Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Depois do jornalismo fiteiro, a reportagem dossiêira (argh!)

A expressão foi criada neste Observatório no final dos anos 90. Sinônimo de imprensa marrom, designa um procedimento escuso disfarçado em jornalismo de alto nível.


O jornalismo fiteiro consiste na transcrição pura e simples de grampos (legais ou ilegais), fitas (em áudio ou vídeo) e dossiês, entregues por ‘fontes secretas’ a um jornalista (ou intermediário) desde que haja o compromisso da imediata divulgação sem recorrer a qualquer suporte investigativo.


O dossiê mais escandaloso foi obra dos aloprados (assim classificados pelo presidente Lula), que falsificaram denúncias dos sanguessugas Vedoin contra lideranças do PSDB na véspera das eleições presidenciais de 2006. A intenção dos falsários era publicar o dossiê no semanário IstoÉ, cuja boa vontade já estava a$$egurada.


Independente do conteúdo do dossiê – o item menos importante da transação –, o que conta é a disponibilidade de um veículo de informação em publicar os dados sem questioná-los ou apurá-los.


O ilícito existe a partir da certeza (ou presunção) de que em Brasília sempre haverá jornalistas dispostos a publicar matérias marrons, quaisquer que sejam a sua procedência e objetivo. Se porventura as empresas jornalísticas usassem o seu inabalável esprit de corps para barrar tais procedimentos, tanto o jornalismo fiteiro como suas variantes não teriam prosperado.


Garantido o divulgador, pouco importa onde, como, quem o produziu, a quem interessa o vazamento e quem o vazou.


Nova fase, práticas antigas


O Dossiê dos Cartões (o nome definitivo ainda não foi determinado, vai depender da identificação dos culpados) é um caso clássico e marca o início de uma fase mais sofisticada: o veículo (no caso, Veja) o recebeu para que denunciasse os seus autores. Esta era a isca. E os autores contavam com a divulgação da papelada (ou base de dados) para comprovar que nos governos anteriores também ocorriam abusos com os cartões corporativos. Toma lá, dá cá – todos saíam ganhando.


A verdade é que a novela do Dossiê Visa (ou Mastercard, dá no mesmo) foi toscamente armada e por isso está praticamente destrinchada: já se sabe onde a peça foi montada (numa dependência da Casa Civil, próxima à secretária-executiva Erenice Guerra), quem a vazou (José Aparecido Nunes Pires, secretário de Controle Interno da mesma repartição) e quem a conduziu até as proximidades do veículo vazador (André Eduardo da Silva Fernandes, assessor do senador tucano Álvaro Dias).


Veja publicou a armação palaciana porque nossa mídia aceita qualquer lixo jornalístico, de qualquer origem – com raras exceções e estas exceções não se situam no segmento dos semanários de informação.


No dia em que autoridades e políticos forem informados de que suas fitas e dossiês já não têm livre trânsito nas redações brasilienses, o jornalismo fiteiro ou dossiêiro estará automaticamente extinto.


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Aqueles que sabem o que é Estado Novo, proclamado em 10 de Novembro de 1937, e ainda se recordam do famigerado Plano Cohen são privilegiados: sabem que se trata do primeiro dossiê fajuto, chapa-branca, preparado para ser amplamente divulgado e, em seguida, acionar uma violenta reação militar. A ditadura do Estado Novo começou assim.