Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

As novas experiências jornalísticas no Brasil

O cabelo afrodescendente caía liso sobre o rosto negro com olhos de jabuticaba. Izadora Nogueira, à época com mais ou menos 15 anos, via na TV que o progresso chegaria à Amazônia e acreditava que o sonho de populações ribeirinhas e interioranas era galgar uma vida no espaço urbano. Ela mudou de opinião quando, em 2013, já estudante de Direito na Universidade Federal do Tocantins, realizou um estágio interdisciplinar de vivência junto a comunidades rurais pela Universidade Estadual do Sudoeste Baiano.

Hoje, com 24 anos, os cabelos assumidamente crespos emoldurando o rosto redondo, ela acredita que as comunidades tradicionais podem manter sua cultura e incorporar outras. “O ser humano é plural”, diz. Pouco plural, no entanto, é a mídia brasileira. Não fosse uma imprensa de forte concentração no eixo Rio-São Paulo, talvez Izadora não precisasse ir a campo para ter uma opinião diferente.

É de saber comum que são poucas as redes de TV com larga audiência brasileira. Lidera a rede Globo, comandada pela família marinho. Edir Macedo, bispo da Igreja Universal do Reino de Deus, é o maior acionista da Rede Record, que alcança o segundo lugar. O SBT, sob posse de Silvio Santos, fica em terceiro. A programação dessas emissoras são retransmitidas a partir de filiais em todo o país.

Jornalismo local debate comitario Flickr by Fora do Eixo

Coletivos de jornalistas autônomos / Foto Fora do Eixo

O Folha de S.Paulo, jornal de maior circulação brasileira, é controlado pela família Frias; já a família Mesquita é dona de O Estado de S. Paulo, segundo maior jornal. No Rio de Janeiro, O Globo lidera. Em outros estados, é comum que famílias comandem veículos midiáticos. A exemplo da família Sarney, no Maranhão, Magalhães, na Bahia, Barbalho, no Pará; Collor de Mello, em Alagoas e os Sirotsky, no Rio Grande do Sul e também em Santa Catarina. Em Goiás, João Alves de Queiroz Filho é o magnata das comunicações.

O midiativismo

Em reportagem deste ano para a Agência Pública, a repórter Elvira Lobato revelou um engodo entre estado, igrejas e empresas no processo de concessões de retransmissoras de TV na região amazônica. Lá, há uma legislação específica que permite que as retransmissoras incluam uma programação local, o que não é permitido no resto do país. Graças a isso, a reportagem revela que a cada seis retransmissoras no país, uma está na Amazônia Legal. Do montante, 1/5 está sob posse de políticos ou parentes direitos. A repórter, homenageada pelo 11º Congresso da Abraji, contou durante a cerimônia de abertura do evento que estava de viagem pela região, sem pretensões jornalísticas, quando notou a curiosa peculiaridade da mídia amazonense e decidiu seguir o rastro que culminou numa primorosa apuração merecedora de menção honrosa na 38º edição do Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos.

No campo da rádio comunitária, é comum concessões serem negadas a iniciativas populares por conta, também, da burocratização do trâmite. O artigo 54 da Constituição Federal impede que deputados e senadores tenham concessionárias de serviço público. Porém, conforme aponta o coletivo Intervozes, 40 deputados federais e senadores detêm algum veículo de rádio ou TV em sua terra natal. Algumas organizações atuam no sentido de pelo menos pautar a discussão sobre a democratização midiática no campo social e político, tais como o Fórum Nacional Pela Democratização da Comunicação (FNDC), o Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, a Andi – Comunicação e Direitos, a ONG Repórteres Sem Fronteiras e a Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social (Enecos).

Segue solapado no Congresso o Projeto de lei de Iniciativa Popular da Comunicação Social Eletrônica, conhecida como a lei da mídia democrática. O PL surgiu ao reunir assinaturas por intermédio do FNDC. Trata-se de um tema com opiniões polarizadas que nunca foi debatido pelo governo federal. Uns temem repressão, outros alegam o contrário ao alegar que a lei deve ser pensada de forma a coibir os conglomerados midiáticos.

A ex-presidenta Dilma Rousseff (PT), durante campanha para sua reeleição em 2014, chegou a sinalizar abrir uma discussão. Já reeleita, no entanto, nem ela nem o então ministro Ricardo Berzoini deram alas para o tema alegando não ser o momento propício.

Enquanto se arrasta a votação do PL da mídia democrática e opiniões digladiam-se, as novas tendências comunicacionais dão o tom sobretudo no meio online. Uma delas é o midiativismo, representado por coletivos que se intitulam autônomos e que fazem um jornalismo ativista, isto é, marcam um posicionamento em defesa de alguma causa.

Novas iniciativas

Hoje, o de maior expressão entre eles com mais de um milhão de curtidas em sua página no Facebook é o Mídia Ninja, acrônimo que significa Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação. O coletivo surgiu como extensão do Fora do Eixo, um circuito de redes de coletivos culturais. Estourou em 2013 como sendo o primeiro coletivo a cobrir em tempo real os protestos contra o aumento do preço do transporte público em São Paulo.

Os colaboradores fixos vivem em casas coletivas do Fora do Eixo nas cidades de Rio de Janeiro, Brasília e Belo Horizonte, dentre outras. Em São Paulo e em Porto Alegre as casas atualmente estão fechadas. Há colaboradores também em várias cidades brasileiras. Em Goiânia, um núcleo foi formado em julho. A troca de informações e pautas dá-se através dos núcleos reunidos num grupo no aplicativo Telegram, à semelhança do que acontece entre os colaboradores do Jornalistas Livres. Pelo menos em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Belo Horizonte, há reuniões semanais para discutir as pautas da semana, que são distribuídas diariamente entre os colaboradores disponíveis. Em geral, as pautas tratam de temas mais factuais, como manifestações e eventos, ou reportagens mais detalhadas, que partem da iniciativa do proponente.

Há ainda uma divisão de equipes responsáveis por filtrar os conteúdos que chegam em fotografia, texto, e abastecimento de redes sociais. Alguns conteúdos são veiculados apenas no Facebook e Instagram; outros viram matéria no portal do coletivo. Há autores credenciados a escrever para o portal. A Midía Ninja é adepta do Creative Commons. As fotos têm autoria coletiva e, portanto, podem ser veiculados para quaisquer veículo ou finalidade, desde que se credite a foto como autoria do coletivo. O modelo Ninja trouxe uma nova referência ao jornalismo. Fato é que muitos de seus colaboradores são jovens estudantes de comunicação e o trabalho não os remunera. Pouco se sabe sobre de onde vem o faturamento responsável por sustentar esses coletivos, o que abre margem para críticas amargas. Apesar de se destacarem por um lado, por outro, em decorrência dos parcos recursos, os conteúdos desses portais acabam não tendo a mesma qualidade técnica e de apuração que alguns jornais tradicionais.

Izadora Nogueira, que é uma militante feminista dos direitos humanos, conta que acompanha pelo Facebook muitas desses coletivos, como o Mídia Ninja, Jornalistas Livres e Pragmatismo Político, mas que não confia piamente em suas informações. Aliar independência e jornalismo de qualidade requer guinadas criativas. As soluções para a equação ainda estão sendo testadas.

Há cinco meses sendo tocado, o jornal The Intercept Brasil une midiativismo com informações de qualidade. Sua estrutura elenca uma equipe experiente e seus colaboradores externos são pagos via PayPal. As reportagens do jornal são em geral interpretativas, com opiniões do repórter bem demarcadas a partir do que se chama de Jornalismo Wando, uma tendência que une informação e posicionamento crítico.

Pautas que fujam do factual

Com as novas tecnologias da era digital e a ascensão das redes sociais, o modelo de negócio tradicional do jornalismo tem declinado e, com isso, novas iniciativas surgem como alternativa. O terreno ainda é muito movediço, mas há exemplos de projetos que vêm dando certo, a exemplo da Agência Pública, Nexo Jornal, BBC Brasil, El País Brasil e Ponte jornalismo, todos com modelos diferentes.

Em palestra no Sesc São Paulo, o fundador do Nexo, Conrado Corsalette, explicou que o texto do jornal possui uma linguagem própria e as pautas não são convencionais, dada a equipe enxuta. A receita é proveniente sobretudo da assinatura dos assinantes. O jornal tem sede em São Paulo e conta com um correspondente em Brasília. Conrado pondera que o jornalismo factual é importante e que ele não vai à bancarrota.

O mesmo acontece no El País Brasil, contou o repórter do jornal André de Oliveira também em palestra no Sesc. A sucursal brasileira é recente e, portanto, também com equipe pequena, com sede em São Paulo e um correspondente em Brasília, Afonso Benites. Boa parte do conteúdo é tradução das sucursais do jornal espanhol pelo mundo. No Brasil, as matérias são mais detalhadas, e, quando a pauta é factual, há de vir com um ângulo novo.

A BBC Brasil também não cobre pautas hard news da maneira convencional. As matérias carregam um tom de curiosidade e trazem à tona pautas dificilmente abordadas pelos jornais tradicionais. Recentemente, o jornal inaugurou um projeto que busca trazer reportagens de fora do eixo Rio-São Paulo. A ideia é comprar pautas que envolvam personagem e história interessante e que fujam do factual.

Tendências

Um dos grandes desafios hoje é a viabilidade financeira dessas novas iniciativas. Em entrevista para esta reportagem, o jornalista e professor gaúcho Moreno Osório conta que, apesar dos entraves, tem uma visão otimista sobre o jornalismo brasileiro. Para ele, as perspectivas apontam para a necessidade de uma conquista do público. “A ideia é fornecer um produto interessante que convença o leitor a pagar e uma economia de escala para o preço ficar acessível a todo mundo, além de um amadurecimento da própria internet”, esclarece.

Ele e a jornalista Marcela Donini são os fundadores da Farol Jornalismo, que há três anos é responsável por refletir sobre as novas tendências da profissão. Todas as sextas-feiras é distribuído uma newsletter para os e-mails de cerca de 1.600 assinantes, em geral jornalistas e estudantes de jornalismo em vias de formação. O resultado são 122 edições que traduzem o complexo fluxo do jornalístico contemporâneo.

Neste mês, a Farol Jornalismo em parceria com Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, a Abraji, coletou a perspectiva de 13 jornalistas experientes reunidos na página O jornalismo no Brasil em 2017. A ideia do projeto é exercitar uma auto-reflexão da profissão, tão necessária quanto urgente.

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Pedro Henrique Sousa dos Santos Lopes é estudante de Jornalismo