Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A outra caixa de Pandora

Poucos moradores da capital do país já ouviram falar do jornal O Distrital. Apesar disso, o obscuro quinzenário acaba de assumir papel destacado no escândalo da propina no Distrito Federal, sob investigação na Operação Caixa de Pandora. Seu proprietário, Edson Sombra, denunciou uma tentativa de suborno supostamente ordenada pelo próprio governador José Roberto Arruda.

O aliciamento, porém, não tinha como objetivo garantir apoio editorial ou qualquer outro favor ‘jornalístico’. O dinheiro, aparentemente, destinava-se à obtenção de uma declaração assinada por Sombra desqualificando as gravações feitas por Durval Barbosa que consubstanciam as acusações contra o governador, secretários, deputados, empresários…

O novo episódio, não obstante, diz muito sobre a ‘função social’ dos jornais e revistas que circulam na capital.

Como se sabe, para comprovar a versão de suborno, Sombra apresentou um bilhete escrito pelo governador. No recado, dirigido ao deputado distrital Geraldo Naves, estaria a ordem para se fazer a proposta a Sombra. Confrontada com a evidência, posta sob suspeita e logo admitida autêntica com a mesma velocidade, a tropa de defesa de Arruda saiu-se com a seguinte explicação: o bilhete apenas reassegurava que o governador gostava de Sombra e que a verba publicitária (anúncios) para seu jornal estava garantida.

Publicidade para ‘jornaleco’

Ao mesmo tempo, um dos advogados de Arruda, Nélio Machado, foi à imprensa desqualificar, mais uma vez, a ‘ardilosa campanha’ contra seu cliente. Ao insuspeito Correio Braziliense (edição de sábado, 6/2), por exemplo, declarou:

‘Trata-se de episódio absolutamente delirante, inspirado por verdadeiros comparsas e que, ao que tudo leva a crer, ensejou a prisão de Antônio Bento [que entregou uma sacola com R$ 200 mil a Sombra], que compartilhava da administração e edição de determinado `jornaleco´ quinzenal, ao lado de Edson Sombra.’

Para o causídico, a desqualificação dos envolvidos esclarece muita coisa, mas a defesa de Arruda poderia aproveitar para responder a algumas perguntas igualmente instigantes. Por que o governo do Distrito Federal gasta centenas de milhares de reais por ano publicando anúncios num ‘jornaleco’? Que critérios utilizou para decidir divulgar suas ações nesse ‘jornaleco’? Se um cidadão qualquer, sem ligações políticas, fundar um ‘jornaleco’ na capital federal e procurar o governo local em busca de anúncios, receberá o mesmo tratamento benevolente destinado a O Distrital?

No Distrito Federal, existem inúmeros jornalecos (e ‘revistecas’) em circulação, em geral publicações sofríveis, com erros grosseiros de português, diagramação amadora e impressão fora de registro, para ficar só em aspectos objetivos. Todas, contudo, estampam em suas páginas anúncios do governo local (e do federal também), sempre pagos a ‘preço de tabela’. Entender os interesses que movem esse curioso investimento público parece ser uma caixa de Pandora tão difícil de abrir quanto a do governador Arruda.

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Jornalista, tradutor, servidor público federal; Brasília, DF