdio cruzamento. Um parlamentar que se deixa fascinar pelos holofotes de uma CPI não chega a surpreender. São muitos os que querem pegar carona nesse bonde gratuito.


Mas um veículo com a importância do Jornal Nacional não tem o direito de embarcar no delírio informático de um deputado, deputada, senador ou senadora.


A imprensa não tem o direito de pisar em falso, ela é o fiel de um embate num momento em que desabam as credibilidades e os cidadãos parecem atordoados. Os mini-Chávez estão ai, à espreita, doidos para magnificar as acusações do ‘complô das elites com a imprensa’.


Qualquer que seja o desfecho da crise, ela não pode macular nem a Justiça nem a Imprensa. O Judiciário ainda não passou por prova alguma – ainda é cedo – mas a Imprensa já foi reprovada nos primeiros exames.


Cuidado com os cruzamentos: é lá que ocorrem os mais graves atropelamentos.