Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Contradição no OI

Faço minhas as palavras que li no blog Velho do Farol (http://velhodofarol.blogpost.com):

O Observatório da Imprensa deveria ter um pouco mais de cuidado com a consistência do que publica. Uma imagem impactante nas TVs hoje (a saída de militares americanos feridos, de dentro de um tanque no Iraque) me levou a perguntar se ela teria sido exibida com o devido destaque na patriótica TV americana. Em relação a outro episódio, muito mais cruel, o Observatório publicou em sua edição 271 dois relatos simplesmente opostos.

Na seção internacional, Beatriz Singer relata que as redes americanas, apesar de relutantes a princípio, publicaram várias imagens sangrentas do massacre dos seguranças americanos em Fallujah: ‘A CBS, bem como a ABC, achou conveniente mostrar alguns trechos mais sangrentos. As redes julgaram que era necessário, para mostrar o grau de agressividade do que havia ocorrido. Foram usados efeitos de computador para borrar algumas partes e os âncoras avisaram antes que o espectador poderia se incomodar com o que estaria para ver. A CNN acabou mudando de posição ao longo do dia, exibindo cenas mais duras à noite’.

Já na seção de TV, o jornalista e professor da UnB Paulo José Cunha disse que a TV americana escondeu as imagens: ‘Em 31 de março, as grandes redes deram mais uma demonstração da importância da imagem. Atendendo a pedido do secretário de imprensa da Casa branca, impediram a veiculação nos Estados Unidos das cenas dos corpos dos civis americanos embebidos em gasolina, queimados junto com os carros, surrados pela multidão e arrastados pelas ruas de Faluja, a cidade a 50 quilômetros de Bagdá, uma das sedes da resistência iraquiana’.

A matéria de Beatriz Singer, em tom jornalístico, é muito mais detalhada e parece mais confiável. O artigo de Paulo José Cunha parece às vezes um panfleto. De qualquer forma, faltou ao Observatório explicar a contradição.

Marcus Pessoa de Araújo, Belém



Paulo José Cunha responde

Não há qualquer contradição entre o que escrevi e o que Beatriz Singer escreveu sobre a forma como a imprensa norte-americana tratou o massacre de Faluja. Os informes enviados pelas grandes redes de notícias, republicados aqui por diversos jornais, inclusive a Folha e o JB, são muito claros:

JB – ‘Tais imagens, entretanto, não chegaram aos lares dos quatro mortos. Nos Estados Unidos, as cadeias de notícias (sic) censuraram as cenas dos corpos sendo arrastados pelas ruas por jovens exultantes. (…) As imagens que os Estados Unidos não viram de Faluja mostram um corpo incinerado sendo chutado com a cabeça pisoteada (…)’

Folha – ‘O secretário de imprensa da Casa Branca pediu, e as principais redes de TV americanas atenderam. ‘Esperamos que todos ajam de maneira responsável’, disse Scott McClellan, referindo-se às imagens dos civis americanos assassinados, despedaçados e arrastados pelas ruas de Fallujah – destaque nos telejornais à noite. Alegando ‘responsabilidade’, a CBS desfocou as imagens dos corpos, ‘protegendo’ o público de ‘cenas horríveis’. ‘Não são imagens para crianças’, disse Dan Rather. (…) Na CNN, o apresentador Wolf Blitzer disse que as cenas eram fortes demais, e não seriam mostradas’.

Ou seja: houve autocensura, sim, e a versão divulgada conforme a orientação de cada rede, como Beatriz Singer aponta, foi a versão ‘amenizada’ do que ocorreu, seja pelo desfoque de algumas imagens, seja pela simples supressão de outras. Ao que se sabe, todas as redes divulgaram, sim, o fato – suprimindo ou maquiando certas cenas. A realidade – nua, crua e abjeta – seja lá sob quais alegações, não foi divulgada em sua inteireza. E em certos casos entendemos como necessário, didático e eticamente irrepreensível, sim, a divulgação de certas cenas. Pois na civilização das imagens só elas são capazes de exercer uma influência direta na sensibilidade da audiência, mobilizando-a

E já que estamos em plena semana da Paixão e da Páscoa, uma provocação: o que seria do cristianismo sem o impacto da imagem do Cristo martirizado naquela cruz? E olha que não havia fotógrafos por lá, a cena da crucificação foi e continua a ser feita livremente há dois milênios a partir da imaginação dos artistas (ou diretores de cinema, como Mel Gibson). A imagem dolorosa daquele preso político sendo torturado e martirizado está presente na maioria dos lares da civilização cristã ocidental. E tem prestado valiosa ajuda na tarefa de humanizar o mundo. (PJC)

Leia também

Como mostrar o horror? – Beatriz Singer (com Dennis Barbosa e Leticia Nunes)

Os espantalhos de Faluja – Paulo José Cunha



FBI NO BRASIL
Omissão do OI

Queridos amigos do OI, há duas semanas a revista CartaCapital publicou uma entrevista bombástica com Carlos Costa, ex-diretor do FBI no Brasil, na qual ele relata detalhadamente como o governo americano ‘comprou’ a Polícia Federal do nosso país. Costa revelou detalhes da atuação de espiões americanos em solo brasileiro, com o objetivo de monitorar as ações da PF e, inclusive, da imprensa. Ele foi bem claro quando afirmou isso. No entanto, nenhum dos grandes jornais brasileiros e menos ainda as emissoras de televisão repercutiram o assunto, o que é de se estranhar, pois é uma questão de soberania nacional.

Mas o mais estranho ainda, para mim, leitor assíduo deste Observatório, é que neste canal de crítica da imprensa, tão necessário nos dias atuais, não foi traçada uma linha sequer sobre a omissão dos meios de comunicação brasileiros em relação ao assunto. Será que eles se omitiram por terem levado um furo sem tamanho da Carta? Ou será que não é do interesse da grande mídia nacional mexer neste vespeiro? Será que todos vão calar? Enquanto isso, a CartaCapital, único semanário que, na minha opinião, faz um jornalismo realmente sério no país (pelo menos com o máximo de dignidade possível), continua dando um banho nas concorrentes.

Luiz Valério da Silva, jornalista, Boa Vista, RR

Nota do OI: Caro Luiz, eis a lista de comentários que publicamos sobre a omissão da mídia no caso que você aponta. Pode não ser uma relação muito extensa, mas bem maior do que ‘uma linha sequer’ sobre o assunto.

Manipulação da mídia brasileira – Victor Ribeiro (23/3/2004)

O silêncio dos influenciáveis – Gilson Caroni Filho (30/3/2004)

Algo contra? Que fale agora, ou… – Cristhian dos Santos Camilo (30/3/2004)

Cartas dos leitores (6/4/2004)

Carta de leitor (30/3/2004) [rolar a página]



BASES DE DADOS
Uma nova disciplina

Caro Pedro Paulo, criei a disciplina Banco de Dados em Jornalismo Social em nossa pós de Jornalismo Social da PUC-SP justamente pelas questões que você discute em sua matéria. Parabéns!

Margarethe Born, coordenadora do Programa de Pós-graduação lato sensu em Comunicação Jornalística da PUC-SP