Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Cobertura parcial, credibilidade em xeque

Decorridos pouco mais de um mês da definição da candidatura do Partido Democrata à Casa Branca para as eleições de novembro próximo, a cobertura que a mídia norte-americana vem fazendo dos candidatos tornou-se, ela mesma, tema de debate na campanha. O candidato republicano John McCain reclama, com razão, que a mídia tem favorecido seu oponente, o democrata Barack Obama.


Considerando-se a importância que a mídia tem na distribuição da informação política e na construção da imagem pública dos candidatos, discutir o seu papel é o que se deve fazer nos processos eleitorais democráticos. E mais: espera-se que o debate conduza à correção das eventuais distorções na cobertura.


O monitoramento da cobertura da mídia é fato rotineiro nos Estados Unidos. Existem várias entidades, acadêmicas ou não, que, utilizando-se de metodologias quantitativas sofisticadas, realizam pesquisas permanentes sobre a cobertura dos mais variados temas. Os eventuais desequilíbrios e/ou distorções identificados são divulgados e se tornam objeto de debate público e das explicações ou justificativas de jornalistas e grupos de mídia. Claro, o monitoramento obtém maior repercussão e importância ao longo dos períodos eleitorais.


Desequilíbrio e justificativas


Matéria sobre a ‘fascinação da indústria da notícia pelo Sr. Obama‘, publicada no The New York Times de 17 de julho, informa que The Tyndall Report – um serviço de monitoramento da cobertura que trabalha para as redes de televisão – revelou que, desde quando a disputa se reduziu a Obama vs. McCain, as três principais redes de TV aberta (ABC, NBC e CBS) dedicaram 114 minutos na cobertura do candidato democrata contra apenas 48 minutos (menos da metade) do republicano. De acordo com o Tyndall Report, a diferença pró Obama aparece também nos blogs que se dedicam à análise política.


Já o Project for Excellence in Journalism (PEJ) – que era associado à Escola de Jornalismo da Universidade Columbia (Nova York) e, desde 2006, passou a fazer parte do renomado Pew Research Center, com sede em Washington, D.C. – divulgou, no último 22 de julho, o resultado do monitoramento que vem realizando dos noticiários desde 9 de junho. Foram monitorados os noticiários das redes de TV, dos jornais, dos sites online, dos canais a cabo e das emissoras de rádio. Os resultados estão disponíveis aqui.


Nas seis semanas desde que Hillary Clinton retirou sua candidatura e teve início uma nova fase da campanha presidencial, o candidato democrata mereceu destaque em 78% das notícias contra 51% do candidato republicano (quadro abaixo).

















Candidatos


Porcentagens de Notícias
9 de junho – 20 de julho


Barack Obama (D)


78.3%


John McCain (R)


51.2 %


Número total de notícias = 1809



Uma das justificativas apresentadas para os desequilíbrios na cobertura da mídia nos Estados Unidos já é nossa conhecida e apareceu em fases específicas do processo eleitoral brasileiro de 2006. Jornalistas afirmam que um candidato tem maior ‘potencial noticioso’ quando representa uma novidade ou sua possibilidade de ‘chegar ao poder’ é maior.


Foi mais ou menos isso o que disse Tom Rosenstiel, diretor do PEJ e co-autor, com Bill Kovach, do conhecido Os Elementos do Jornalismo – O que os jornalistas devem saber e o público exigir (publicado no Brasil em 2003). Para ele, a candidatura do Partido Democrata é histórica e Barack Obama é uma new face na política norte-americana. Apesar disso, ele admitiu também que ‘no final ela [a cobertura] não é correta [fair] em relação a McCain’.


Aprendizado cidadão


Há, no entanto, o reverso da moeda. Outra pesquisa, divulgada no mesmo período (em 21/7), precisa também ser considerada para que se entenda o que de fato pensam os norte-americanos sobre o desequilíbrio na cobertura da mídia.


O Rasmussen Reports – especializado na coleta, publicação e distribuição de resultados de pesquisas de opinião – revela que 49% (praticamente a metade) dos eleitores acreditam que, ao longo do processo eleitoral, a maioria dos repórteres irá tentar ajudar o candidato democrata. Por outro lado, apenas 14% acreditam que a maioria dos repórteres ajudará o candidato Republicano (disponível aqui).


Lá como cá, há sinais de que não só o eleitorado, mas a maioria da população começa a compreender a imparcialidade da mídia como uma ‘meta’ que orienta eticamente o trabalho profissional de jornalistas sérios. Ela não é necessariamente uma realidade na produção e distribuição de notícias pelos grandes grupos de mídia. Desta forma, nos processos eleitorais ou fora deles, o consumidor de notícias se organiza e desenvolve seus próprios mecanismos para obter pluralidade e diversidade de informações e opiniões.


Lá como cá, o resultado desse processo indica que a credibilidade da mídia, mais do que nunca, vai se tornando não só um critério fundamental de avaliação profissional mas, a médio e longo prazos, um fator de sobrevivência no mercado para as empresas de mídia.


Lá como cá, o cidadão está aprendendo cada vez mais a identificar de que lado está a mídia, mesmo quando ela anuncia sua imparcialidade.

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Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor/organizador, entre outros, de A mídia nas eleições de 2006 (Editora Fundação Perseu Abramo, 2007)