Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Circo dos horrores

Antes de qualquer coisa, peço desculpas a todos os profissionais, amadores e amantes da arte circense. A comparação entre uma das coisas mais belas que a criatividade humana já pôde produzir e a programação matinal da TV aberta brasileira é, no mínimo, irresponsabilidade de minha parte. Mas perdoem este iniciante das letras. É que me falta criatividade, no momento. Fora a seqüência de louras que transpiram futilidade e desinformação em seus programas, que trazem no nome referência a coisas boas, e na prática são exatamente o contrário, em especial o que me chamou a atenção foi a programação voltada à criança. ‘O futuro do país’.

De antemão, vou logo dizendo que sou saudosista. Não consigo enxergar beleza na grande maioria dos desenhos animados da atualidade. Desde o famoso Castelo Ra-tim-bum, Cocóricó, As aventuras de Rintintim, Duck Tales, Doug, Thunder cats, Carmen San Diego, O Homem Aranha, A liga da justiça, Caverna do dragão e uma infinidade de bons programas/desenhos que, mesmo adultos, assistiríamos tranquilamente sem que sentíssemos que estão tentando pôr em dúvida nossa inteligência, não vejo nada de proveitoso na atual seqüência de desenhos. Pensando nisso é que me pergunto se ‘Junior’ (meu possível filho) se tornará uma criança que, desde cedo, será programada para ser um adulto embasbacado, consumista e violento?

A teoria hipodérmica

A programação para a criança é um desrespeito não somente ao ser ‘do ente’, como diria Sartre, mas uma violência absurda contra o processo de formação da inteligência apontada por Piaget. Talvez (mesmo sendo uma suposição teleológica) esteja aí um dos agravantes das mazelas sociais de nosso país. Afinal, como diria minha avó, ‘é de pequeno que se faz o homem’ e é do conhecimento de todos que a personalidade se forma seguindo esta lógica.

Como se não bastasse a tosca lógica dos atuais desenhos assistidos pelas crianças, onde o que se vê são valores como competitividade e coisas fúteis vomitados diariamente num nível exorbitante. Os intervalos da programação são recheados por uma brainstorm (diria ácida) de propagandas que tentam transformá-las em mais um cidadão com poder de consumo. Ou ao menos com poder de influência para convencer seus pais a comprarem, a Barbie, Suzi, carro da hot wheels ou comer um Mc-lanche feliz que vem com um boneco do Shrek ou qualquer outro desenho que faça com que as crianças o queiram e, de quebra, se alimentem com algo que certamente fará um mal absurdo ao seu organismo.

Aos entusiastas do capitalismo e seus desmembramentos, sugiro que o ‘reobserve’ sob ótica da qualidade ética da publicidade voltada para criança. Não somente por que considero que, infelizmente, a grande maioria das campanhas publicitárias veiculadas nas mídias traz um apelo psicológico que beira a proposta pelos seguidores da teoria hipodérmica. Mas, sim, porque esse tipo de pedagogia às avessas só contribuirá para que cada vez mais nossa sociedade perca seu sentido gregário, marca relevante de nossa ‘humanidade’… Se é que ela ainda existe.

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Estudante de Comunicação social e Ciências Sociais, Camaçari, BA