Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A primeira guerra midiática

‘Sempre que ouço Wagner tenho vontade de invadir a Polônia’, diz o personagem interpretado por Woody Allen em Manhattan murder mystery ao sair no meio de um concerto no Lincoln Center. Frase antológica, terrivelmente preconceituosa: admiradores da música de Richard Wagner podem ser humanistas e até pacifistas. Caso do regente Daniel Barenboim, que ousou executar Wagner em Israel e se distingue como campeão da aproximação com os palestinos.


Há 70 anos, em 1º de setembro, a Polônia era invadida pela poderosa Wehrmacht e aniquilada pelos Stukas da Luftwaffe. Em represália, no dia 3, França e Inglaterra, declaravam guerra à Alemanha. Começava a Segunda Guerra Mundial, o evento mais importante dos últimos 500 anos. Primeira guerra total, primeira guerra midiática. O mais horripilante painel sobre o ódio jamais produzido pela humanidade.


A mídia registrou a efeméride – sem ênfase e empolgação. Burocraticamente. Nas redações juvenilizadas, passado é passado, página virada. Poucos se dão conta que passado é palpitante, passado é o presente ampliado por perspectivas.


Jornal de hoje


A Segunda Guerra Mundial não acabou, à capitulação alemã seguiu-se o bloqueio de Berlim, o golpe na Tchecoslováquia, o confronto na Grécia, a guerra na Coréia, na Indochina, na África, no Oriente Médio. É a mesma guerra ideológica com outros formatos, beligerantes e motivações. É a mesma capacidade de simplificar idéias através do ódio.


Na realidade a Segunda Guerra Mundial começou em 30 de janeiro de 1933 (era Carnaval no Brasil) quando Adolf Hitler, o líder do Partido Nacional Socialista, tomou o poder na Alemanha sem disparar um tiro. Ganhara as eleições porque os comunistas e socialistas estavam mais preocupados em se estraçalhar do que ocupar-se com aquele que logo em seguida os estraçalharia separadamente.


Quem era esse Adolf Hitler que os satiristas chamavam de Hans Wurst, ‘Zé Salsicha’? Pintor frustrado que no fim da Primeira Grande Guerra, sem um tostão no bolso, aceitou fazer um curso no exército alemão para a formação de agentes antibolcheviques. Seu primeiro trabalho político foi junto ao Partido dos Trabalhadores, de direita, para fomentar sua desvinculação do marxismo. O bolchevismo é uma invenção dos judeus para tomar conta do mundo, explica Hitler em seu Mein Kampf.


Não soa familiar?


Onze anos antes, um jornalista italiano, socialista, chamado Benito Mussolini comandou uma legião de militantes fascistas para ocupar Roma e iniciar a construção do Estado Corporativista e nacionalista.


Não parece recorte do jornal de hoje?


Natureza formadora


A Segunda Guerra Mundial foi importantíssima para o Brasil: pela primeira vez em nossa história cruzamos o oceano para lutar pela liberdade dos outros Brasileiros perderam a vida pela causa democrática mas o país vivia a ditadura do Estado Novo, nossa primeira experiência em ‘ditabrandas’.


A Segunda Guerra Mundial acabou na Europa em 8 de maio de 1945, na Ásia em 15 de agosto. Em 29 de outubro, caía Getúlio Vargas e acabava o Estado Novo brasileiro. O Estado Novo português sobreviveu por mais quatro décadas.


Nossos leitores, ouvintes e telespectadores mereciam saber um pouco mais sobre esta conflagração que virou o mundo – para melhor entender o Brasil de hoje, o mundo de hoje, a renovação alemã e as farsas italianas. Para entender Vladimir Putin indispensável conhecer o caráter de Joseph Stalin, que invadiu a Polônia 15 dias depois de começada a guerra. Para entender a revolução educacional anunciada por Hugo Chávez conviria dar uma olhada no projeto de Mussolini para ser aplicado nas escolas.


Fazer jornalismo de olho apenas na atualidade, sem referências e relações é retirar dele sua natureza formadora. Para ser devidamente compreendida, a blague de Woody Allen deve ser acompanhada por outra proferida por Hermann Göring, braço direito de Hitler: ‘Quando ouço a palavra cultura, tenho vontade de sacar a minha pistola’.


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Em tempo [incluído às 14h10 de 1/9] – Se a mídia tivesse se preparado para rememorar os 70 anos do início da Segunda Guerra Mundial, o cidadão brasileiro não seria surpreendido com os incidentes provocados pelo caudilho russo Vladimir Putin a propósito das solenidades na Polônia. Putin defendeu o pacto Hitler-Stalin alegando que um ano antes, em Munique, os aliados (França e Inglaterra) haviam capitulado à sanha do expansionismo nazista.


O pacto de Munique foi uma vergonha, a cidade onde foi assinado o protocolo converteu-se em sinônimo de covardia frente ao totalitarismo. Mas Putin engana-se e quer enganar o mundo ao afirmar que o pacto nazi-bolchevique de agosto de 1939 foi conseqüência da capitulação dos aliados. Mentira: Stalin nada fez para animar os aliados a resistir às exigências alemãs. Ao contrário: adotou a tática do jogo duplo mantendo com os nazistas relações bastante cordiais (que incluíram a concessão da cidadania soviética aos agentes búlgaros responsáveis pelo incêndio do Reichstag – que assim escaparam ilesos, chegando a Moscou de avião diretamente de Berlim).


Na sua primeira manifestação sobre os 70 anos do início da Segunda Guerra Mundial Putin omitiu a covarde agressão perpetrada contra a Polônia, invadida pelo lado oeste quando os nazistas chegavam às portas de Varsóvia.


O passado faz-se presente sempre que o presente é apresentado sem remissões ao passado.