Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

As coisas e os nomes das coisas

Há alguma razão plausível para um jornal deixar de dar uma informação? Nos dias 26 e 27 de agosto, o jornal A Gazeta, de Vitória, ES, omitiu o nome de um candidato a deputado federal no seu noticiário político. A questão pode parecer desimportante, mas não é. Parece que é o reflexo de uma cultura profissional decorrente desta prevalência do marketing sobre o jornalismo, uma cultura que faz relembrar as antigas listas negras, mas que remete à preocupação em ser equânime, onde o jornalismo e seus critérios parecem ficar a um segundo plano.

Aos fatos: no dia 26, a matéria intitulada ‘Dirceu: `Não posso, não devo e não quero ocupar ministério´‘, informando sobre a vinda do ex-ministro cassado e réu do mensalão José Dirceu, omitia o nome do organizador do evento onde o ministro falou: o candidato a deputado federal Guilherme Lacerda, ex-presidente da Funcef (Fundo de Pensão dos funcionários da Caixa Econômica Federal). No texto da matéria, a referência de que a fala do ex-ministro foi em ‘uma plenária que reuniu cerca de 200 pessoas em um clube em Jardim da Penha, Vitória’. Nesta frase, um outro indício do mesmo problema: por que omitir o nome do clube? O domínio do marketing chega a este ponto?

No dia seguinte, na principal coluna política do jornal, ‘Praça 8’, a omissão se repete. Comentando o fato, o texto informa que José Dirceu veio a Vitória ‘para impulsionar uma campanha a deputado federal’. Mas que diabos, por que não dizer o nome de Guilherme Lacerda, o candidato cuja campanha o suposto chefe do mensalão impulsionaria? Não há indícios de que seja alguma recomendação da casa. Tivesse sido, Leonel Ximenes, que assina a coluna ‘Vitor Hugo’, não teria dado o nome sem problemas, como o fez, referindo-se a este e outros eventos. Inclusive, alertando-me em nota no twitter.

Jornalismo e marketing

A coisa vem de longe. Os jornais ainda não aprenderam a dar o nome de outros jornais, revistas, noticiários de TV etc. As notícias afirmam ‘segundo um diário paulista’, ‘conforme noticiou uma revista de circulação nacional’, ‘como informou um telejornal’. Foi a Folha ou o Estadão? Algum problema em dar o nome? Foi a Veja, Época ou IstoÉ? Ou teria sido a CartaCapital? Deu no Jornal Nacional ou no Jornal da Band? Mas não é regra fixa. Há momentos em que o nome aparece, outros não.

O vício foi se disseminando e chegou às empresas comerciais, que não podem ser citadas também. Um argumento sem sentido e inaceitável de que a citação seria uma propaganda gratuita faz com que nomes de empresas – às vezes – desapareçam. E o exemplo está na matéria já referida. Alguma razão para não dizer o nome do clube? Essa verdadeira praga acontece nas matérias policiais, deixando de dar o nome da loja assaltada, nas de educação, deixando de citar nomes de escolas e assim por diante em todas as editorias.

Se antes era para acender o sinal amarelo, agora que aparece no noticiário político é sinal vermelho. Chegamos a uma situação de fato muito grave. Ou se reverte, ou o jornalismo se entrega de vez ao marketing. A coisa é grave porque parece que o hábito está se incorporando na cultura profissional, como se ao jornalista não coubesse dar a informação completa e correta.

Dar nomes aos bois

Enquanto os jornais ficam na superfície e buscam ser equânimes, a sociedade permanece desinformada. Na política, a eleição praticamente certa de Renato Casagrande (PSB) vai levar ao Senado sua suplente, Ana Rita Esgário. Nenhum jornal ainda apresentou um perfil desta virtual senadora.

Ainda com relação ao Senado, é praticamente certo que o Espírito Santo reeleja o senador Magno Malta. O senador tem uma banda gospel, usa camisetas pretas com ditos contra a pedofilia. Evangélico, fortes traços homofóbicos e presidente da CPI da pedofilia, seu mandato é no mínimo polêmico. Por que não fazer uma boa reportagem mostrando como trabalha o senador? Aliás, seu suplente (no atual mandato) é uma pessoa conhecida como Xyco Pneus, pessoa muito próxima do principal acusado pela morte do juiz Alexandre Martins de Castro Filho. No livro Espírito Santo, de autoria de Luiz Eduardo Soares, Rodney Miranda e Carlos Eduardo Lemos, é o personagem Ciro da Padaria. Quem vai fazer esta pauta?

Novato na política, Guilherme Lacerda lança sua candidatura informando ter o apoio de Lula e Dilma e ostentando o apoio de José Dirceu. O cidadão conhece Guilherme Lacerda? O candidato comandou um fundo de pensão poderoso, mas até agora ninguém se lembrou de mostrar o que Guilherme Lacerda fez na presidência do Funcef, qual sua história política etc.

Essas são algumas entre tantas outras pautas que o jornalismo poderia cobrir melhor. Há muita pauta e muito assunto. Há muitos nomes a serem lembrados. É preciso dar nomes aos bois, achar as boas pautas e deixar pra lá esse fingimento de equanimidade. Se as coisas não podem aparecer nos jornais, os jornais vão mostrar o quê?

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Jornalista e professor da Universidade Federal do Espírito Santo