Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Demétrio Magnoli


‘A Revolução de 1848, a ‘primavera dos povos’, foi na França essencialmente uma revolta urbana em Paris. Ela se encerrou, de fato, com a coroação de Luís Bonaparte como imperador Napoleão 3º, em 1852. Sob o novo império, e com a assinatura do barão Haussmann, prefeito da capital entre 1853 e 1870, nasceria a Paris moderna.


Haussmann destruiu a cidade medieval, arrasando os densos e miseráveis quarteirões da região central, na Île de la Cité, e implantando a rede dos grandes bulevares, com suas perspectivas infinitas. A tríade de artérias radiais, obras de saneamento e parques e edifícios públicos produziu um padrão de segregação espacial de tipo centro-periferia. A reconstrução urbana representou a invenção simultânea das ‘rives de la Seine’, o domínio das classes abastadas, e das ‘banlieues’, os subúrbios populares.


Barricadas, nunca mais! Foi sob esse programa que Haussmann projetou a nova cidade. A Comuna de Paris, em 1871, assinalou o fracasso circunstancial do empreendimento, mas não evitou a reiteração de seu paradigma por meio de ciclos sucessivos de demolições e expansão das ‘banlieues’. O ciclo mais recente, instigado pelas barricadas do Maio de 68, deu-se sob Georges Pompidou, com a ‘revitalização’ das regiões de Les Halles e do Beaubourg, e sob François Miterrand, com os ‘Grandes Projetos’.


Os distúrbios atuais não envolvem barricadas. A sedição é um fenômeno dos subúrbios de Paris que se disseminou como um rastilho pela França. A fratura urbana manifesta uma fratura social e cultural. Os jovens árabes e africanos, filhos de imigrantes, experimentam a fronteira invisível da segregação espacial como exclusão política e econômica. Eles são desempregados, mas não miseráveis. Têm escolas e hospitais. Querem o respeito que seus pais não tiveram: a fagulha da extensão dos distúrbios foi a palavra ‘escória’, que saltou da boca do ministro do Interior, Nicolas Sarkozy.


Por que a França? No país da Revolução e do direito da terra, a nação é um contrato. A república promete a todos os seus habitantes a identidade francesa: liberdade, igualdade, fraternidade. Os jovens que incendeiam carros não querem ser o ‘outro’, a colônia incrustada na metrópole, o gueto cultural tolerado nos confins da cidade, as sombras ‘perigosas’ nas estações da periferia. Exigem emprego e a visão de um futuro. O contrato republicano. A cidadania inteira.


Há uma fratura política. Nenhum partido francês representa ou dialoga com esses jovens. A sua sedição desenrola-se fora da esfera da política, no plano estéril do vandalismo. Jean-Marie Le Pen, o chefe da extrema-direita, interpretou-a como uma ‘guerra civil’. É a senha para a intervenção do Exército, o esmagamento do ‘inimigo’ e a deportação dos ‘estrangeiros’. A conclamação de Le Pen ecoa na mídia ocidental, traduzida na linguagem obscurantista do ‘choque de civilizações’: a ‘intifada européia’, como quer o colunista Nelson Ascher.


Os jovens amotinados não protestam contra a ‘lei do véu’ nem portam a bandeira da jihad. Mas, como eles não falam, outros falam por eles, costurando a teia discursiva da ‘guerra ao terror’. Essa operação de vandalismo intelectual, destinada a alinhar a Europa à política mundial de Washington, é mais um préstimo dos fanáticos do Ocidente aos fanáticos de Osama Bin Laden.’



Olivier Roy


‘Rebelados não querem ser grupo étnico ou cultural, mas franceses ‘, copyright O Estado de S. Paulo / The New York Times, 10/11/05


‘Os distúrbios em Paris e outras cidades francesas têm levado a muitas interpretações e comentários, na maioria irrelevantes. Muitos dizem que a violência tem motivação religiosa e é o resultado inevitável da imigração descontrolada de muçulmanos; para outros, os desordeiros simplesmente se vingam por terem sido privados de sua herança cultural ou de uma participação justa na sociedade francesa. Mas a verdade é que não há nada particularmente muçulmano, nem mesmo francês, na onda de violência. O que testemunhamos é um levante temporário de um pequeno segmento de uma classe cultural ocidental desfavorecida que atinge Paris, Londres, Los Angeles e outros lugares.


Para entender o que por que é assim, consideremos dois fatos concretos presentes nos distúrbios. Primeiro, é um levante juvenil (e masculino). Os manifestantes têm em geral entre 12 e 25 anos e metade dos presos tem menos de 18. Os adultos mantêm distância dos protestos. Na verdade, eles são as primeiras vítimas (são seus carros que estão queimando) e querem a restauração da segurança e dos serviços sociais.


Mas os moradores mais velhos também se ressentem do que consideram a brutalidade desnecessária da polícia na repressão aos manifestantes, o festival de dirigentes fazendo promessas que, eles sabem, serão rapidamente esquecidas, e a demonização de suas comunidades por parte da mídia.


Em segundo lugar, os distúrbios são bastante circunscritos, geográfica e socialmente. Ocorrem em cerca de cem subúrbios – mais precisamente, bairros destituídos conhecidos na França como cités, quartiers ou banlieues. Há um antigo e forte senso de identidade territorial entre os jovens desses bairros, que tendem a unir-se em gangues com laços tênues. As diversas gangues relutam em perambular fora de seu território e mantêm longe os estranhos.


Agora, essas gangues incendeiam principalmente os próprios bairros e parecem pouco interessadas em levar a violência para áreas mais elegantes. Elas expressam uma revolta em ebulição alimentada pelo desemprego e pelo racismo. A lição, portanto, é que esses distúrbios, embora se originem em áreas povoadas por imigrantes de herança islâmica, pouco têm a ver com a ira de uma comunidade muçulmana.


A França abriga uma enorme população muçulmana que vive fora desses bairros. Trata-se, em grande parte, de pessoas que os abandonaram assim que puderam – e não se identificam com os desordeiros. A maioria dos manifestantes pertence à segunda geração de imigrantes, tem cidadania francesa e se considera parte de uma subcultura urbana ocidental moderna, mais que de qualquer herança árabe ou africana.


Não existem líderes nessas áreas, por uma razão bem simples: não existem comunidades nos subúrbios. O tradicional controle dos pais desapareceu e muitas famílias muçulmanas são chefiadas por um pai ou mãe solteiros. Os anciãos, imãs e assistentes sociais perderam o controle.


Paradoxalmente, os próprios jovens muitas vezes estabelecem as regras sociais locais, baseadas na masculinidade agressiva, no controle das ruas, na defesa de um território. Os americanos podem ouvir, nesses distúrbios, ecos do separatismo negro dos anos 60. Mas os jovens franceses não estão lutando para serem reconhecidos como um grupo minoritário étnico ou religioso. Eles querem ser aceitos integralmente como cidadãos. Acreditaram no modelo francês (integração individual por meio da cidadania), mas sentem-se enganados por causa de sua exclusão social e econômica. Assim, eles destroem o que consideram ferramentas da promoção social frustrada: escolas, escritórios de assistência social, ginásios. Contrariando os apelos de liberais, a maior ênfase no multiculturalismo e no respeito a outras culturas na França não é a resposta. Esta população jovem e revoltada é altamente aculturada e individualizada.


Os fundamentalistas estão claramente ausentes da violência. Os extremistas muçulmanos não compartilham a agenda juvenil (da venda de drogas às festas nos clubes noturnos) e os jovens rejeitam qualquer tipo de liderança.


Então o que deve ser feito? Os políticos ofereceram o previsível: toque de recolher e promessas vagas de ajuda econômica. Mas, agora que a França entrou no ciclo eleitoral presidencial, qualquer esperança de reconsideração de longo prazo é vã. Afinal, lidamos aqui com problemas enfrentados por qualquer cultura na qual as desigualdades e as diferenças culturais entram em conflito com os nobres ideais. Os americanos, por seu lado, não devem se alegrar com a agonia da França – a luta pela integração de uma classe desfavorecida e furiosa é compartilhada por todo o mundo ocidental.’



INTERNET


O Estado de S. Paulo


‘Sob pressão, Microsoft busca mudança de rumo ‘, copyright O Estado de S. Paulo, 10/11/05


‘A virada do setor de tecnologia para serviços e software baseados na internet representa uma transformação profunda e destrutiva, disse o presidente da Microsoft, Bill Gates, a altos executivos de sua empresa, em memorando destinado a mobilizar esforços contra as novas ameaças competitivas que a companhia está enfrentando.


Em e-mail datado de 30 de outubro, Gates insistiu em que os dirigentes da companhia ajam de maneira rápida e decisiva no sentido de oferecer esses serviços e fazer frente à forte concorrência. Mas ele advertiu que a companhia precisa ser cautelosa na construção da tecnologia certa para servir ao público certo.


‘Essa onda emergente de serviços será muito destruidora’, disse Gates. ‘Temos concorrentes que aproveitarão essas possibilidades e nos desafiarão – mas a possibilidade de liderarmos ainda é muito clara.’ Gates comparou o ímpeto na direção dos serviços – que variam de ofertas de software de negócios online a serviços de e-mail gratuitos com base na internet – às mudanças que ele percebeu há quase uma década. Naquela ocasião, ele escreveu um hoje famoso memorando chamado ‘The Internet Tidal Wave’, que promoveu uma virada radical da Microsoft para a tecnologia apoiada na internet.


Gates incluiu no e-mail um memorando de Ray Ozzie, um dos três principais diretores técnicos da Microsoft, esboçando idéias para mudanças amplas na empresa para enfrentar a crescente ameaça competitiva.


Nesse memorando, datado de 28 de outubro, Ozzie admitiu que a Microsoft não liderou o setor em serviços e software apoiados na internet, e agora enfrenta uma concorrência intensa de empresas como a Google Inc. Ele disse que a Microsoft precisa se concentrar nos princípios básicos do novo modelo, incluindo uma mudança para oferecer produtos gratuitos apoiados em publicidade e métodos mais sofisticados baseados na internet para o fornecimento de produtos.


Na semana passada, a Microsoft anunciou planos para o Windows Live e o Office Live, dois produtos apoiados na internet que visam a reforçar a concorrência da companhia com a Google, a Yahoo, a Salesforce.com e outras empresas que já estão obtendo sucesso com produtos semelhantes.


A Microsoft vem enfrentando críticas no sentido de que o seu modelo, que ainda se apóia, em grande medida, na venda de software em pacotes tradicionais, pode estar ficando obsoleto. O temor é que, na medida em que mais empresas ofereçam serviços online para tudo, do processamento de texto ao armazenamento de fotos, haverá cada vez menos necessidade dos lucrativos sistema operacional Windows e software comercial Office.’