Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A propósito da ‘paulada na imprensa’

Lendo a coluna de Eliane Cantanhêde do dia 21 de setembro de 2010, no jornal Folha de S.Paulo, sob o título ‘Paulada na imprensa‘, referente à declaração do presidente Lula – ‘Nós não precisamos de formadores de opinião. Nós somos a opinião pública’ –, eu fiz uma leitura diferente da dela, porém antes deste assunto principal gostaria de expor minha opinião sobre quando ela escreve ‘Tudo porque foi a imprensa livre que expôs aos brasileiros um centro de corrupção justamente na Casa Civil’.

1. Quando a autora se refere a ‘imprensa livre’, na verdade está se referindo ao jornal ‘privado’ Folha de S.Paulo, presidido por Luiz Frias e que tem como diretor editorial Otavio Frias Filho, ou ainda a revista Veja, da Editora Abril, estou certo?

2. A primeira observação que fiz acima tem que estar bem clara, pois estando um jornalista, como qualquer outro funcionário de uma empresa ou indústria privada, recebendo (sendo financiado) para escrever (informar) a respeito de um fato, não podemos em nenhum lugar do mundo considerar, por mais prazerosa que seja a atividade, que o tal jornalista está escrevendo de forma totalmente livre. Visto que, assim como em qualquer empresa do mundo, existem regras, normas, metas e padrões que devemos seguir. Neste caso, apesar de poético, não podemos utilizar a palavra ‘livre’ para caracterizar o tal jornalismo.

Risos e descrédito

3. Agora, sejamos honestos e autocríticos. Estou acompanhando a Folha desde o mês de agosto e é muito clara a forma (ou padrão/regra) sistêmica, principalmente nas manchetes (algumas até forçadas, como reportou a ombudsman semanas atrás) em prol de ‘formar’ uma imagem negativa da candidata do Lula.

4. Acompanho desde aquela época (agosto) a opinião dos colunistas Carlos Heitor Cony e Fernando Barros e Silva, entre outros, comentando as pesquisas, dizendo que precisaria aparecer urgentemente um ‘fato novo’, senão a candidata do Lula iria ganhar no primeiro turno disparada. Passa-se uma semana, aparece (melhor, reaparece) o primeiro caso: vazamento da Receita, assunto antigo que foi esquentado para tentar ser o tal ‘fato novo’. Como não surtiu efeito no eleitorado, li – não me recordo com quem – que precisaríamos de mais um ‘fato novo’, desta vez ‘mais forte’. E uma semana depois surge o filho da ministra da Casa Civil. E o mais estranho é que o primeiro caso (Receita) caiu quase no esquecimento total (como se nunca existisse), ainda mais quando se descobriu que havia mais de 3 mil declarações ‘vazadas’ e estas eram vendidas a qualquer um.

5. Penso que estas notícias, mal aprofundadas, coordenadas, esquentadas, estilo dossiê, que vão se soltando aos poucos e ‘monocríticas’ a um candidato, levam o leitor, e com razão, a pensar sobre a parcialidade do jornal Folha de SP, fazendo com que o termo utilizado pela autora – ‘imprensa livre’ – gere alguns risos e descrédito.

Tom de mágoa e revolta

Voltando à frase do presidente – ‘Nós não precisamos de formadores de opinião. Nós somos a opinião pública’ –, concordo com ela e, se bem analisada, é uma frase que nos lança a um pensamento de vanguarda. Fiz a seguinte leitura: vamos imaginar (e não é para ir longe) uma sociedade (Brasil) em que todos tenham acesso à informação (de esquerda ou direita, de cima ou de baixo) e que todos consigam entender e analisar esta informação (não precisa ser o método de Descartes, apenas educar a criança e o jovem desde cedo). Pergunto: esta sociedade precisaria de alguém para formar a nossa própria opinião? Para mim, não.

A outra parte – ‘Nós somos a opinião pública’ –, a leitura que fiz é sobre o povo, ou seja, nós realmente somos a opinião popular. Assim, o conjunto da opinião individual do jornalista, pedreiro, engenheiro, médico, advogado, telefonista, atendente, senador, assessor, frentista, padeiro, técnico, governo, entre outros, forma a opinião pública como um todo. Portanto o tal ‘formador de opinião’, por mais puro que seja, possui, em muitos casos, vínculos que o excluem das características de um formador puro e livre e mesmo o sendo, como formula Stuart Mill em seu ensaio sobre a liberdade, não seria o detentor da verdade, portanto não seria de fato necessário.

Finalizando pela conclusão da autora – ‘a verdade dói’ –, ela dói para todo mundo. A crítica, até a mais construtiva, no fundo, no fundo, deixa para muitos um sentimento de frustração e, pelo tom do texto, percebi uma mágoa e revolta que me fez ficar preocupado: a imprensa de hoje, principalmente as mais tradicionais, está preparada para receber críticas?

Em tempo

Nos últimos dias, esquentou a discussão governo vs. imprensa. Temos, de um lado, um governo que está envolvido com atos de corrupção e ao mesmo tempo com alto índice de aprovação; e de outro, uma imprensa que ocupa a lacuna deixada pela fraca oposição partidária. Acho salutar o debate sobre o assunto, porém o vejo com incômodo, pois a discussão se dá na porta de uma eleição e com muitos excessos de ambas as partes. Criou-se, então, o ‘golpismo da imprensa’ por parte dos que defendem o governo e, do outro lado, a ‘censura à imprensa e à liberdade de expressão’.

Sumariamente, ambos não aceitam ser criticados. Isto é um triste fim para Policarpo Quaresma…

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Tecnólogo em Tecnologia da Informática, Lorena, SP