Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A notícia órfã

Ali Kamel publicou uma coluna na página de Opinião do Globo (7/8), ‘A grande imprensa’.


Sobre a cobertura do acidente da TAM, Kamel se defende: ‘A grande imprensa se portou como devia. Como não é pitonisa, como não é adivinha, desde o primeiro instante foi, honestamente, testando hipóteses, montando um quebra-cabeça que está longe do fim’.


‘Testando hipóteses’ é outro nome para falta de discernimento. Em qualquer cobertura competente, enquanto o quadro não está claro montam-se cenários de investigação, análise de probabilidade, linhas de investigação. Evitam-se afirmações peremptórias, e apela-se para a criatividade para produzir manchetes de impacto sem recorrer conclusões taxativas.


De cara, se poderiam alinhavar várias possibilidades para o acidente da TAM, que seriam o ponto de partida. Toda a cobertura seguiria esse roteiro, procurando checar a probabilidade de ocorrência de cada possibilidade ou delas combinadas. A partir daí, o Sr. Fato se incumbiria de descartar algumas hipóteses e reforçar outras.


O ‘testando hipóteses’ do Kamel consistia em bancar aposta total na Hipótese A. Dias depois, esquecer a Hipótese A e bancar toda a aposta na Hipótese B. Depois, na Hipótese C, até acertar. Mas não houve acerto. A resposta final – a degravação dos diálogos na cabine – eliminou todas as hipóteses anteriores.


Acusações generalizantes


E aí se entra no modelo de gestão da notícia adotado pelas Organizações Globo. De alguns anos para cá resolveu-se homogeneizar o entendimentos dos jornalistas em relação aos temas de cobertura. Esse papel doutrinário coube a Kamel.


Não sei qual é a experiência de Kamel no front da reportagem. Mas foram dois os resultados. Primeiro, acabou-se com a diversidade de enfoques, marca de jornalismo plural. Segundo, perdeu-se o sentimento da rua, o sentido da reportagem. Os repórteres passaram a subordinar a cobertura aos desígnios do ‘aquário’. Houve um divórcio dos pais – o ‘pai’ ‘aquário’ e a mãe reportagem – e o resultado deixou a notícia órfã.


Nem vale a pena comentar as acusações generalizantes e conspiratórias de Kamel, na seqüência do artigo, contra os críticos da cobertura. Ele não está escrevendo para os leitores. Apenas se justificando para os donos da empresa.

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Jornalista