Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

A mídia contra a mídia

Nas últimas semanas, repercutem pela rede mundial de computadores os efeitos da série de artigos que o jornalista Luís Nassif tem publicado, a respeito da revista Veja, em seu blog. Sob o título ‘O caso Veja‘, o jornalista descreve como a revista modificou sua linha editorial ao longo do tempo, especificamente na cobertura que envolve disputas empresariais entre o grupo Opportunity e os fundos de pensão no setor de telefonia.

Os artigos chamam a atenção por ser a primeira vez em que um profissional plenamente reconhecido por sua competência faz acusações diretas a um dos chamados órgãos de imprensa e exatamente uma das publicações tida como das mais respeitadas e influentes do país. Não é novidade, contudo, para quem tem algum interesse por mídia, que Veja há muito tempo é apontada por diversas pessoas – especialistas ou leitores – como tendo perdido a sua característica original de veículo independente e de conteúdo de qualidade. Até hoje, no entanto, a revista nunca havia sofrido uma acusação tão contundente e extensa de manipulação como a que Nassif faz.

Por tabela, os escritos de Nassif acabam por atingir quase a totalidade da mídia convencional brasileira, uma vez que as matérias do semanário, com bastante freqüência, ecoam nos demais veículos de imprensa escrita ou televisionada. Não deve ser coincidência que, apesar da ampla repercussão do caso em blogs e observatórios de mídia na internet, há um silêncio estrondoso de jornais e tevês sobre o caso.

Esses artigos, juntamente com a onda de blogs de jornalistas que resolveram fazer da internet seu campo principal de trabalho, reforça o debate sobre a qualidade da imprensa brasileira e as intenções – ocultas muitas vezes, em outras nem tanto – que circulam nas redações de televisões, jornais e revistas. O mito da imparcialidade e objetividade da imprensa deixou de ser encarado como dogma e passou a ser objeto de discussões entre leigos e acadêmicos. O poder e alcance dessa mídia passou a ser cada vez mais contestado, principalmente com o advento da internet. Esse processo parece culminar agora como o embate Nassif vs. Veja, cujos efeitos ainda perdurarão por muito tempo, inclusive na esfera judicial, certamente.

Parece ser também o primeiro confronto aberto entre uma nova e uma velha mídia, esta encarnada pela imprensa convencional, e aquela representada não necessariamente por novos ou jovens jornalistas, mas por blogueiros, muitas vezes repórteres experientes como Luís Nassif ou Paulo Henrique Amorim, para ficar em dois exemplos. Para além da diferença óbvia do suporte material, há claras distinções entre linhas editoriais e conteúdo entre esses oponentes.

É interessante, por fim, que a série escrita por Nassif abre caminho para uma contestação formal da mídia pela própria mídia – não esqueçamos que ele foi por muito tempo membro do conselho editorial da Folha de S. Paulo. Ou seja, esses artigos demonstram que há uma reflexão interna por parte de alguns jornalistas a respeito do tipo de jornalismo praticado no Brasil. Esperemos pelos próximos capítulos.

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Historiador