Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

É bom mostrar como funciona o governo

De vez em quando a imprensa invade as entranhas do governo e de suas empresas e o resultado é quase sempre mais interessante que a maior parte do noticiário. Há um ganho importante de informação quando se mostram não apenas os fatos consumados, mas como as coisas são feitas. Alguns bons exemplos desse trabalho surgiram no intervalo de poucos dias, no começo de julho, no Globo, no Estado de S.Paulo e na Folha de S.Paulo.

No dia 5, um domingo, O Globo contou como 22 ex-sindicalistas, instalados em postos estratégicos da Petrobras, comandam a distribuição de verbas para projetos de 938 prefeituras. A lista divulgada pelo jornal mostra ex-sindicalistas – 17 deles vinculados ao PT – como executivos dos setores de Gás e Energia, Comunicação Institucional e Recursos Humanos da Petrobras e em postos da Transpetro e da Petros, o fundo de pensão vinculado à empresa. O setor de Comunicação Institucional, responsável pela publicidade e pela distribuição de dinheiro para programas sociais e ambientais, abriga sete daqueles antigos sindicalistas.

A atividade inclui a concessão de verbas para festas juninas. Segundo a reportagem, 86 prefeituras tiveram acesso a essas verbas neste ano. O PT foi o partido com maior número de prefeituras – 20 – beneficiadas. Em segundo lugar ficou o PMDB, com 12. São detalhes interessantes, ainda mais depois do Estado de S.Paulo ter divulgado na quinta-feira seguinte (9/7) como a Fundação Sarney usou dinheiro recebido da Petrobras. Do total de R$ 1,3 milhão, pelo menos R$ 500 mil, de acordo com a matéria, foram destinados a empresas com endereços fictícios.

Bom exemplo de cobertura

No mesmo domingo, o Estadão mostrou, no material mais importante do caderno de ‘Economia e Negócios’, como os problemas internos de administração emperram os programas de investimentos. O baixo nível de execução dos projetos é conhecido. Mesmo com o maior desembolso das verbas de investimento observado neste ano, o cumprimento das metas continua muito baixo (até 1º de julho, o Tesouro pagou apenas R$ 2,49 bilhões, 4,93% do total autorizado para o ano). A reportagem é em boa parte baseada num trabalho em elaboração pelo economista Mansueto Almeida, do Instituto do Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

A matéria inclui uma entrevista com o diretor-geral do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, Luiz Antônio Pagot. Problemas de licenciamento, de burocracia, de falta de pessoal e de ineficiência da máquina são apontados como causas de atraso na execução das obras. Alguns dos argumentos podem ser discutíveis, mas é interessante conhecer o ponto de vista de um gestor diretamente envolvido no problema.

Na segunda-feira (6/7), a Folha de S.Paulo chamou a atenção para um fato ainda não examinado pela imprensa: nos 12 meses terminados em maio, as estatais pagaram ao Tesouro dividendos no valor de R$ 16,3 bilhões, mais que o dobro do valor pago em 2007 – R$ 7 bilhões. Por que essa repentina fome de dividendos? Segundo o jornal, o dinheiro tem sido usado para compensar a perda de arrecadação causada pela crise e para sustentar, portanto, o aumento de gastos de custeio, puxados pela expansão da folha de salários.

Todos os jornais vinham produzindo matérias sobre os efeitos da recessão nas contas públicas, mas nenhum havia avançado na história dos dividendos. O material da Folha é um bom exemplo de como cobrir um assunto por dentro.

Um grande abacaxi

Na maior parte da segunda semana de julho, a cobertura econômica foi dominada por assuntos obrigatórios e óbvios, como o aumento da carga tributária divulgado pela Receita Federal, os novos dados da atividade industrial e as atividades, na cidade italiana de L´Aquila, do Grupo dos 8, formado pelas sete maiores economias capitalistas e pela Rússia, e do Grupo dos 5 (Brasil, Índia, China, México e África do Sul). Não houve decisões de grande alcance e a cobertura foi morna, mas os jornais chamaram a atenção para o recolhimento do presidente brasileiro, pouco acessível à imprensa durante a maior parte do tempo.

Entre as boas matérias não previsíveis, vale a pena destacar a do Globo sobre o futuro das atuais concessões do setor elétrico. Falta decidir se haverá ou não renovação, a partir de 2014, das concessões de 58 usinas com 21% da capacidade instalada de geração. Em 2017 vencerão as concessões de 82% do sistema de transmissão e de 41 das 64 distribuidoras de energia elétrica. Tudo isso forma um grande abacaxi e é preciso tomar as decisões políticas num prazo não muito longo. É um bom trabalho pôr a discussão na rua desde já.

******

Jornalista