Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Depois do CFJ, outra péssima idéia

Em princípio, parece ser uma boa idéia: o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) decidiu formar um grupo de estudos ‘para propor alterações na legislação em vigor a fim de viabilizar a regulamentação da profissão de jornalistas’. No entanto, essa iniciativa se deu com base em uma estreita visão sobre a pluralidade de concepções acerca do tema, pois o referido grupo deverá ser composto apenas por representantes de categorias profissionais, de empresas jornalísticas e do próprio ministério, conforme nota divulgada pelo próprio órgão em 25 de julho (ver ‘Criado Grupo de Estudos para discutir profissão de jornalista‘).

O problema não está em ser esse tema analisado por empregados, patrões e governo. Mas está em ser estudado somente por representantes desses três setores ‘com o objetivo de propor alterações na legislação em vigor para viabilizar a regulamentação da profissão de jornalistas’, conforme estabelece a a Portaria MTE nº 342, de 23/07/2008. A equipe deverá ter nove integrantes, sendo três de cada um desses setores, e terá prazo de 90 dias para entrega de relatório final ao ministro Carlos Lupi.

Manobras contrárias

Por mais relevantes que sejam os fatores que envolvem as relações entre trabalho e capital, a matéria é por demais complexa para ser considerada somente sob esse enfoque, que certamente prevalecerá na pauta desse grupo. Além disso, a iniciativa do ministro mostra que o governo aprendeu muito pouco com os debates que se sucederam à malograda tentativa de implantação do Conselho Federal de Jornalismo (CFJ) por meio do Projeto de Lei nº 3.895, enviado em agosto de 2004 à Câmara dos Deputados por solicitação da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj).

Assim que foi enviada ao Congresso, a proposta do CFJ foi imediatamente identificada, e com razão, como uma iniciativa policialesca por parte da Fenaj secundada pelo governo, ao qual cabe privativamente a atribuição de propor a criação de autarquias. A iniciativa teve, porém, o mérito de abrir um grande debate público sobre a regulamentação do jornalismo.

Apesar disso, seu trâmite no Legislativo foi marcado por uma intensa campanha de oposição por parte de empresas jornalísticas e por diversas manobras por parte de sindicatos, como mostrei na época em dois artigos, ambos publicados no Observatório da Imprensa, ‘O cavalo de Tróia e o rolo compressor‘ (9/9/2004) e ‘Como a Fenaj esvaziou o debate sobre o CFJ‘ (28/9/2004). E foi também sumariamente arquivada sem nenhuma discussão após um acordo entre o governo e lideranças partidárias da Câmara no início de dezembro.

Em outras palavras esse projeto de lei foi alvo de manobras contrárias ao debate público justamente por força desses três setores que devem integrar o grupo de trabalho previsto pela portaria ministerial. Apesar disso, diversos foram os pontos de vista apresentados por jornalistas, juristas e especialistas de outras áreas por meio de vários veículos de comunicação, principalmente na internet.

Enfoque reducionista

Uma observação que descreve com muita propriedade a diversidade de opiniões apresentadas naquele segundo semestre de 2004 sobre essa tentativa de regulamentação do jornalismo é a de Alberto Dines em seu artigo ‘CFJ continua inútil, mas o debate é essencial‘, publicado neste Observatório (14/12/2004):

‘O grande debate sobre o CFJ, além da sua intensidade e duração, teve o mérito de revelar um novo emissor de opiniões em matéria de imprensa e liberdade de expressão. Ao tradicional binômio empresas-governo acrescentou-se um terceiro elemento: os jornalistas independentes. Este é um dado que tanto o governo como as empresas precisam levar em conta. Já não estão sozinhos na feira das idéias. Significa que poderemos chegar a uma situação semelhante à americana ou européia, onde o ponto de vista da empresa jornalística vem acompanhado por uma dose de suspeição não muito diferente da que envolve as manobras oficiais.’

A iniciativa do MTE seria defensável se o grupo de trabalho proposto fosse integrado também, e expressivamente, por estudiosos sobre o assunto, inclusive juristas da área de Direito Público. Se há alguma coisa que o tema da regulamentação da profissão de jornalista no Brasil já tem de sobra, e não precisa de mais nenhum reforço, é o inevitável estreitamento da razão decorrente do enfoque reducionista à relação capital-trabalho, que nada mais faz senão limitar a interpretação de cada um dos fenômenos a um enquadramento binário e maniqueísta

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Jornalista especializado em ciência e meio ambiente