Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Atentados terroristas põem a ética jornalística na linha de fogo

Todo mundo na rua parecia estar olhando para a mesma coisa. As tardes ainda estavam agradáveis e as cortinas não estavam fechadas. Assim, era possível ver os televisores pelas janelas dos andares térreos. Todas as telas mostravam as Torres Gêmeas em chamas. Esse consumo em massa da mesma notícia – como aconteceu em 11 de setembro de 2001 – hoje é mais raro. O número de plataformas de mídia, que se multiplica cada vez mais, continua dividindo a atenção das audiências.

Naquele dia, eu estava a caminho de meu apartamento em Bruxelas para fazer as malas para um voo de um lado ao outro do Atlântico. Dois dias depois, pude viajar para Montreal e dali para Manhattan, para fazer a cobertura do que se seguiu aos atentados. Foi enquanto ali estava que George W. Bush avisou as nações do mundo: “Ou vocês estão conosco, ou estão com os terroristas.”

Essa advertência pode não ter sido especificamente dirigida aos jornalistas. No entanto, as melhores reportagens às vezes deixam espaço para uma margem de interpretação – “conosco ou contra nós” . Um dos papéis do jornalismo numa democracia é falar a verdade ao poder, e não simplesmente aceitar as regras do poder.

Lembrei-me disso quando ouvi Peter Greste, um experiente correspondente no exterior da Ethical Journalism Network, refletir sobre os 400 dias que passou na cadeia, no Egito, depois de ter sido preso com acusações forjadas. No discurso que fez em outubro do ano passado, ao apresentar o prêmio Kurt Schork em Jornalismo Internacional na Reuters, ele disse:

“Em geral você sabe quando passa dos limites. Em geral você sabe quando fez alguma coisa que pode ter aborrecido alguém – alguém no governo ou algum tipo de autoridade, de alguma maneira. Portanto, fui completamente surpreendido porque não havíamos feito coisa alguma que passasse dos limites.”

Peter Greste vinculou o seu destino à maneira pela qual o mundo havia mudado para os jornalistas desde o 11 de setembro. Cada vez mais, eles não eram vistos como observadores neutros – e, consequentemente, não eram tratados como tais.

Mobilizando opiniões

Os jornalistas têm uma responsabilidade maior em tempos de guerra ou de uma crise nacional do que em qualquer outro momento. Seu papel é fundamentalmente importante para a compreensão, por parte dos eleitores, daquilo que seus líderes propõem em seu nome. Desde o 11 de setembro, o mundo parece ter assistido a um esforço crescente, em tempo e dinheiro, de governos mais interessados do que nunca em fazer com que seja compreendido o seu lado da história.

Os controles que foram postos em prática em relação à cobertura jornalística no Iraque – um exemplo foram os jornalistas “incorporados” às tropas – durante e depois da invasão de 2003 são um reflexo disso. A ideia de que “a TV perdeu a guerra do Vietnã” – por mais equivocada que seja – conserva uma força duradoura.

Um exemplo disso é o deslocamento maciço de recursos de mídia pela Rússia para mobilizar uma opinião pública incentivadora às suas políticas na Ucrânia e na Síria. Nesse caso, muitos jornalistas russos se mostraram dispostos a apoiar a política externa de seu país. Considerando o tom esmagadoramente patriótico da cobertura russa de assuntos internacionais contemporâneos, talvez essa seja a única opção para quem quer estar no ar.

E quanto a outros casos? Como ficam as audiências ao serem servidas apenas com um lado da história? A resposta é: muito mal – como reconheceu o New York Times ao admitir que o período que precedeu a guerra do Iraque “não foi tão rigoroso como deveria ter sido”. O New York Times não foi o único culpado, mas pelo menos reconheceu seus erros.

O jornalismo enfrentou desafios inéditos com vários tipos de sucesso. Algumas das reportagens do New York Times sobre a ocupação do Iraque e a insurreição que se seguiu foram realmente excepcionais. E no entanto, os jornalistas ocidentais que cobriam a “guerra ao terror” em suas várias formas sentiram-se sendo testados.

Centro de conflito

Os atentados em Bruxelas no dia 22 de março são um lembrete do por quê disso. Como nunca antes acontecera, os jornalistas perceberam que estavam no centro dos acontecimentos. Os terroristas atacaram alvos suaves para inspirar medo. Esse medo espalhou-se à medida que a cobertura continuava. Sem a cobertura – ou pelo menos se tivesse sido mais tímida – teria o objetivo dos terroristas sido frustrado? Talvez. Mas as próprias autoridades tinham exigido isso.

Como destacou Peter Greste, os jornalistas encontram-se no centro do conflito como nunca antes. Não apenas das guerras, mas também das batalhas políticas e das “operações anti-terroristas”. Os jornalistas são alvos. O Estado Islâmico os decapita. Outros procuram cooptá-los.

Surgem dilemas éticos. Em julho de 2005, eu estava entre os editores da BBC que concordaram em suspender as reportagens enquanto a polícia se aproximava dos suspeitos de uma série de tentativas fracassadas de homens-bomba. A ideia era que uma cobertura da TV ao vivo poderia ter alertado os homens procurados. Teria sido certo cumprir as ordens das autoridades?

Existem mais questões. Até que ponto os editores devem levar a sério advertências de ameaças feitas por “fontes de segurança” anônimas? Seria isto uma informação importante de segurança pública ou uma interpretação com o objetivo de garantir um financiamento suplementar?

E as matérias que afetam os próprios jornalistas? Como correspondente em Bruxelas, passei inúmeras vezes pelo aeroporto Zaventem. Como esconder dos repórteres o pensamento “Poderia ter sido comigo”?

A ascensão do Estado Islâmico, tanto quanto os atentados em Bruxelas, mostram o valor do bom jornalismo. O primeiro, devido à sua ausência inicial do noticiário – daí, a surpresa que acompanhou os avanços territoriais do grupo no Iraque e na Síria; e o segundo por ter dito às pessoas como é o mundo em que elas vivem. Poucos fizeram, ou quiseram fazer, reportagens sobre a ascensão do Estado Islâmico. Sua tomada de territórios e de campos de petróleo veio como um choque.

O ideal seria os jornalistas fazerem seu trabalho sem ter que defender um lado – embora alguns ainda optem por fazê-lo, como percebemos pelas lamentáveis tentativas de alguns colunistas favoráveis à saída da Grã-Bretanha da União Europeia, de tornar os atentados de Bruxelas um ponto político.

Num mundo em que, apesar de sua complexidade, os jornalistas sofrem pressões para ser a nosso favor ou contra nós, seu ofício não tem como funcionar adequadamente – e isso é uma perda para todos nós.

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James Rodgers é jornalista e professor na City University de Londres