Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Acordo de ‘cavalheiros’ favorece a pilantragem

Quando Mauro Malin, editor do Observatório da Imprensa no rádio, cobrou da ANJ (Associação Nacional de Jornais) uma defesa do jornalista Lourival Sant’Anna, ouviu esta pérola de cinismo: os jornais de Tanure já não fazem parte da entidade, portanto ela desobriga-se de pronunciar-se sobre os seus comportamentos.


Mas a Fenaj (Federação Nacional de Jornalistas) também não fazia parte da ANJ e, no entanto, esta entidade empresarial não poupou a entidade profissional na delirante aventura do Conselho Nacional de Jornalismo.


A ANJ não representa apenas os leitores dos jornais associados, representa os interesses dos cidadãos que desejam uma imprensa livre e sem vícios. Doce ilusão: uma das cláusulas pétreas nas negociações para a fundação da ANJ (1979-1980) foi o compromisso de não brigar em público. Estava decretado o pacto de silêncio: adeus controvérsias, adeus polêmicas, adeus diversidade e pluralidade. Sócios dos country clubs só brigam através de bolas pretas e brancas, ninguém fica sabendo.


Graças ao pacto, passou em brancas nuvens o assalto de Ary de Carvalho a O Dia. Graças ao pacto, ficou sem conseqüências o manifesto público assinado pelos parceiros GloboFolha para liquidar a Gazeta Mercantil e em seu lugar criar o Valor. Graças ao pacto, ficam trancafiadas as grandes discussões capazes de oxigenar o panorama jornalístico brasileiro.


Trecho esquecido


Mas por que razão o Estado de S.Paulo e Veja reagiram no sábado (21/1) às manipulações da IstoÉ na última pesquisa eleitoral do Ibope? Simplesmente porque descarregaram a culpa no patrocinador da pesquisa, o ex-governador Anthony Garotinho. O Jornal Nacional divulgou candidamente a sondagem na quinta-feira (19), mas só veio a denunciar a supressão das perguntas relativas ao segundo turno no sábado, duas edições depois. E apontou Garotinho como culpado. O cúmplice – o veículo que serviu à manipulação – foi razoavelmente poupado.


E aqui chegamos ao ponto crucial da questão: a primeira instância da crítica da imprensa deve ser a própria imprensa. Quando ela cumpre integralmente o seu compromisso de fiscalizar tudo o que acontece (inclusive no seu âmbito) não sobra espaço para pilantragens. Submetida a esta estranhíssima solidariedade corporativa, a imprensa brasileira abre mão do princípio básico da livre-iniciativa – a concorrência. De bico calado para as suas próprias mazelas, abandona a esfera de instituição republicana e assume-se apenas como lobby, grupo de interesses. Lavra desta maneira seu atestado de inidoneidade.


Exemplo maior deste pacto de silêncio e dos seus maléficos efeitos sociais é o descaso de toda a imprensa com o perigoso relacionamento da Opus Dei com os meios de comunicação ibero-americanos. Este Observatório vem chamando a atenção para os aspectos brasileiros do problema há quase uma década até que a revista Época resolveu explorar o assunto.


Mas nos últimos 10 dias tudo o que se escreveu sobre a força do opus-deismo no Brasil relaciona-se com a disputa eleitoral. Ficou esquecida a parte da matéria de Época que flagrou a ligação Opus Dei & Associados com a mídia. Falar nela é tabu – incomodará alguns grandes veículos. Incomodará sobretudo a própria ANJ.


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Em tempo


Cinco dias depois da divulgação da pesquisa Ibope/IstoÉ a mídia começa a procurar os culpados pela manipulação. Na terça-feira (24/1), a Folha de S.Paulo (pág. A 8) saiu em defesa do semanário (‘Revista nega ter beneficiado Garotinho’), enquanto o Estado de S.Paulo foi na direção contrária num pequeno box – ‘IstoÉ: 2º turno não tem interesse jornalístico’ (pág. A 4).


A esta altura a grande imprensa já deveria estar em condições de exigir uma sindicância da Justiça Eleitoral. Se neste início da temporada eleitoral afrouxarem os controles sobre a divulgação de pesquisas, mais tarde será impossível.