Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Custou, mas também o Estado conseguiu emplacar o seu furo

No domingo (11/9), o Estado de S.Paulo cometeu uma heresia jornalística.

O assunto do dia era o mensalinho de Severino Cavalcanti [que no mesmo domingo daria uma coletiva para proclamar uma inocência fadada a ter vida breve]. ‘Severino volta e diz que vai se defender no cargo’, destacou, por exemplo, a Folha.

Já a prioridade do Estadão foi a história do que o PT andou fazendo na virada de 2002 para 2003 com os recursos recebidos do Fundo Partidário – dinheiro do contribuinte repassados aos partidos para cobrir gastos definidos em lei: despesas com funcionários e manutenção de sedes.

Perdoe-se o jornal. Desde que começou a crise, com o furo da Veja sobre os 3 mil reais embolsados por um funcionário de terceiro escalão dos Correios, toda a grande imprensa tinha conseguido publicar pelo menos uma revelação exclusiva e forte sobre o festival de maracutaias que assola o país – menos o Estado.

Bem que tentou, com uma suposta versão paulistana do mensalão, envolvendo políticos do PT e do PPS. A matéria não ficou em pé.

Já a do Fundo Partidário, apurada pelo novato Diego Escosteguy – guarde-se esse nome – e a veterana Mariângela Gallucci, salvou a face do Estadão e justificou as manchetes ‘PT pagou viagem de parentes de Lula e do ministro Palocci’, na primeira, e ‘PT usou Fundo Partidário para pagar viagens da família de Lula’, dentro.

Os repórteres garimparam a prestação de contas de 2003 do Diretório Nacional do PT, entregue à Justiça Eleitoral e capturada pela CPI dos Correios, a pedido do senador tucano Álvaro Dias, do Paraná, que deve ter alertado a dupla.

Eles acharam ouro puro nas notas fiscais e recibos que acompanham o relatório. E verificaram que os cheques com que foram pagas, assinados pelo então tesoureiro Delúbio Soares [que eles chamam, impropriamente, de ‘ex-tesoureiro’] são da conta que o PT mantém no Banco do Brasil para nela serem depositadas as parcelas do Fundo – 16,5 milhões de reais neste ano que ainda não acabou.

Pelos ares da Pátria

Se não tivesse sido descoberto o mensalão, em qualquer de suas formas, nem tivesse o então deputado Roberto Jefferson sido citado como cobrador de propinas nos Correios e no Instituto de Resseguros do Brasil, em suma, se a crise não tivesse rebentado, bastaria essa reportagem para deixar Lula e os seus companheiros numa enrascada.

Abasteceram-se ilicitamente do meu, do seu, do nosso, para circular pelos ares da Pátria, os filhos, as noras, um genro e uma neta de Lula – e mais, a mulher e a filha de Palocci. Nas palavras do corregedor-geral da Justiça Eleitoral, ministro Humberto Gomes de Barros, do TSE, citadas na edição de terça do Estado, foi ‘uma apropriação indébita, um desvio de dinheiro público’. Dois outros ministros, falando ‘em off’, também condenaram o PT.

Mas só nesse dia o jornal chamou a atenção para o facilitário da impunidade, ao informar: ‘Apesar de o país já começar a viver o clima da eleição de 2006, o tribunal ainda não julgou as contas do PT relativas a 2001, 2002, 2003 e 2004’. O Estado registrou também a promessa da Justiça Eleitoral de ser mais rigorosa e rápida no exame das contas partidárias.

E só nesse dia apareceu um petista estrelado falando da lambança. Do secretário-geral Ricardo Berzoini:

‘Dada a circunstância da posse [de Lula], politicamente, não há nada de irregular. E do ponto de vista legal, o parecer inicial da nossa consultoria jurídica é de que não há contradição, já que se tratava da família do presidente eleito’.

Vá lá que seja. Mas, como replica a matéria, e as passagens aéreas pagas a outras pessoas que não têm cargos no PT? [Mais do que depressa, por sinal, o ministro Palocci anunciou que iria ressarcir o partido, no que lhe diz respeito.]

E haja outras pessoas. No domingo (18/9), o Estadão voltou à carga, em matéria assinada de novo por Diego Escosteguy, em parceria com Marcelo de Moraes. Na primeira página: ‘Contas mostram farra do PT com o Fundo Partidário’. Dentro: ‘Fundo Partidário bancou jatinhos para petistas e até viagem a Paris’.

Entre os viajantes identificados no papelório: Marta Suplicy, Luiz Favre, José Genoino – e José Adalberto Vieira da Silva, o dos 100 mil dólares na cueca, que trabalhava para um deputado estadual petista no Ceará.

E o futuro prefeito de Guarulhos, Elói Pietá. Para representar o PT, em Paris, numa festa do jornal L’Humanité, o diário oficial do Partido Comunista Francês.

E ainda: o mesmo Pietá, dessa vez acompanhado pelo companheiro Luiz Carlos Fabbri. Para representar o PT, em Barcelona, como observador das eleições parlamentares catalãs.

O marido da ex-prefeita de São Paulo se manifestou na segunda-feira, dizendo que não fez, afinal, a viagem [a Madri] paga ‘legalmente’ com o dinheiro do Fundo. Se fez ou não fez, tanto faz. O que importa é que a passagem foi paga – e, segundo os ministros do TSE ouvidos pelo Estado, esse tipo de gasto pode ser tudo, menos legal.

Primeiro, 5 mil reais. Depois, 2 milhões de reais

Uma preciosidade, editada meio às escondidas, são os 5 mil reais pagos pelo PT, sempre com dinheiro do Fundo, a Manoel Severino dos Santos, que tinha sido secretário de Articulação Governamental na gestão Benedita da Silva, no Rio. Severino recebeu os cinquinhos por serviços de consultoria ‘para elaboração de sistema orçamentário’.

Aí vem o melhor da festa, para quem localizou a informação numa submatéria que destaca o dono da cueca, chamado no título de ‘ícone da crise’:

‘No dia 22 de maio, pouco mais de um mês depois do serviço, Manoel Severino assumiu o importante cargo de presidente da Casa da Moeda’.

Mas precisou pedir demissão quando a CPI dos Correios descobriu que, entre agosto de 2003 e julho de 2004, ele tinha sacado 2,676 milhões de reais nas contas de Marcos Valério no Banco Rural.

Ou 535,2 vezes mais do que cobrou pela ‘consultoria’ que o PT pagou irregularmente – e até hoje não sofreu nenhuma sanção por isso, porque a Justiça Eleitoral ainda não teve tempo de examinar as suas prestações de contas dos últimos quatro anos.

Informação final da reportagem:

‘Os ministros [do TSE] estão divididos sobre a aprovação ou não das contas [do PT] de 2003.’

Não precisa comentar, precisa?

[Texto fechado às 17h05 de 19/9/2005]