Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A lógica dos tablóides e
os erros da Justiça

A edição da semana passada da revista Contigo!, da Editora Abril, teve uma de suas matérias censurada. Medida cautelar concedida pelo juiz Antônio Dias Carneiro, da 2ª Vara Cível do Fórum de Pinheiros, em São Paulo, impediu que o semanário publicasse reportagem baseada em duas entrevistas realizadas com Mariana Papa Fragali, mulher do vice-presidente da RedeTV!, Marcelo de Carvalho Fragali. A revista acatou a decisão, não comentou o teor da entrevista, mas prometeu, em uma chamada na capa, recorrer da decisão e publicar a matéria na ‘próxima edição’. Até o julgamento do recurso, porém, todas as revistas da Abril estão proibidas de divulgar reportagens sobre a vida privada do casal Fragali.


Segundo informações prestadas pelo diretor de redação da Contigo!, Edson Rossi, ao jornal O Estado de S. Paulo, Mariana foi entrevistada no dia 21 pela repórter Marianne Piamonte. Teriam sido duas entrevistas – uma pessoalmente, outra por telefone. Na conversa, ela enveredou pelo tópico ‘proibido’ de ser publicado e pediu para desligar o gravador, mas continuou falando sobre o assunto. No dia seguinte, porém, Mariana Fragali teria telefonado para a revista, preocupada com a repercussão que a reportagem teria.


Na sexta-feira, dia 23, a revista recebeu a ordem judicial impedindo a publicação. O pedido foi assinado pelo casal, que alegava que a matéria poderia causar ‘danos à sua imagem e à sua honra’, e a multa por desacato seria de 1 milhão de reais.


A medida cautelar foi concedida pelo mesmo magistrado que havia determinado, em fevereiro do ano passado, que a revista Você S/A, também da Editora Abril, submetesse a reportagem ‘A indústria da recolocação profissional’, antes de publicada, à aprovação de uma das empresas citadas – a Dow Right Consultoria.


Se arrependimento matasse


O episódio da Contigo! pode servir para duas reflexões distintas. Por um lado, é possível questionar a conduta do semanário. A revista obteve detalhes sobre a vida privada de um casal, mas a entrevistada arrependeu-se do que contou à repórter. Tanto se mostrou arrependida que foi à Justiça para tentar reparar o erro. Surge, aqui, uma primeira questão de procedimento: o jornalista deve aceitar uma manifestação de arrependimento da fonte e deixar de publicar a informação que apurou?


Trata-se de uma resposta de difícil generalização. Em tese, quem fala o que quer, ouve o que não quer, como diz o ditado popular. Se alguém aceita conceder entrevistas, deve submeter-se às regras do jornalismo. Pode, é claro, cobrar a transcrição correta do que foi dito e uma edição honesta, sem recursos escusos como o de ressaltar frases fora do contexto em que foram pronunciadas. No caso de figuras públicas, essa conduta parece perfeitamente razoável – parlamentares, ministros de Estado e demais detentores de cargos públicos em geral têm boa noção da força das palavras, lidam com questões de interesse geral e seria ingênuo conceder-lhes o ‘direito ao arrependimento’.


Se o caso é da esfera privada, porém, a história se complica. Vamos supor, para ilustrar o raciocínio, que a senhora Beltrana tenha contado a um jornalista que é maltratada pelo marido Sicrano. No dia seguinte, Beltrana se arrepende e liga para a redação pedindo encarecidamente a não-publicação de seu relato. Que diferença fará para o público a veiculação de um problema pessoal, que diz respeito apenas à Beltrana e Sicrano? Nenhuma diferença, exceto o saciamento de um vouyeurismo sórdido. Pois é este o problema não apenas da Contigo!, mas de uma série de publicações que se pagam pela exploração das tragédias e alegrias privadas das chamadas ‘celebridades’. Do ponto de vista deste tipo de revista, as ‘celebridades’ conhecem as regras do jogo e também ganham com o desnudamento de suas intimidades, pois todos estão na luta por um lugar ao sol.


No caso do casal Fragali, portanto, um dos lados fugiu do script ao arrepender-se. A revista, que tem como sua matéria-prima a exploração de vidas pessoais, não conseguiu sequer entender a manifestação de arrependimento de Mariana Fragali. O caso poderia ter acabado se a Contigo! simplesmente ‘derrubasse’ a matéria no primeiro sinal de culpa da mulher do dono da RedeTV!. Seria uma chateação mudar a diagramação e o espelho da revista, mas dificilmente o semanário não teria alguma outra matéria na gaveta ou fotos de jovens beldades para preencher o espaço.


Desta forma, a insistência da revista em publicar a matéria parece nitidamente contraproducente, a menos que a idéia tenha sido fazer vender a edição destacando a ‘reportagem proibida’. Como qualquer adolescente sabe, tudo que é proibido é mais gostoso. O apelo da leitura de algo que alguém revelou e depois quis esconder pode ser muito mais forte do que o cardápio de sordícias servidas habitualmente. Se isto for verdade, Contigo! obedeceu a lógica dos tablóides, que alguns reputam sinônimo de jornalismo marrom. Talvez seja mesmo o caso da revista em questão.


Censura e fatos estranhos


O segundo aspecto a ser analisado é o da censura em si. Em que pese o a linha editorial da Contigo! e demais revistas de celebridades, o impedimento prévio da publicação da reportagem é um esbulho. O casal Fragali ou a Dow Right têm, é óbvio, o direito de lutar por seus direitos, mas a decisão do magistrado – e é bom lembrar que trata-se do mesmo juiz, nos dois casos – é um acinte à liberdade de imprensa.


Como qualquer estudante de jornalismo sabe, a publicação de calúnias ou difamações é crime e para isto há penas previstas na nossa legislação. Se os advogados da Editora Abril julgaram que as informações que as revistas possuíam nos dois casos não feriam a lei e recomendaram a publicação, trata-se de um problema que diz respeito à editora e seus conselheiros. Caberia à Justiça analisar – depois da publicação das reportagens, jamais antes – se houve dando moral, calúnia, difamação ou se nada disto ocorreu. A editora poderia ser processada e condenada, mas a liberdade de informação não pode ser vilipendiada.


A conduta da revista e da editora pode e deve ser observada e criticada, mas o público não pode ficar à mercê de um juiz. Juizes não são editores. O caso abre precedente a excrescências: imagine o leitor que os candidatos às prefeituras resolvam recorrer ao magistrado para impedir a veiculação de notícias que ofendam suas honras. Noves fora o público ficar sem informação para fazer a sua escolha em 3 de outubro, é provável que faltasse assunto para as páginas destinada à cobertura eleitoral.