Monday, 18 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Comparação leviana

Chamou a atenção um texto distribuído pela internet para emigrantes brasileiros na Suíça e Alemanha. Um texto do respeitável e competente Elio GAspari, cujos livros sobre a ditadura militar brasileira adquiri nas minhas últimas viagens ao Brasil.


O texto, publicado na Folha de S.Paulo, compara o que uma vítima do atentado de 20 de março de 1968 contra o consulado americano em São Paulo recebe do INSS, quando perdeu uma perna, com a aposentadoria paga a um dos autores do atentado, beneficiado pela Lei da Anistia.


Elio Gaspari, jornalista e escritor, faz uma comparação fora do contexto da época, e leva os leitores a um julgamento fácil e rápido, de culpado e inocente. Com esse mesmo tipo de argumentação se poderia condenar os resistentes ao nazismo na França ocupada. Assim, os culpados pelos massacres de inocentes cometidos pelos nazistas em represália a atentados contra os ocupantes teriam sido os resistentes.


Não é nada correto comparar indenizações decididas 40 anos depois, omitindo o clima reinante na época da ditadura militar e aproveitando para colocar em questão o que animava a extrema-esquerda contra a ditadura. Conhecedor da situação como poucos, Gaspari optou por uma argumentação minimalista – e, por isso, leviana – que ignora o complexo quadro daqueles anos de chumbo.


Ditadura democrática


Logo no começo da invasão americana ao Iraque, declarei, nas rádios em que falava e onde escrevia, que sempre chamaria os iraquianos de resistentes aos invasores e nunca de terroristas. Durante a ditadura militar, onde muita gente boa se enrustiu, não havia terroristas (essa era a designação dada pelo governo e imprensa golpistas), mas resistentes. Idealistas, sonhadores, iludidos, irresponsáveis, tudo isso pode se discutir, mas, no caminho certo ou errado, eram movidos pelo desejo de resistir a uma situação ilegal, criada depois da deposição de um presidente constitucional e por instigação americana.


E pagaram caro por isso. Uma parte morreu, outros foram torturados e sofrem seqüelas até hoje. Outros que não aderiram à luta armada, mas que contestavam o regime, tiveram de fugir e perderam carreira, vivendo e sofrendo o exílio. Diógenes Carvalho Oliveira, citado como um malvado premiado, sofreu torturas e, no exílio na África, pegou malária –, outro tipo de tortura permanente.


É nesse mesmo raciocínio que defendo a concessão da condição de refugiado ao italiano Cesari Battisti, ativista de uma facção de luta armada italiana, preso no Brasil e sob ameaça de extradição.


Na verdade, existe hoje no Brasil, por parte da grande imprensa (a quase totalidade daquela que aderiu aos militares), uma campanha para desestablizar o governo, que apesar de numerosos erros vem favorecendo o grande segmento da população pobre antes esquecido. E, pelo jeito, surge uma tendência negacionista, movida por uma lamentável vontade de reescrever a história.


Isso faz parte da democracia, o debate franco ou desleal, porém, não se pode esquecer que no Brasil não existe imprensa de esquerda, que poderia defender o outro ângulo. Existem apenas alguns sites, jornais e revistas mantidos no benevolato, enquanto a direita dispõe de televisões, rádios e jornais de grande tiragem numa espécie esdrúxula de ditadura democrática da informação.

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Jornalista