Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Carta aberta a um demitido

Querido amigo Dalwton Moura,


Há anos não o vejo, o que alimenta a saudade deste seu amigo dos tempos hilários e independentes de faculdade.


Sempre acesso o Observatório da Imprensa. Hoje, 6 de novembro, vi, na primeira página, um texto do querido amigo e professor da Universidade Federal do Ceará, Ronaldo Salgado, acerca de uma demissão perpetrada pelo jornal Diário do Nordeste, o qual, há muito tempo, não leio, não só pelo compromisso que aquele matutino tem com as classes dominantes, como pela qualidade do jornal em si – atualmente, inclusive com erros crassos de português, o que eu, honestamente, abomino.


Pois bem, ao correr os olhos pelo texto, tomei um susto. O demitido em questão era você, Dalwton de Moura Borges, um dos mais conceituados jornalistas cearenses, formado, com brilhantismo, pelo Curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Ceará, de quem tenho orgulho de ter sido colega e de ser amigo. Digo mais: você, Dalwton, sempre foi meu espelho nas cátedras do Benfica, pelas notas altas que sempre tirou em todas as disciplinas. Um gênio, a serviço da imprensa. Um gênio desprezado por um jornal hoje desqualificado, muito embora seja o mais vendido do estado.


A audácia de levantar a voz


O engraçado é que um dia antes eu andava pelas ruas do centro de Fortaleza, resolvendo problemas particulares e, em um dos meus muitos exercícios de divagação solitária (que você, Dalwton, conhece muito bem), comecei a fazer um ganho mental pelo fato de ter passado por uma pobre repórter da TV União a fazer, naquele momento, na Praça do Ferreira, uma reportagem sobre um evento cultural que acontecia naquela tarde. Imaginei-me realizando, com minha namorada (que não é jornalista, mas tem um talento inato para fotografia e filmagem), um projeto pessoal de cobertura dos preparativos para a próxima Copa do Mundo de uma forma independente, inclusive com a abordagem daqueles que estarão excluídos da festa futebolística a ser preparada para estrangeiro ver. Pensei no termo ‘liberdade’ como novo gancho para reflexão sobre qual tipo de liberdade queremos, como jornalistas. Liberdade de imprensa, ou liberdade de empresa?


Não é fácil ser jornalista no Brasil. Em 2004, ano em que me formei, por publicar, no flanelógrafo do Fórum Clóvis Beviláqua, onde trabalho, desde 1995, como técnico judiciário, um texto opinativo sobre a demissão da então chefe do Setor de Protocolo, onde eu era lotado à época, tão logo mudou a gestão do Fórum. Ganhei, de prêmio, uma transferência de ofício para o 12º Juizado Especial Cível e Criminal. Fui, como você, Dalwton, humilhado por simplesmente fazer valer o propósito maior do jornalista, que é o de divulgar a verdade dos fatos, com independência e isenção.


Exatamente por isso, aliado ao grau de amizade que nutro por você, somo-me à corrente de solidariedade em seu favor e exorto outros colegas pelo Brasil a fazerem o mesmo. Digo mais: é preciso aos profissionais de imprensa terem a coragem, a audácia de levantar a sua voz contra a verdadeira liberdade que querem os veículos de comunicação em geral no Brasil, a liberdade de empresa.


A liberdade que virá um dia


Meu caro Dalwton, lembro-me que fiquei deveras frustrado por ter levado um sonoro ‘não’ na tentativa de ser contratado pelo jornal Diário do Nordeste, nos idos de 2006, quando lá você exercia com maestria seu ofício de repórter. Deixei de ser seu colega naquele jornal, como fui, graças a Deus, na faculdade, onde protagonizamos hilários e, diga-se, independentes, programas de rádio e artigos de jornal.


Hoje, penso que Deus fez bem em não permitir que eu fosse contratado para o Diário do Nordeste. Por isso, meu caro Dalwton, muito embora sua demissão solape a sua dignidade profissional e o coloque, como presumo, em tristeza interior, pelo fato ter acontecido durante sua ascensão profissional naquela empresa, convido-te a levantar a cabeça. Você deixou de ser um serviçal da elite e passou a ser mais um símbolo da luta pela verdadeira liberdade que queremos, a de imprensa.


A propósito, meu amigo, caso queira somar esforços comigo em meu projeto de vídeo-reportagem independente sobre a Copa do Mundo, me procure. Você é brilhante, independente e corajoso e é muito melhor trabalhar assim do que submetido aos ditames de uma ditadura escondida nos órgãos de imprensa brasileiros, que neste ano de 2010 vitimou a você e a outros tantos que ousaram publicar reportagens, artigos e outros textos contra os interesses defendidos pelos jornais em que os demitidos atuavam.


Porém, caso recuse o convite, por absoluta necessidade financeira, o que é compreensível, ofereço-te minha solidariedade e um abraço carregado de boas vibrações.


Finalmente, rezemos, Dalwton. Rezemos por este Brasil governado, com brilhantismo, por um metalúrgico, sede da mais democrática experiência eleitoral da América Latina, prestes a entregar o poder a uma ex-guerrilheira e que, a cada ano, tenta, mais e mais, se libertar das teias de opressão, às quais a grande imprensa, esta ainda atrasada, insiste em se atar. Rezemos, Dalwton, pela liberdade que virá um dia. Senão para você e eu, para Levi e Andréa, os nossos respectivos filhos.


Um abraço solidário do seu eterno amigo e fã.

******

Jornalista