Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Denúncias públicas, desagravos en petit comité

Toda pessoa deveria ser grata a Fernando Henrique Cardoso por algumas de suas contribuições para a cidadania nacional. Foi ele, por exemplo, quem introduziu no país essa espécie de disjuntor-faca servindo a nosso senso de realidade econômica que é a Lei de Responsabilidade Fiscal. Tais ferramentas de baixo custo cortam o funcionamento dos aparelhos elétricos sempre que a corrente de energia for insuficiente, evitando assim queima de motores de aparelhos domésticos, por exemplo. Analogamente, a LRF corta a fantasia populista de que o governo dê obras e serviços à população sem o pré-requisito da poupança.

Outra contribuição tucana valiosa é a legislação que regulamentou o Terceiro Setor. É até uma pena que Ruth Cardoso não tenha tido tempo de suscitar e implementar leis que dessem isenções fiscais às empresas e pessoas físicas generosas deste país.

Mas penso estar na hora de FHC aposentar a prancha em que vem surfando e orquestrando a campanha da imprensa contra o PT. Semana passada as ondas andaram altas, tanto o Estado de S.Paulo como a Folha de S.Paulo promoveram verdadeiras sinfonias antigoverno.

O matutino dos Mesquita, ao invés de aceitar uma batalha perdida na guerra de escândalos que vivemos, estampa no topo da primeira página da edição de terça-feira (25/7) ‘Petista é acusado de usar esquema sanguessuga’. Ora, muito mais notícia é o fato de o PFL ter o triplo dos envolvidos do que o par de petistas suspeitos, mas essa informação alojou-se em páginas menos freqüentadas.

A TV Globo não fica atrás. Faz poucos meses que o canal alardeava conjecturas e hipotéticas relações de causa e efeito entre o caso Celso Daniel e os porões do caixa do PT, com direito a assassinatos e chantagens perpetradas por companheiros de estrela no peito. Ora, andou o tempo e, na terça-feira (25), João Francisco, irmão do ex-prefeito Celso Daniel, retratou-se no Fórum de Santo André das afirmações que fizera contra José Dirceu, de que este recebera propinas de empresas de ônibus. Mas agora só garimpando sites e os confins dos jornalões para aprender sobre a retratação.

Prozac nas redações

Na galeria de calúnias e falácias, no lugar de honra nesta semana, fiquem as declarações de FHC entrevistado pelo jornal chileno La Tercera. O que disse o ex-presidente em Santiago ganha quase a página inteira de O Estado de S. Paulo (A10, sexta, 28/7/06). George Bush e Tony Blair, com toda sua pujança bélica, não intimidam os xeques do barril a 77 dólares, mas Fernando Henrique quer que Lula controle Chávez. ‘Teria sido possível evitar que Chávez ganhasse um terreno tão forte’, diz. FHC se permite afirmar isso e um par de frases adiante acrescentar a respeito da Venezuela: ‘(O país) tem nesse momento um líder com grande força na mídia, que é porta-voz de uma visão contra a globalização e o capitalismo.’ Um sociólogo catedrático da USP não poderia deixar de reconhecer essa obviedade, mas esperávamos que a sanha eleitoral o impedisse de estabelecer missão impossível para o adversário dos tucanos.

Lá ia eu desanimado com a falta de fair-play da grande imprensa nacional, mas mantendo alguma esperança de que na Folha de S. Paulo encontraria páginas menos de torcida eleitoreira. Joguei a toalha diante deste ‘La garantia soy yo’, por Fernando de Barros e Silva (A2, 28/7/06). Fernando escreve em área nobre, no espaço do best-seller Clovis Rossi, sua responsabilidade é grande. O texto faz leitura que entretém, suas imagens são fortes e a exposição de idéia flui muito bem. Pena é sua total falta de proposta concreta alternativa.

Talvez fosse o caso de o Ministério da Saúde distribuir Prozac em certas redações. Não que o mundo todo não ande deprimido, mas alguns de nós têm em mãos esse alto-falante dando sobre o planeta que é a mídia. A ela pede-se sentido de solidariedade, de tentativa de construir.

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Diretor de ONG, Bahia