Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A cobertura não venceu a escuridão

Raras vezes na imprensa brasileira a informação econômica foi tão obscura quanto na semana de anúncio dos projetos do pré-sal. Só não ficou perplexo quem não tem noção de finanças e de negócios. O governo produziu o máximo de retórica e o mínimo de esclarecimento. Jornalistas fizeram algum esforço para tornar o assunto menos confuso, mas com pouco sucesso.

Primeiro ponto: a capitalização da Petrobras deve começar, segundo o governo, pela cessão onerosa de 5 bilhões de barris de petróleo das novas áreas. Mas cessão onerosa não é capitalização. Poderá ser um adiantamento e resultará uma dívida para a estatal. Capital de risco será entregue mais tarde, provavelmente na forma de títulos públicos. Mas o valor desse aporte vai depender do preço estimado para os 5 bilhões de barris. Qual o critério para essa avaliação? Ninguém explicou direito e foram dados exemplos – muito estranhos – de valores entre US$ 2 e US$ 10 por barril. Que indicam esses números: custo de produção no pré-sal, parte do investimento necessário?

Nenhuma fonte da Petrobras ou do Executivo esclareceu essa e outras questões essenciais e a imprensa, aparentemente, não pressionou os entrevistados para tornar a história um pouco mais inteligível. Inteligibilidade, nesse caso, incluiria a resposta a algumas questões óbvias. Por exemplo: qual o custo estimado de exploração das novas áreas, incluídas prospeção, perfuração e início de operação do sistema?

Uma rara matéria sobre o tema foi publicada pelo Valor na quarta-feira (2/9). ‘Apenas para desenvolver uma produção de 1,8 milhão de barris/dia no pré-sal pelo modelo anterior seriam necessários US$ 110 bilhões até 2020’, segundo o jornal. Mas, de acordo com o diretor-financeiro da Petrobras Almir Barbassa, a companhia não fez projeções sobre custos nem sobre o número de empregados necessários, informou a mesma reportagem. ‘Tudo isso depende da aprovação do projeto de capitalização da empresa’, continua a matéria, restabelecendo o mistério.

‘Esses 5 bilhões de barris serão traduzidos em áreas concretas, com investimentos concretos, com condições de produção concretas’, disse o presidente da Petrobras José Sérgio Gabrielli, citado em matéria do Estado de S.Paulo publicada também na quarta-feira (2). ‘Só a partir daí será possível dizer o valor. Qualquer número antes dessa avaliação é infundado’, acrescentou Gabrielli.

Por que 5 bilhões?

E daí?, devem ter perguntado o leitores um pouquinho mais atentos. Por que 5 bilhões de barris e não qualquer outro número? Mais que isso: alguém na Petrobras tem alguma ideia de quanto será preciso investir e, portanto, de qual será o capital necessário para se iniciar a exploração do pré-sal? Se a resposta fosse negativa, daria uma grande manchete para todos os jornais.

As entrevistas publicadas nos dias seguintes, até domingo (6/9), não contribuíram muito mais para esclarecer esses pontos básicos, nem para ajudar o leitor a avaliar se o novo esquema – de partilha, e não mais de concessão – é o mais adequado para a mobilização de recursos. Segundo especialistas entrevistados por vários jornais, não há justificativa técnica para a mudança de regime. Nenhuma fonte governamental ofereceu uma boa resposta e nenhum jornalista, aparentemente, pressionou qualquer dos entrevistados para esclarecer o assunto.

Em resumo: na maior parte do tempo, a imprensa foi atropelada pelas informações – e pela desinformação – geradas por fontes do Executivo e da Petrobras, sem conseguir trabalhar com base numa pauta própria e num esforço orientado para desfazer a confusão. Algumas entrevistas com técnicos independentes tiveram pelo menos uma utilidade: tornaram mais ostensiva a pobreza das explicações oferecidas pelas fontes oficiais.

O leitor só poderia ficar minimamente satisfeito com respostas às seguintes perguntas:

1. Quanto será preciso investir para se iniciar a exploração para valer do petróleo e do gás do pré-sal?

2. Qual o tempo estimado para esse investimento?

3. De onde se espera obter o capital necessário: qual a participação possível do Tesouro Nacional, quanto a Petrobras planeja captar no mercado e qual o aporte previsível dos acionistas minoritários e das demais empresas interessadas na exploração?

4. Qual a base de cálculo para a decisão do governo de ceder à Petrobras, de forma onerosa, 5 bilhões de barris?

5. Quais foram, enfim, os critérios técnicos para a elaboração dos planos apresentados até agora?

A partir de questões desse tipo, a imprensa poderia, pelo menor, ter enumerado, de forma organizada, os principais buracos na informação – e talvez no planejamento – dos formuladores da política energética.

Rumo a Pittsburgh

Dois encontros ministeriais, um em Londres, outro em Nova Délhi, foram realizados como preparação da cúpula do G-20, o grupo das maiores economias desenvolvidas e em desenvolvimento. A conferência de chefes de governo está marcada para os dias 24 e 25 de setembro em Pittsburgh. Quase toda a atenção se concentrou em Londres, onde ministros de Finanças e presidentes de bancos centrais fizeram um balanço das ações anticrise e discutiram os próximos passos. Na Índia, negociadores comerciais discutiram condições para destravar a Rodada Doha de liberalização comercial.

Não houve grande novidade na reunião de Londres. Os ministros avaliaram o cenário econômico e as informações positivas das últimas semanas. Cautelosamente, decidiram manter as medidas de antirrecessivas até surgirem sinais de uma recuperação mais firme. Essa conclusão, previsível, será sacramentada na conferência de Pittsburgh.

Em Londres houve muita conversa e quase nenhuma negociação, Em Nova Délhi a história foi diferente e o resultado foi bem mais positivo do que se previa. O principal negociador americano, Ron Kirk, mudou o discurso e aceitou, explicitamente, retomar a Rodada a partir do ponto onde foi suspensa, sem reabrir questões já resolvidas. Ao entrar no debate, há alguns meses, o representante do governo Obama havia mostrado outras intenções: endurecer a negociação com os emergentes, dar ênfase a conversações bilaterais e talvez desprezar os acordos parciais já alcançados. Seria jogar fora sete anos de complicado trabalho diplomático.

O entendimento em Nova Délhi não assegura o sucesso da Rodada, nem garante, em caso de sucesso, uma conclusão até o fim de 2010 – meta fixada informalmente pelos ministros. Mas desta vez os chefes de governo do G-20 poderão dizer algo mais significativo, quando prometerem mais uma vez, em seu comunicado conjunto, reativar a Rodada Doha.

Os jornais noticiaram escassamente a reunião realizada na Índia e desprezaram, no fim de semana, as informações sobre o resultado positivo. Deixaram de lado, portanto, a informação menos óbvia sobre a preparação da cúpula de Pittsburgh.

Meia coluna

Palmas para a Folha de S.Paulo. Noticiou na metade inferior de uma coluna, na página 3 do caderno ‘Dinheiro’, o blablablá habitual de empresários e sindicalistas a respeito da decisão do Copom, o Comitê de Política Monetária, sobre a taxa básica de juros. Cumpriu o ritual de noticiar a reação daqueles cavalheiros sem desperdiçar espaço e sem abusar do tempo e da paciência do leitor.

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Jornalista