Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

As veleidades da imprensa

Não tenho procuração para defender o PT. Acho até que o partido comete muitos equívocos na sua gestão do país (aparelhamento do Estado, políticas sociais mal formuladas etc.). Contudo, é impossível não reconhecer o seguinte fato: a imprensa do Sul Maravilha foi matreira no diagnóstico da situação do partido no pós-eleitoral de 2004.


"O PT está sendo empurrado para os grotões", "sofreu derrotas terríveis", "o quadro é de desastre", "um revés incalculável". Cobertura mais enviesada, impossível.


Primeiro: derrota terrível sofreu o carlismo na Bahia, onde o candidato da oposição, João Henrique Carneiro, venceu com 74,69% dos votos válidos, quase o triplo dos números alcançados pelo aliado de ACM, o senador César Borges (PFL). Para clarificar essa constatação, tracemos um paralelo entre a eleição de João Henrique (PDT) na capital baiana e a de José Fogaça (PPS), em Porto Alegre. Lá, como em Salvador, as oposições uniram-se para derrotar o grupo político que detinha o poder. Porém, a margem da vitória de Fogaça foi bastante inferior se comparada à de João Henrique. Ou seja, o PT vendeu caro a derrota, apesar de ter todos contra si no pleito porto-alegrense.


O cômputo geral


Esse e outros exemplos desmistificam a idéia de "derrota terrível" (os petistas foram competitivos na grande maioria das cidades em que disputaram o segundo turno). O partido também perdeu São Paulo, o maior colégio eleitoral do Brasil, mas, em compensação, ganhou o terceiro, Belo Horizonte. Equilíbrio de forças entre a situação (o próprio PT) e a oposição (encabeçada pelo PSDB) talvez fosse a expressão mais apropriada para definir a nova conjuntura.


Segundo: a tal história do grotão. A Folha foi "brilhante" na defesa desse sofisma. "Olhando o mapa a partir do sul, o cenário de terra arrasada só começa a melhorar em Minas", disse a jornalista Renata Lo Prete. Quer dizer que pelo fato de não estarem situadas no eixo Sudeste-Sul, nem na lista dos municípios com mais de 200 mil eleitores, cidades importantes como Camaçari e Vitória da Conquista, ambas na Bahia, ambas com prefeitos petistas, podem ser tachadas de grotões?


E o cômputo geral dos 70 maiores municípios do país? São 24 para o PT e 19 para o PSDB (aí incluídas as nove capitais petistas e as cinco tucanas). Por esse prisma, fica claro que o partido do presidente Lula ainda sustenta forte acento urbano.


Partidarismo indisfarçável


Terceiro: a sugestão de um desastre eleitoral. Aqui soa estranho o fato de ninguém ressaltar que o PSDB diminuiu seu contingente de prefeituras (foi de 996 para 871). É como se o êxito em São Paulo tivesse obliterado qualquer revés significativo para os tucanos. Mas, e a derrota em Vitória (ES), cidade administrada pelo partido há oito anos?


A turma da imprensa mostrou-se bastante obtusa tanto no julgamento de números absolutos quanto "relativos". Um partido (o PT) que, em valores finais, dobra a sua quantidade de prefeituras e consegue o maior percentual de votação do país nos dois turnos da eleição não pode ser considerado perdedor. E quando se pensa em termos relativos (tão utilizados para questionar a vitória petista no primeiro turno), é válido lembrar que os derrotados Marta Suplicy e Raul Pont tiveram respeitáveis índices de votação, aumentando ainda mais o capital político do partido para a disputa de 2006.


Infelizmente, a grande imprensa subestimou esses dados. Mal contendo o seu entusiasmo, o Estado de S. Paulo saiu-se com essa pérola: "Na Região Sudeste, o PT venceu em ‘apenas’ duas capitais". Que se dissesse que o partido perdeu a principal cidade da região, São Paulo, tudo bem. Agora, daí a sentenciar que, do total de quatro capitais do Sudeste, duas (BH e Vitória) representam a menor parte ("apenas") é de um partidarismo indisfarçável. Além, é claro, de ser uma grande veleidade.

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Relações-públicas, Salvador