Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

As outras vítimas da guerra

Os ataques a jornalistas foram tema do IV Encontro Mundial de Correspondentes de Guerra, ocorrido de 18 a 20 de outubro em Havana, Cuba. Cada vez mais os profissionais de imprensa são alvos nas guerras nas quais a cobertura da imprensa é essencial para a formação da opinião pública. Essa certeza se confirma com o ataque de tanques americanos ao Hotel Palestina, em 8 de abril de 2003, em Bagdá, quando morreram os jornalistas José Couso, espanhol e Taras Protsyuk, ucraniano.

Para a família de Couso, as balas disparadas contra o hotel que abrigava a imprensa internacional não foram um mero acidente, como alegado pelo governo americano, mas sim um alerta de que a transmissão do conflito estava incomodando.

A mãe de Couso, Maria Isabel Permuy, diz que ela e sua família têm a intenção de mostrar ao mundo que seu filho foi assassinado porque era um jornalista que os americanos não controlavam. ‘Talvez outras famílias ficassem chorando em suas casas, mas nós resolvemos lutar por justiça porque não temos nada a perder’, diz Maria Isabel. ‘Mataram um filho meu diante de meus olhos, que mais posso perder?’

Walfredo Angulo, jornalista cubano e membro do Comitê Organizador do IV Encontro Mundial de Correspondentes de Guerra afirma que a causa dos Couso foi a grande estrela do evento. O objetivo da família é que a morte do jornalista seja considerada um crime de guerra e que os responsáveis sejam julgados pelo Tribunal Internacional de Haia. Veja detalhes no sítio (www.josecouso.info).

Proteção a jornalistas

As cicatrizes da guerra também estão no corpo de Jineth Bedoya, jornalista colombiana que cobre os conflitos armados de seu país. Ela foi seqüestrada e estuprada por três guerrilheiros.

‘Naquele momento, entendi o que era estar do outro lado. O que era sofrer os horrores da guerra. Era uma mensagem clara para eu abandonar minha profissão, voltar para a casa, chorar e simplesmente esquecer’, lembrou Jineth a uma platéia de 100 jornalistas do mundo inteiro, reunidos em Havana. ‘Mas eu não desisti. Eu voltei a cobrir os conflitos armados porque sentia obrigação moral de informar o que eu via e não o que me diziam para ver.’ Ela foi aplaudida de pé.

Fran Sevilla, correspondente espanhol para a Rádio Española, com a experiência de ter reportado os principais conflitos armados do mundo desde a Bósnia, disse que os jornalistas são cada vez mais alvos na guerra porque suas câmeras, outrora utilizadas como propaganda de uma dos lados, denunciam os crimes de guerra, mostram ao mundo as trágicas conseqüências das bombas inteligentes, reproduzem imagens da verdade das vítimas e do sofrimento de quem não pediu para estar numa guerra.

Sevilla destacou o papel dos jornalistas embedded, uma forma questionável de jornalismo. Se por um lado têm o respaldo da proteção do exército que acompanham, de outro estão tão expostos quanto os soldados que são objetivo militar.

Richard Gott, veterano jornalista britânico, um dos poucos correspondentes que viu Che Guevara morto na Bolívia, conta que o jornalista independente nunca teve proteção, principalmente se seus artigos ou imagens denunciavam os crimes contra a população civil.

Gott diz que apesar de os correspondentes estarem na mesma guerra dos soldados, suas armas são outras: a caneta, a imagem, o som que dão voz àqueles que não têm a oportunidade de contar a sua versão dos fatos. E essas armas, infelizmente, não são suficientes para proteger suas vidas, que muitas vezes se perdem por simples ‘acidentes’ de alguma das partes do conflito.

Maria de los Ángeles de Varona, representante da Cruz Vermelha em Cuba, informa que já existe um projeto na instituição sobre proteção dos jornalistas nos conflitos armados. Se vai funcionar, é outra história.

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Jornalista