Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

A pesquisite, a opinionite e a notícia

O telefone tocou no meio da tarde aqui em casa. Fui atender. O tom de voz da mocinha do outro lado não parecia deixar dúvidas: mais uma oferta de cartão de crédito. O som da toada me pareceu familiar. A impressão se desfez logo em seguida. Ela falava em nome de um tal ‘Síntese’, um instituto ou algo assim. Queria saber se alguém, na residência, completaria 16 anos nos próximos meses. Respondi que não. O próximo aniversariante da casa vai completar 7 anos em abril – eu disse. Ela pareceu desapontada, mas investiu na próxima pergunta: e o próximo da lista? Completa 10 anos em novembro – respondi. Novo desapontamento. Sem alternativa, a moça quis saber meu nome e idade, e se eu me incomodaria se ela fizesse umas perguntas. Disse-lhe que me incomodaria, pois estava abatido por uma gripe infernal. Ela insistiu que seriam algumas perguntas, não demoraria. Topei. Veio a primeira pergunta:

– Sr. Carlos (sic), o que o senhor acha do governo Lula? Bom, regular, ótimo?

Num átimo, até onde pode perscrutar um cérebro em estado gripal, passei em revista os prós e contras do atual governo. Não quis ser otimista, nem pessimista. Cravei um ‘regular’. A minha interlocutora pareceu se animar. Veio a segunda pergunta:

– Sr. Carlos, que fato recente sobre o PT lhe chamou mais a atenção?

Ah, essa foi fácil. Expliquei-lhe que era o caso do ex-assessor de José Dirceu Waldomiro Diniz, envolvendo ato de corrupção. Dava para sentir a avidez da moça pela próxima pergunta.

– Sr. Carlos, o senhor acredita que o ministro José Dirceu sabia das ações de Waldemiro (sic) Diniz?

Respondi um curto e grosso ‘não’. Acho que o braço direito de Lula não seria tão louco a ponto de deixar passar uma bomba de efeito retardado como essa. In dubio pro reu. Mas o que me chamou a atenção na pergunta foi a pronúncia errada do nome do ex-assessor. Ouço o rascar de papel. Ela passava à página seguinte, à próxima pergunta:

– O que o senhor acha desse movimento dos partidos, que pedem a criação de uma CPI para apurar o caso de Waldemiro Diniz?

Acho que eles estão corretos. O caso deve ser apurado até o fim.

– E quanto à posição de Lula, de não querer a CPI?

Acho que ele está errado.

– Sr. Carlos, o senhor acha que o presidente Lula agiu corretamente ao decretar o fechamento dos bingos no país?

Acredito que não. Acho que ele deveria primeiro apurar o que de fato ocorre nesses bingos.

– O senhor acredita que há envolvimento desses bingos com operações ilegais, como tráfico de droga?

Ela me pegou. Respondo com um desleixado ‘não sei’. O affair Waldomiro respingou na jogatina, que, conforme mostra a matéria de Carta Capital (279) assinada por Wálter Maierovitch, sempre esteve de mãos dadas com o crime organizado no Brasil. Mas isso pode ser generalizado para todos os bingos do país? Ouço a moça passar mais uma página. Reclamo: – Você havia dito que seriam poucas perguntas… Ela se desculpa, deve ter indagado mais alguma coisa (eu não me lembro direito), dá a pesquisa por encerrada, agradece e desliga.

Eu repasso rapidamente o ocorrido. Em questão de minutos, por causa de uma inesperada ligação, haviam trocado o meu nome e poderiam usar minhas respostas como matéria-prima para uma pesquisa cuja utilidade eu não podia identificar. Alimentariam os índices a favor do governo? Forneceriam munição aos adversários desse governo? Fiquei estarrecido ao imaginar que os resultados dessa pesquisa dali a dias poderiam estar servindo, isto sim, de manancial para análises de ‘abalizados’ articulistas da mídia. Ou servir de fonte a partir da qual a mídia plantaria suas notícias, com o impacto de pequenos abalos sísmicos sobre a cotação das bolsas de valores, do dólar etc.

E tudo isso graças a uma pesquisa precária realizada por uma entrevistadora que troca nomes, escamoteia o objetivo inicial da enquete e certamente não tem noção do que está sendo perguntado, muito menos do que foi respondido.

Tudo isso pode soar, talvez, como pequena fábula do quão precária pode ser a gênese da notícia e dos esperados apanágios (objetividade, verossimilhança, precisão etc.) que lhe dão sustentação.

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Estudante de Jornalismo e editor do Balaio de Notícias (www.sergipe.com/balaiodenoticias)