Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Como a imprensa esmiuçou o novo PIB

A imprensa bateu a oposição por dez a zero no tratamento dos novos números do PIB, o produto interno bruto. Na quarta-feira (21/3), o governo começou a festejar a revisão anunciada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística): entre 2000 e 2005, a economia cresceu mais do que indicavam os cálculos anteriores. Além disso, os números do período 1994-1999 foram alterados para baixo.

Em Brasília, oposicionistas deram a resposta mais fácil e mais tosca, pondo em dúvida os novos dados e a lisura do trabalho estatístico. Qualquer discussão começa mal quando se acusa uma entidade como o IBGE de marretar os cálculos para favorecer o grupo no poder. Todo exercício estatístico é passível de crítica e de ressalvas. Pôr em dúvida as intenções de quem o produz é outra história.

Já no dia seguinte, quinta (22), os jornais foram além do oba-oba oficial, apontando o lado menos festivo dos novos números. Com o PIB maior, os impostos e a dívida pública perdiam importância relativa. Além disso, a revisão das contas mostrou um setor de serviços com maior peso na produção total. Isso é típico de economias avançadas. Mas a outra face da novidade era igualmente importante, se não mais. A taxa de investimento em máquinas, equipamentos, fábricas e instalações de infra-estrutura foi menor do que mostravam os cálculos anteriores.

Parte da verdade

O Estado de S.Paulo e O Globo ressaltaram esse dado em manchete. A Folha de S.Paulo o mencionou na linha fina abaixo do título. O Valor enfatizou um detalhe menos atraente, mas não irrelevante: se quiser economizar o equivalente a 4,25% do PIB para pagar juros, neste ano, o governo terá de produzir um superávit primário maior, em reais, do que o projetado até a semana passada. A Gazeta Mercantil preferiu acompanhar o otimismo oficial: o maior dinamismo econômico exibido nos últimos anos tornará mais fácil, segundo a manchete de quinta-feira, alcançar um crescimento de 4,5% em 2007.

Na sexta-feira, o Estadão foi um passo além na discussão dos números. Um pouco mais de análise havia mostrado alguns detalhes interessantes. Metade da reestimativa do PIB de 2003 era explicável pela revisão dos impostos sobre o valor da produção. O novo tratamento da Cofins na contabilidade nacional contribuiu para a mudança do quadro. O repórter Sérgio Gobetti, de Brasília, chamou a atenção para a novidade.

Em São Paulo, num seminário do Instituto Fernand Braudel, os economistas Affonso Celso Pastore e Ilan Goldfajn, ex-presidente e ex-diretor do Banco Central, acabaram discutindo esse mesmo tópico. ‘É curioso’, disse Pastore, ‘mas ficamos mais ricos porque descobrimos que o governo gasta mais.’

O aumento do custeio do governo e a expansão do consumo privado funcionaram como elementos dinâmicos, segundo essas análises. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse parte da verdade, quando atribuiu o crescimento às políticas distributivas de seu governo, observou Carlos Alberto Sardenberg num comentário na rádio CBN. Mas crescimento econômico puxado pelo consumo tanto privado quanto público não pode ir muito longe, acrescentou. Só o investimento pode produzir uma expansão duradoura.

Informação vazada

Nenhuma figura do governo foi capaz de apresentar à opinião pública mais que um blablablá triunfal sobre os novos números divulgados pelo IBGE. O discurso oficial foi tão pobre quanto o da oposição. A discussão ainda pode ir longe. Os economistas apenas começaram a examinar as implicações práticas dos novos dados. De modo geral, a imprensa realizou seu trabalho com equilíbrio.

Livre pensar é só pensar, escreveu há muito tempo Millôr Fernandes. Pode afirmar algo parecido sobre a profissão: jornalismo crítico é apenas jornalismo. Não é mau humor nem mera disposição de ser do contra.

No sábado anterior (17/3), o Estadão foi o primeiro a chamar a atenção, com destaque, para o súbito aumento de negócios em bolsa com as ações da Ipiranga. Indicou também a explicação provável: a compra da companhia, ainda não anunciada oficialmente. A confirmação ocorreu no dia seguinte e já na segunda-feira (19) se falava sobre o possível vazamento de informações.

Ponto para quem dá atenção aos fatos fora da pauta corrente.

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Jornalista