Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Apenas notícias discretas

Há casos que, definitivamente, não comovem a mídia. Um bom exemplo é a história da ex-jogadora de vôlei Hilma Caldeira, que recebeu ordem judicial para entregar seu filho, de 4 anos, ao pai norte-americano. A notícia está nos jornais do último fim de semana. O Estado de S.Paulo foi discreto em sua edição de sábado (24/4) e não tocou no assunto no domingo. Já a Folha de S.Paulo explorou mais o assunto:

‘Em mais um caso de disputa internacional pela guarda de uma criança, a Justiça Federal em Minas Gerais determinou que o filho da ex-jogadora de vôlei Hilma Caldeira, 38, medalhista olímpica em 1996, seja levado para os EUA, onde nasceu. A Justiça americana determinará de quem é guarda da criança, hoje com quatro anos. A decisão, publicada no dia 20, dá dez dias para que a criança seja entregue às autoridades brasileiras. Ainda se trata de uma sentença de primeira instância e a defesa da ex-jogadora afirma que já recorreu para tentar suspender a decisão. A Advocacia-Geral da União, que defende a volta da criança para os EUA, espera a ‘localização da sra. Hilma para cumprimento do mandado de busca e apreensão referente à criança’. (Folha, 24/4/2010)

Hilma foi casada entre 2004 e 2006 com o americano Kelvin Birotte, com quem teve o garoto. Os dois se conheceram quando ele era chef na cozinha de um hotel em Las Vegas. Em 2006, mãe e filho viajaram ao Brasil para passar três meses, segundo afirmou à Folha o pai da criança, que acompanha o desenrolar do caso no Rio. ‘Ela me ligou e disse que não voltaria’, afirma Birotte.

Vilã e ex-campeã olímpica

Além desta notícia, a Folha entrevistou o pai da criança no sábado (24/4), quando ele disse que não sabia como a disputa começou, mas tem esperança de vencer a causa: ‘Ela desrespeitou a lei nos Estados Unidos, desrespeitou a lei internacional. E agora está desrespeitando a lei no Brasil. Ela deveria devolvê-lo a mim.’

A imprensa brasileira, como não poderia deixar de fazer, lembra caso semelhante ocorrido no Natal, quando o menino Sean Goldman foi devolvido ao pai, depois de uma forte campanha internacional promovida pela rede de TV norte-americana ABC. O caso do menino Sean, que continua sendo noticiado pela imprensa, vai virar filme. E a fundação ‘Bring Sean Home’ já entrou no caso de Hilma, noticiando a decisão da justiça mineira e colocando no ar comentários de leitores – todos contra ela, é claro.

A imprensa não pode, nem deve, tomar partido. Mas a mídia americana não parece levar isso a sério. Se o assunto comover espectadores, der audiência e contiver os elementos necessários a um bom drama, pagam – como aconteceu no caso Goldman – pelos direitos exclusivos da matéria.

Felizmente ainda não chegamos a isso, mas, se considerarmos a audiência de reality shows como o Big Brother, não vai demorar muito para as emissoras brasileiras entrarem também nesse filão. Enquanto isso não acontece, a brasileira Hilma Caldeira vai continuar sendo a vilã na mídia americana – e no Brasil apenas a ex-campeã olímpica.

Imprensa devia mostrar lei

É importante que a mídia mantenha a isenção. Mas isenção não quer dizer desinformação. Os leitores certamente querem saber um pouco mais sobre os envolvidos nesta nova disputa internacional. Do pai, já se sabe que é chef de cozinha em um hotel nos Estados Unidos; mas da mãe, por enquanto, só consultando sites especializados, que contam toda a história esportiva da Hilma. Neste momento, porém, interessa mais o presente dela do que o seu passado.

O fato de a personagem central da história estar recolhida e não querer aparecer na imprensa não impediria bons repórteres de contar aos leitores como ela vive hoje (dizer que o menino anda de bicicleta, frequenta escola e convive com vizinhos é muito pouco), que recursos tem para criar o filho etc., etc. Ou será que a mídia só se comove com os casos que envolvem famílias tradicionais, como aconteceu com o menino Sean, disputado pelo pai americano e a família Lins e Silva?

Embora faça paralelo entre os dois casos, a mídia está esquecendo um detalhe que pode fazer toda a diferença, inclusive nas cortes americanas: a mãe de Sean tinha morrido e o menino estava sendo disputado entre o pai e o padrasto. O filho de Hilma está vivendo com mãe. Trata-se, portanto, de um caso bem diferente. E a diferença deveria ser mostrada pela imprensa. Mostrar, inclusive, o que diz a lei brasileira, a lei norte-americana e o Tratado de Haia sobre casos desse tipo.

Ou uma mulher brasileira, ex-campeã olímpica, mãe de um único filho, não tem o que é necessário para comover a mídia?

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Jornalista