Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Como lidar com o discurso do ódio em transmissões ao vivo

No ano de 2015, o discurso do ódio tornou-se uma das principais preocupações da mídia jornalística. A propaganda violenta produzida por terroristas, a linguagem vulgar, usada por políticos populistas, e o jornalismo intolerante praticado por pessoas como a colunista Katie Hopkins, do Daily Mail, sobre os imigrantes e a crise dos refugiados põem os jornalistas e editores de sobreaviso.

No atual ambiente digital, todo mundo pode dizer o que quiser, mas muitas vezes o discurso é envenenado pelo ódio e a intolerância. Um exemplo de como é fácil jornalistas imprudentes serem surpreendidos ocorreu no dia 22 de dezembro, durante o programa de Simon Lederman na Radio London, da BBC. Get the Trolls Out, um projeto do Media Diversity Institute que se propõe combater o discurso de ódio antissemita na Europa, discurso do odiodivulgou que uma pessoa – “Andy, de St. Margaret” – telefonou e lhe foi permitido vociferar durante 13 minutos sobre a dominação mundial judaica.
A pessoa que telefonou, segundo Get The Trolls Out, recebeu por parte do apresentador críticas insuficientes de desaprovação às suas declarações, como “continuamos a falar da grande mídia… nas mãos dos judeus, eles continuam nos bombardeando sobre os judeus e o holocausto… continua a história dos seis milhões de judeus”. Várias organizações judaicas publicaram artigos condenando o incidente e prometendo entrar com ações contra a BBC e o Ofcom [órgão regulador das emissoras britânicas] e pedindo aos leitores que fizessem o mesmo.

Este caso levanta algumas questões éticas sérias. Como é que pessoas que trabalham com noticiários ao vivo se protegem – assim como sua audiência – de pessoas com um discurso de ódio? Como é que os jornalistas podem dizer que garantem a livre expressão, mas mantêm seu dever ético de não prejudicar alguém? E o que mais poderia ser feito para ajudar os jornalistas a se contraporem ao discurso da intolerância?

Proteção em serviços de material ofensivo

Segundo a presidente da Ethical Journalism Network, Dorothy Byrne, muitas das respostas são encontradas se forem aplicados os regulamentos impostos pelo Ofcom, mas ela avisa que boa parte delas depende de como é definido o “discurso do ódio”.

Uma boa emissora, diz ela, interromperia a pessoa e pediria desculpa aos ouvintes, dependendo do conteúdo, enquanto alguns programas teriam desafiado o autor da frase. Ela cita um exemplo recente em que uma jovem muçulmana ataca homossexuais no rádio. “Em vez de interrompê-la, o apresentador rebateu a jovem aos gritos e você podia ter certeza de que essa era a melhor maneira de tratar do assunto”, disse Dorothy Byrne.

David Jordan, diretor de Política editorial e de Ética da BBC, disse-nos que, no que se refere a programas de rádio ao vivo, nos quais membros do público podem telefonar, os apresentadores e os produtores são obrigados a seguir uma disposição de “Danos e Ofensas” do código do Ofcom que determina o que eles devem fazer:

“…proporcionar proteção adequada aos membros do público da inclusão em tais serviços de material nocivo e/ou ofensivo.”

Apresentar o outro lado da história

O código ainda diz que material ofensivo só deve ser usado onde possa ser justificado por contexto jornalístico.

Além disso, a BBC tem suas próprias diretrizes editoriais na emissão ao vivo. As pessoas que fazem ofensas normalmente são tratadas de uma forma direta, diz David Jordan. A decisão de desafiar ou não o discurso ofensivo fica por conta dos apresentadores e dos jornalistas. A BBC também faz um exame prévio das chamadas telefônicas no caso de programas com chamadas telefônicas ao vivo.

“Não é o caso de que pessoas que exprimem opiniões que algumas pessoas possam considerar ofensivas sejam excluídas de ter sua voz ouvida”, diz ele. “Num caso famoso, há alguns anos a BBC incluiu o líder do Partido Nacional Britânico [BNP, um partido fascista], Nick Griffin, numa edição de Question Time, o principal programa da emissora sobre atualidades e debates.” Muita gente considerou ofensiva a ideia do líder do BNP participar de um debate organizado pela BBC, mas o nível de apoio que o BNP recebeu nas recentes eleições europeias justificou ouvir sua voz.

“Embora as opiniões que estivessem sendo expressadas fossem, sem dúvida alguma, controversas”, diz David Jordan, “a maneira pela qual foram expressadas não feriu as diretrizes de danos e ofensas.” O problema, segundo Jordan, não está nas pessoas dizerem que algumas pessoas podem considerar algo ofensivo, seja em relação aos imigrantes, à raça ou ao holocausto. “Está na maneira pela qual essas opiniões são expressadas. Se são expressadas de uma maneira claramente racista, usando frases ou palavras racistas, então o debate deve ser interrompido”, diz ele.

Jordan usa o exemplo da recente controvérsia da mídia na Alemanha sobre os ataques no Ano Novo em Colônia, onde algumas pessoas que discutiam a questão culparam os imigrantes, os refugiados e as pessoas que procuravam asilo político. “Algumas pessoas podem considerar isso ofensivo, mas isso não é motivo para não tratar do assunto, nem desafiá-lo, durante um programa com telefonemas ao vivo”, diz ele. “Esses programas pretendem garantir que os apresentadores desafiem as opiniões que ali são manifestadas. Não de maneira destemperada, mas apresentando o outro lado da história.”

Códigos de comportamento

David Jordan não se deixa convencer pelo argumento de que os principais transgressores são grupos, ou indivíduos que dominam a prática da mídia e a tentam explorar. “Eu acho que há horas em que as pessoas se entusiasmam e usam uma linguagem e dizem coisas que não são adequadas.”

Jordan diz que desconhece a existência de um sentido geral de manipulação, ou mesmo uma grande medida disso nas pessoas que participam dos programas, mas reconhece que a BBC não mantém informações nesse campo, o que enfatiza a importância de um monitoramento constante, como o que é organizado pela Media Delivery Index [índice de aferição de programas nas emissoras de televisão] e outros.

David Jordan não comenta o caso da Radio London, da BBC, que está tramitando no sistema de reclamações, mas destaca um problema com os programas de telefonemas ao vivo em que pode ser discutido qualquer assunto. “Às vezes, esses programas não estão tratando de questão alguma, especificamente”, diz ele. “Mas há o perigo de que sejam feitas chamadas e o apresentador não tenha sido suficientemente bem informado, de forma a desafiar adequadamente.”

Ele acrescentou que mesmo em situações em que não sejam abertas ações judiciais, em circunstâncias em que opiniões extremadas não são suficientemente desafiadas, a equipe de produção do programa é informada. “Estamos constantemente falando com os produtores e as equipes dos programas sobre como as diretrizes editoriais agem sobre o conteúdo”, diz ele. “Em algumas áreas, os conselhos mudam com o tempo devido a normas feitas pelo Ofcom e pela diretoria da BBC em relação a reclamações.”

Consiga ou não a atual reclamação provocar qualquer mudança oficial nos conselhos dados aos apresentadores, temos que esperar para ver. Mas uma coisa ficou clara: alguns ouvintes entenderam que a pessoa que fez o telefonema não foi rebatida adequadamente, não apenas por opiniões ofensivas, mas de ódio. Muitas pessoas esperam que a BBC aja de forma a garantir que os jornalistas e apresentadores em contato com sua audiência estejam mais capacitados a responder quando o discurso do ódio for ao ar.

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Tom Law é responsável por Comunicações no Ethical Journalism Network